Francisco Costa, que se situava ideologicamente numa direita católica e conservadora -- ou mesmo reaccionária --, foi um escritor silenciado no pós-25 de Abril, e hoje é um nome esquecido. É verdade que o seu militantismo religioso é um pouco indigesto para quem como eu considera a religião uma fraqueza e, na sua forma organizada e institucional, um abuso que impende sobre os homens livres e um jugo primitivo sobre todos os outros (independentemente de considerar que o exercício da fé é um direito que assiste a todo o indivíduo, devendo essa liberdade ser respeitada desde que não colida com a liberdade dos ateus, dos agnósticos e até, obviamente, dos que não partilham a crença dominante nas respectivas sociedades).
Mas, apesar do seu proselitismo, Francisco Costa é um romancista de mão cheia -- tal como foi um interessante poeta e ensaísta e um operoso historiador da sua Sintra natal. Jorge de Sena, que não facilitava, classifica-o como «notável romancista católico», embora Costa preferisse considerar-se um católico que escrevia romances, pormenor importante.
Este Cárcere Invisível (1949), Prémio Ricardo Malheiros da Academia das Ciências, testemunha a grande técnica romanesca do seu autor, muito bebida, de resto e ao contrário da tradição, na literatura anglo-saxónica, da qual era confesso admirador. Para já, ambiente muito pequeno-burguês lisboeta, protagonista (Eduardo Bandeira Bastos, 17 anos, estudante de Medicina), um pouco obcecado pelo valor individual servido por uma inteligência acima da média que contrapõe aos bem-nascidos das suas relações na academia: «nobreza natural: a verdadeira, a única!» Pai, «principal» empregado numa loja do comércio, baço como o são as materialidades; mãe doméstica e autoritária; irmã, Lu (de Lucinda), por enquanto a parvinha romântica e deslumbrada do costume (lê folhetins, na cabeceira Coração Torturado); Dudu, o protagonista, lê Gorki, que pousa no banco do jardim público «com desafio»...
Na dedicatória, Francisco Costa refere-se a «este drama duma vida sem Cristo», e o cárcere, como se irá depreender, é o materialismo, em especial marxista, então na mó de cima (e, felizmente, ainda não recuperado no seu pensamento totalitário do caixote do lixo para onde os povos que lhe sofreram o jugo o atiraram). Numa nótula prévia, Costa deixa entrever o fascínio que sobre si exerceu a sua criatura, "esse médico invulgar que se fechou por suas mãos". Esta contenda entre criador e criatura, entre outros méritos do romance, aguça o interesse pela leitura -- até para saber quem levará a melhor e, principalmente, como levará a melhor...
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