sexta-feira, agosto 30, 2013
entre digestões e Salazar: Ruben A., A TORRE DA BARBELA (1964) #3
Ainda a procissão ia no adro, ou melhor: ainda era de dia -- o período mais desinteressante na velha Torre da Barbela --, os poucos visitantes "do costume" iniciavam a ascenção dos seus 32 metros, e já o narrador pusera o caseiro-guia, muito despachado nas suas "lérias de almanaque", em "ascrições latinas", pedras de "prumitiba" ou mortes por "adigestão" para impressionar os excursionistas, que rapidamente se desvanecerão, sem outro interesse na narrativa que não fosse o de pontuar a vetustez e decorrente interesse patrimonial do edifício -- como seria de esperar dum grupo de de excursionistas.
O registo é cómico desde o início: a fila de visitantes a caminho do alto é comparada com uma espécie de lombriga subindo por um enorme tubo digestivo, o próprio monumento:
«A bicha dentro do esófago da Torre contava para si os martírios passados naquela ascensão; uns davam as has de alívio, outros comparavam com a escadaria do Bom Jesus do Monte, com a Torre dos Clérigos e ainda recordavam a subida ao Santuário de Lamego.» (p.8)
Ao tom farsante, imagens do remanso bucólico do país: o rio Lima, «calão e adormecido», que «nem sabia de onde vinha»; «saudades da Índia à deriva num mar vegetal», Natureza «a queixar-se do reumático», quotidiano vegetativo.
"O dono actual, burgesso" deste "monumento nacional" deixava-o ao abandono: «E talvez fosse melhor assim. Não se industrializava nem se ofendia o sagrado das pedras, testemunhas de feitos extraordinários.» (p.10) O dono da Torre que evoca o Portugal da época -- vasta paisagem para lá de Lisboa -- e o dono dele, Salazar.
edição: Lisboa, Círculo de Leitores, 1988
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Ruben A.
Síria: provas, queremos provas
Francamente, não me importa que haja intervenção à margem do Direito Internacional se existirem provas contra o regime sírio. Não havendo, tudo não passará de manipulação grosseira e/ ou duvidosas e débeis convicções.
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quinta-feira, agosto 29, 2013
uma epígrafe de Sá de Miranda
«Logo os meus olhos ergui / à casa antiga e à Torre / e disse comigo assi: / 'Se Deus não val aqui, / perigoso imigo corre!» -- n'A Torre da Barbela, de Ruben A. (1964)
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M. Teixeira-Gomes, ou da estética à coisa
MTG, embaixador em Londres (fonte:http://relogiodaguaeditores.blogspot.pt/2013/05/) |
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quarta-feira, agosto 28, 2013
cantante
Sabina Freire, a arguta e capitosa protagonista da peça homónima de Teixeira-Gomes, "é uma cantante!"
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terça-feira, agosto 27, 2013
Machado de Assis tem estilo, e cargas de profundidade (DOM CASMURRO #2))
Sou advertido, eu, leitor -- e gosto deste humor desprendido que me interpela --, para não procurar em dicionários: casmurro aqui não é sinónimo de teimoso; e fico desde logo a saber: "[...] se não tiver outro [título] daqui até ao fim do livro, vai este mesmo.» Benévolo para com o "poeta do trem" ao ver a capa, "poderá cuidar que a obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seu autores; alguns nem tanto." Serve para escritores-fantasma, ou homens-públicos que publicam...
A fluidez do estilo de Machado, apanágio só dos predestinados, menos pela desenvoltura que por algo ainda mais importante para o escritor do que o próprio estilo, a profundidade.
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segunda-feira, agosto 26, 2013
Rorschach
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13-VIII-2013
Acabei a madrugada a ler Watchmen (1986) de Alan Moore & Dave Gibbons. Não sou um indefectível dos comics, Batman (dos grandes autores) e The Spirit (do Eisner) à parte, entre poucos outros.
Tour de force que deu mais densidade às narrativas de super-heróis (apesar de Bruce Wayne ou Peter Parker...), touxe-nos também um fantasmagórico Rorschach. Walter Kovaks de seu nome civil, filho de prostituta e produto do que se julga poder ser o crescimento infantil, dos alcoices até à institucionalização, traumas de cuja existência se adivinha.
Chapéu, gabardine amarrotada, tanto quanto o gorro que exibe variáveis imagens de Rorschach, a cujo autor o anti-herói vai buscar o nome. Intuitivo, inteligente, Rorschach odeia os maus visceralmente, infligindo-lhe provações de violência e quase sádica, inflingindo terror aos delinquentes, como se fosse um Hannibal Lecter do bem, descontando-se a desordem canibal.
