Ainda a procissão ia no adro, ou melhor: ainda era de dia -- o período mais desinteressante na velha Torre da Barbela --, os poucos visitantes "do costume" iniciavam a ascenção dos seus 32 metros, e já o narrador pusera o caseiro-guia, muito despachado nas suas "lérias de almanaque", em "ascrições latinas", pedras de "prumitiba" ou mortes por "adigestão" para impressionar os excursionistas, que rapidamente se desvanecerão, sem outro interesse na narrativa que não fosse o de pontuar a vetustez e decorrente interesse patrimonial do edifício -- como seria de esperar dum grupo de de excursionistas.
O registo é cómico desde o início: a fila de visitantes a caminho do alto é comparada com uma espécie de lombriga subindo por um enorme tubo digestivo, o próprio monumento:
«A bicha dentro do esófago da Torre contava para si os martírios passados naquela ascensão; uns davam as has de alívio, outros comparavam com a escadaria do Bom Jesus do Monte, com a Torre dos Clérigos e ainda recordavam a subida ao Santuário de Lamego.» (p.8)
Ao tom farsante, imagens do remanso bucólico do país: o rio Lima, «calão e adormecido», que «nem sabia de onde vinha»; «saudades da Índia à deriva num mar vegetal», Natureza «a queixar-se do reumático», quotidiano vegetativo.
"O dono actual, burgesso" deste "monumento nacional" deixava-o ao abandono: «E talvez fosse melhor assim. Não se industrializava nem se ofendia o sagrado das pedras, testemunhas de feitos extraordinários.» (p.10) O dono da Torre que evoca o Portugal da época -- vasta paisagem para lá de Lisboa -- e o dono dele, Salazar.
edição: Lisboa, Círculo de Leitores, 1988
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