quarta-feira, maio 15, 2013

o nosso Zola

Escrito em 1895-96, mas só publicado em 1901, eis o naturalismo literário português em toda a sua miséria de patologia social... Botelho é o nosso Zola, sem o talento deste -- mas é o nosso... E, como tal, é preciso lê-lo, tentar resistir ao ínfimo detalhe destes cirurgiões de aleijões sociais e atentar no que tem de bom (porque também o tem). E Abel Botelho, apesar do intrincado da prosa, não deixa de ter vigor, por vezes impiedosamente cru.
Amanhã trata do operariado lisboeta finissecular, do lumpen-proletariado de maus fígados, mau vinho e deficiente nutrição, à beira da miséria -- embora ainda não os mais pobres dos pobres.
Para já, primeiras páginas, apresenta-se-nos Serafim, chegado a casa ao fim duma jornada de trabalho, e Clara, sua mulher ("dois enjeitados da sorte"), a quem é exigido o jantar e o vinho. Surge em seguida Ana, a vizinha, mãe duma rapariguinha "de mal agouradas heptizações na face" (o vocabulário médico-cirúrgico é imprescindível...), cujo pai é o Esticado... Escusado será dizer que a sopa é "uma negra e triste aguadilha" e os purulentos carapaus fritos nadam "numa repugnante e crassa oleosidade". A casa é suja, o mobiliário tosco e, no estuque do tecto "negrejava, por milhares, um constelado planisfério de dejecções de moscas." Inevitável.
Digamos que não é uma leitura leve, mas é imprescindível.

2 comentários:

Manuel Nunes disse...

Li "O Barão de Lavos". Bem, acho que nem acabei de ler... Naturalismo tardio, embora com algum interesse. A distância dos grandes mestres, estou de acordo.

Ricardo António Alves disse...

Esse ainda não li, ao contrário d'O Livro de Alda. Tenho vários dele para ler; um dos primeiros será o Mulheres da Beira.
É um segunda linha, um pouco duro de roer, é verdade, mas tem o seu lugar.
Ab.