«À direita, rompendo de entre um pinhal e com o seu verde contrastando, espaireciam casitas modernas, todas faceiras e coloridas, ao passo que, da banda oposta, aglomeravam-se as barracas dos pescadores, em forma de ilha sobre a areia e tão velhas, negras e roídas pelos anos como se fossem as mesmas que deixaram ali os primeiros habitantes do litoral.» Ferreira de Castro, O Senhor dos Navegantes (1954)
«E ou fosse um certo adormecimento cerebral produzido pelo rolar monótono da diligência, ou fosse a debilidade nervosa da fadiga, ou a influência da paisagem escarpada e chata sobre o côncavo silêncio nocturno, ou a opressão da electricidade que enchia as alturas, o facto é que eu -- que sou naturalmente positivo e realista -- tinha vindo tiranizado pela imaginação e pelas quimeras.» Eça de Queirós, «Singularidades de uma rapariga loura» (1874; Contos, póst. 1902)
«O curandeiro pode ser insultado na sua banca de barbeiro ou no instante aflito duma sangria de urgência; mas a comadre, a velha suja, talhada em pedra enrugada, sem sorrisos nem lágrimas, que espreita a nossa entrada no mundo, tem fama e pão certos até ao fim dos tempos.» Fernando Namora, «História de um parto», Retalhos da Vida de um Médico (1949)
1 comentário:
« (...) Com efeito, um dos requisitos sobre que assenta a existência da escola regionalista é a variação idiomática. Ora nós possuímos uma língua única, com uma só morfologia, com uma prosódia, de Norte a Sul. Ainda a língua, que brotou como uma enxertia do latim colonial no tronco ibérico, e como a cobra largou a sua primeira pele na Galiza, para revestir forma própria do Minho para cá, é, sob o ângulo da unidade, um testemunho de personalização. Mal seria que fosse uma manta de retalhos. O mirandês é uma corruptela episódica. De modo que sob este aspecto não há escritores regionalistas em Portugal. (...)
«Quem faz o homem é o céu, é a Natureza, é o solo, são as leis e é a língua, que é como o molde dos pensamentos, e quem diz pensamentos diz racionalidade. Portanto, acabe-se de vez com a ideia incôngrua e sem fundamento de que há uma escola regionalista em Portugal. O que há é figurantes de carapuça ou de chapéu vareiro, de polainas de junco ou safões de pele. É pouco. Mudam-se nos bastidores.»
Aquilino Ribeiro, "Solilóquio Autobiográfico Literário" (1960). Manuel Mendes, "Aquilino
Ribeiro-a Obra e o Homem".
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