Capturado na sequência de uma cilada, cuja orquestração remete para o nó da narrativa, Rorschach é encarcerado numa prisão com mais de um recluso a querer ajustar contas passadas. Em anotações de trabalho, o psicoterapeuta da cadeia -- excelente momento do cap. VI -- resume um grave incidente ocorrido no refeitório, entre o mais fascinante watchman e outros companheiros de cárcere: "Vocês não estão a perceber. Eu não estou aqui fechado convosco, são vocês que estão aqui fechados comigo."
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num inferno branco de neve e solitude
Um mapa centrado no Indocuche, abre a primeira prancha de O Avião do Nanga (1987) O Indocuche tem uma sonoridade com o peso de séculos, tempo que lhe empresta uma aura de terra mítica ou inventada, uma Camelote, ou coisa assim. E no entanto, o Indocuche existe; e ao contrário doutros topónimos congéneres -- Samarcanda, Bagdade, Cartago, Timbuctu... --, cujo prestígio lendário pretérito não aguenta o confronto com a realidade presente, o Indocuche -- por onde passou um raio chamado Alexandre, o Grande, e hoje brotam talibãs como as papoilas autóctones -- persiste em nos desinquietar, como uma vinheta de Hermann para um argumento de Greg...
Nessas montanhas, nesse "inferno branco" de neve e solitude, despenha-se um monomotor pilotado por um ex-desertor da Luftwaffe (já estamos em 1948), como viremos a saber adiante. Ileso, porém sem rádio e poucos víveres.
Ao longe, um carreiro de formigas, que é uma caravana de camelos da Bactriana. Um tiro despedido por Adler ecoa por entre as fragas himalaicas. Se ouviram, não se sabe. A meio caminho entre duas cidades, Gilgit e Laore, Adler exclama: «Desta vez é o fim... Estou perdido!»
René Sterne, O Avião do Nanga, pranchas 1-2.
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terça-feira, agosto 06, 2013
Manuel Ferreira: "as bocas famintas, senhor"
Empurrados do interior, os povos buscavam o litoral na esperança de uma mandioquinha, de um caldinho de peixe, de um cana para chupar, ou de folhas verdes para mastigar. Qualquer coisa que lhes desse, ao menos, a ilusão de alimento. Mas nas povoações da beira-mar, mesmo nas terras maiores, os haveres tinham sido também arrasados pelos ventos da miséria. Nem a sopa da Assistência evitava que no alvor da madrugada a carroça da Câmara levasse os que haviam tombado, de noite, na rua, inteiriçados, frios. Nem a sopa da Assistência o evitava, bem se pode dizer: as bocas famintas, senhor, eram às dezenas de milhar.
início de Hora de Bai (1962), de Manuel Ferreira
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domingo, agosto 04, 2013
é noite em Notre-Dame-des-Lacs
Loisel & Tripp, Armazém Central (2006), pranchas 1-2.
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sábado, agosto 03, 2013
sexta-feira, agosto 02, 2013
Júlio Dinis: "a quadrupedante alimária"
Um, o mais moço e pela aparência o de mais grada posição social, era transportado num pouco escultural, mas possante muar, de inquietas orelhas, músculos de mármore e articulações fiéis; o outro seguia a pé, ao lado dele, competindo, nas grandes passadas que devoravam o caminho, com a quadrupedante alimária, cujos brios, além disso, excitava por estímulos menos brandos do que os de simples e nobre emulação.
A Morgadinha dos Canaviais (1868)
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uma ilustração
creio que de Bernardo Marques (a assinatura
terá sido comida), para a capa da 2.ª edição de Pântano,
de João Gaspar Simões (1946)
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quinta-feira, agosto 01, 2013
"Aquela era uma noite diferente e angustiante."
Aquela era uma noite diferente e angustiante. Sim, porque os homens tinham um ar de desassossego e o marinheiro que bebia solitário no Farol das Estrelas correu para o seu navio como se o fosse salvar de um desastre irremediável. E a mulher, que no pequeno cais do mercado esperava o saveiro onde vinha o seu amor, começou a tremer, não do frio do vento, não do frio da chuva, mas de um frio que vinha do coração amante cheio de maus presságios da noite que se estendia repentinamente.
Jorge Amado, Mar Morto (1936)
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