Sócrates foi viver para Paris, para estudar Ciência Política.
Certa imprensa, que eu não frequento por uma questão de asseio, relata uma real ou suposta vida de nababo do ex-PM.
A Justiça investiga, mas não se resguarda. Em vez de desempenhar o seu papel como deve ser, e tentar apanhar Sócrates com a boca na botija, não: vá de promover o atropelo à lei, vazando na dita imprensa toda a sorte de fugas de informação sujeita ao caricaturesco segredo de justiça. Isto é: não interessa se a Justiça cumpre a lei; o que interessa é engavetar o corrupto, e de caminho tornar alguns agentes da justiça estrelas da chamada do mundo mediático
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O espectáculo que tribunais e Ministério Público têm dado ao longo destes anos, teve ontem mais um momento glorioso: "No acórdão, os juízes do Supremo justificam que existe um risco real do não reconhecimento público da imparcialidade de Rui Rangel." Isto, depois de ter sido negada a pretensão do afastamento do juiz Alexandre, após a desastrada entrevista à sic.
Sim, reconheço que seria praticamente impossível, e provavelmente indesejável, afastar Carlos Alexandre, atendendo às dimensões do caso. E também acho que os juízes em funções, seja Alexandre seja Rangel, deveriam estar autorizados a falar apenas do futebol e dos quadros do Miró. Uma vez que não é assim, o que me chateia é conversa canhestra do STJ.
Agora já não é o plebeísmo da Relação com o adágio das cabras; agora é o STJ a não se dar ao trabalho de usar uma justificação sólida para o afastamento de Rangel, parecendo que, para quem é (opinião pública), bacalhau basta: já nem falo do 'risco real do não reconhecimento público da imparcialidade' do juiz Rangel (então a Justiça sacrifica ao 'reconhecimento público'?...); o pior de tudo é a própria justificação: o juiz Alexandre pode dizer o que quiser a propósito de um arguido, mesmo que em alusão indirecta, como toda a gente percebeu; aí, já não há problema; o juiz Rangel, como favoreceu Sócrates numa opinião e numa decisão, já corre o risco de ver afectada a sua imparcialidade...
Posso estar redondamente enganado, mas isto vai acabar mal. E o acabar mal é o arrastamento do caso por anos, sem que se chegue a um desfecho, a não ser na tal opinião pública, que há muito já condenou ou absolveu Sócrates. Pelo caminho, lama e descrédito, sujando tudo e todos. E poderia ter sido diferente? Não pertenço a esse mundo, mas tenho a impressão de que poderia.
9 comentários:
é tão evidente a cogitação, que eu espero viver para lhes ouvir as "justificações"
Será sinal de uma vida longa.
Claro que poderia, se desde do princípio o processo não tivesse decorrido na praça pública. Moralmente, Sócrates, depois de reconhecer ter mentido, não tem perna para se segurar, pelo que quaisquer pretensões sobre um regresso à política (ou sequer ao circuito dos ditos notáveis) são pura ilusão. Assim, como diria o Diácono, não havia necessidade deste circo todo se a ideia é apenas desfazer a reputação do homem. Se se quisesse realmente fazer justiça, seria preciso investigar bem antes de eventualmente prender, se nunca procurar humilhar, e acusar e julgar rapidamente, condenando ou ilibando. Assim, se Sócrates for realmente culpado de algum crime, este foi o melhor favor que lhe fizeram, porque pode fazer-se de vítima e com toda a razão. Aliás, como penso que já disse, noutras jurisdições, o processo já teria sido mais que anulado por violação do princípio da legalidade processual (due process)...
Sem tirar nem pôr.
Em relação à mentira, já não me recordo. Lembro-me da omissão inicial do alegado empréstimo. No entanto, para um homem público, uma omissão é praticamente equivalente a uma mentira.
Sócrates disse ao Expresso, se bem me recordo, que o dinheiro que lhe permitia viver em Paris era proveniente de um empréstimo da Caixa. Como já disse mais que uma vez, além de mentiroso, ele foi absolutamente néscio ao esconder a origem do dinheiro. Uma 'pessoa politicamente exposta' não pede empréstimos informais a amigos que tiveram relações de negócio com o Estado quando essa pessoa exercia altos cargos. À mulher de César não basta ser honesta, tem que o parecer. No limite, se Sócrates não conseguia arranjar o dinheiro por outras vias e precisava mesmo do capital, pedia o empréstimo recorrendo a uma letra de crédito e assumia isso de forma transparente (sujeitando-se à censura). Como isso não aconteceu, as autoridades francesas e portuguesas fizeram muito bem em investigar (só que estas últimas depois entornaram o caldo todo, para sermos bonzinhos). Sócrates não só se comprometeu a si, o que já é mau para um ex-PM, comprometeu todos aqueles que com ele trabalharam e/ou o defenderam, a começar por pessoas dos seus círculos íntimos (tenho imensa pena de Câncio, que considero uma grande jornalista e que viu a sua vida privada devassada, por exemplo).
