Dizer que o Húmus (1917) é um livro único e ser único Raul Brandão na nossa literatura é uma banalidade que, por sê-lo, não deixa de ser verdadeira. Todos os livros que li dele são enormes, à imagem da grande estatura e da densidade do seu autor.
«A vila», o microcosmos que é o mundo, a vida que se nos escapa por entre as mãos, enquanto vivemos ninharias, enquanto alguns de nós a vêem fugir como numa peneira e a maioria, tendo essa percepção instintiva e animal, nem pensa nisso, entregando a insignificância da sua passagem pela existência à ganância, à convenção, à emulação até à cova de um cemitério.
A vida é demasiado grande e nós incompatíveis com essa grandeza. «Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste...» E onde estão as Teles e as Sousas, que se odeiam, as Fonsecas e as Albergarias, Donas Engrácia e Biblioteca, Restituta e Procópia, o Elias de Melo e o Melias de Melo, podemos substituir os seus nomes pelos da maior parte de nós. «O nada a espera e a D. Procópia a abrir a boca com sono, como se não tivesse diante de si a eternidade para dormir». E ainda os outros, paisagem como o Gabiru ou adereços como a criada Joana, vivendo a vida dos outros, como se para outra coisa não tivesse vindo ao mundo: «Sempre a comparei à macieira do quintal: é inocente e útil e não ocupa lugar, e não vem Inverno que não dê ternura, nem Inverno sem produzir maçãs.»
O Raul Brandão é isto: ternura e lágrimas.
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