domingo, setembro 24, 2006

Correspondências #60 - José Maria d'Alpoim a Miguel de Unamuno

Lisbôa
Rua do Passadiço -- 1
Ex.mo Senhor
E meu prezado amigo
Perdôe-me V. Ex.ª não lhe ter escripto apenas cheguei a Lisboa. Mas se soubesse o que tem sido a minha vida! Quasi não tenho descansado um instante. Os meus trabalhos jornalisticos, as canseiras politicas, a troca de cumprimentos com tantos que me mostraram a sua sympathia e dedicação, não me deixaram um momento do meu. E com tudo era profundamente grato ao meu coração o testemunhar-lhe o meu reconhecimento pelas suas amabilidades affectuosissimas, e d'outros amigos que deixei em Salamanca, onde, apesar dos desgostos que me opprimiram, passei alguns dias que não me esquecerão.
Conheci hoje, não sei com que verdade, que no seu apis se descobriu uma conspiração contra o Rei Affonso. Será verdade? Aqui, as pessoas mais chegadas ao Paço, vivem n'um terrôr de agressões e desacatos ao jovem reisinho, que é pessoalmente encantador, com um grande desêjo de acertar, possuido da melhor bôa-vontade de sêr querido do pôvo, mas que não sei se possuirá talentos para o difficilimo mister de rei nestes tempos de democracia. Se elle conseguir subtraer-se ás nefastas influencias que assediaram seu pai, se o seu espirito tiver energia para comprehendêr a [?] dos tempos d'hoje e a necessidade de conciliar a liberdade com a tradicção monarchica, póde fazér esquecer os erros do rei D. Carlos e reabrir uma nobre missão de chefe d'Estado. D'outra fórma, agoiro-lhe tormentosas tempestades, porque o meu paiz, de condição branda e dôce, não consente a repetição dos atentados politicos que o ensaguentaram e convertêram esta terra, digna de todas as prosperidades pelas affectivas e trabalhadoras qualidades do seu pôvo, n'uma nação convulsionada por fortes odios politicos. O funesto dictador que desencadeou a tempestade espia longe, em Verona, a sua loucura criminosa.
Releve-me, meu Amigo, esta longa carta. Sei quanto se interessaria por esta boa terra portuguêsa e por isso fiquei a conversar demoradamente consigo, tendo uma grande alegria em lhe dizer que floresce aqui a antiga liberdade e tolerancia, que vai melhorando a núa situação economica e financeira, e que, se o Rei tiver tino e os homens publicos possuirem talento e patriotismo, bellos dias estão destinados ao querido Portugal. Desejo-os tão bem á sua bella e querida Hespanha!
Espero, este anno, se haverei d'uma visita sua á minha casa de Parede.
Sou
De V. Ex.ª
m.to ob.do Am.º e ad.m
José M. d'Alpoim
Epistolario Portugués de Unamuno
(edição de Ángel Marcos de Dios)

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