Estou de acordo com as suas observações e preocupações.
Infelizmente, muita gente não tem andado bem no justiçal. Faltas de bom senso, ânsias de mediatismo, sobrejoelhismo, e outros ismos...
O processo Marquês parece não ter sido planeado da melhor forma. Terão começado pelo fim... Agora, devem estar à rasca para juntar tantas pecinhas no puzle.
Quanto às fugas de informação para os media, não consigo compreender porque continua tudo na mesma. Sinceramente, acho que o MP (refiro-me aos magistrados) não só não fornece as informações como se sentirá muito incomodado com tudo isto.
Sobre auto-denominar-se o meu amigo de socrateiro, concordo, já que o reconhece... Caramba, independentemente de vir ou não ser condenado na justiça, o homem está num lodaçal fétido. Só não vê quem não quer ver.
Jaime, de acordo quanto a esse tipo de justificações que, a serem verdadeiras, não fazem sentido, quanto a mim. Quanto às vítimas colaterais, não imputo necessariamente a culpa a Sócrates, mesmo que venha a ser culpado, mas à badalhoquice da imprensa.
Fernando, ia agora dar uma marretada no MP por causa do Madoff, quando vi o seu comentário, que prezo por muitas razões.
As fugas, se não teve o dedo do MP, teve o do juiz (já que o inspector tributário pediu ele próprio uma investigação às fugas, pois só podiam vir de um desses três).
Quanto ao 'socrateiro' estava a usar de ironia, pois nada do que escrevi até hoje me pode qualificar enquanto tal. E se o fosse, já me conhece para saber que o assumiria.
Se me perguntar se eu gostaria que Sócrates fosse ilibado, é claro que gostaria, Sócrates ou outro primeiro-ministro qualquer, pois acho catastrófico o país ter sido governado por um homem corrupto.
Se me perguntar, ainda, se tenho confiança na justiça, dir-lhe-ei que não tenho nenhuma, pois ainda não me esqueci do caso Casa Pia, e de como ela foi usada (ou deixou usar-se) para decapitar a liderança de Ferro Rodrigues, a mais à esquerda que o PS conheceu, ao mesmo tempo que as casos ligados ao PSD, como o BPN, se vão extinguir; ou ao CDS, como os submarinos, que nem sequer existem, havendo corruptores presos na Alemanha e corrompidos presos na Grécia. Perante isto, que confiança deveremos ter?
Quanto ao ver, o MP deve mostrar ao país a evidência da culpabilidade de um ex.PM e não deixar os cidadãos aos palpites. Foi o que fizeram os americanos no caso Madoff, ao contrário do que diz a Sr.PGR.
Eu concordo com o Ricardo quanto ao desejo de ver Sócrates ilibado e exatamente pelas mesmas razões. Mal está o País quando um ex-PM, que ocupou o mais alto cargo executivo da nação, é considerado culpado de corrupção. Mas, se houver provas suficientes, espero que seja condenado, mesmo se considero que o processo está de tal maneira inquinado que já não se fará Justiça, mesmo que as ditas provas sejam à prova-de-bala. A Justiça não se mede só pelos resultados mas pelos meios que foram utilizados para aí chegar...
E Ricardo, tem razão, a culpa dos desmandos da imprensa é só dela. Mas Sócrates não é nenhum anjinho para não ter percebido (tem a experiência do processo Freeport, que diabo) que qualquer dúvida sobre o seu comportamento iria dar um motivo aos me(r)dia para o encharcarem a ele e aos seus de lama mais uma vez. Logo, faltou-lhe a devida prudência e isso também é censurável...
Finalmente, se defender Sócrates de algum modo contra os abusos do aparelho judicial ou dos me(r)dia é ser socrateiro, então eu sou socrateiro com todo o orgulho... Um homem pode ser moralmente repugnante e ser ainda assim inocente de qualquer crime... E é só isto que a Justiça julga e nada mais. Os julgamentos políticos e morais ficam com cada um...
Claro, se culpado, cadeia com ele. Não podemos andar constantemente a vociferar contra a ladroagem e depois, quando é a doer, encolhermo-nos. Mas o ponto, da minha parte, como creio que sabe, não é nem nunca foi esse.
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