terça-feira, maio 30, 2023

«Scratchcard Lanyard»

em "pudica torção de virgem" & outros caracteres móveis

Aquilino Ribeiro: «Obedeceu a moça intimidada, quedando a meio da sala, nua como a mãe a deitou ao mundo, na pudica torção de virgem, surpreendida pelos olhos dum deslavado.» Andam Faunos pelos Bosques (1926) - Ferreira de Castro: «Nos ombros, luzia manta cromática, das que se fabricam em Barroso, e de um lado e outro do bucéfalo dançavam, ao sabor da marcha, as peles compradas nesse dia.» Terra Fria (1934) - Carlos de Oliveira: «Eu, Álvaro Rodrigues Silvestre, comerciante e lavrador no Montouro, freguesia de S. Caetano, concelho de Corgos, juro por minha honra que tenho passado a vida a roubar os homens na terra e a Deus no céu, porque até quando fui mordomo da Senhora do Montouro sobrou um milho das esmolas dos festeiros que despejei nas minhas tulhas» Uma Abelha na Chuva (1953) - José Luís Peixoto: «De encontro ao céu, as oliveiras e os sobreiros hão-de parar os ramos mais finos; num momento, hão-de tornar-se pedra.» Nenhum Olhar (2000) - J. Rentes de Carvalho: «Quando cheguei ao apeadeiro o comboio não tinha ainda passado, mas não havia de estar longe, porque o seu arfar e o seu ranger ecoavam pelos montes.» A Amante Holandesa (2003)

segunda-feira, maio 29, 2023

«Right On You»

o pão nosso merdiático de cada dia (ucranianas CLXXVIII)

 A propósito da guerra na Ucrânia entre a Rússia e os Estados Unidos, há comentadores que me recuso a ver e ouvir. Um deles é o serafim saudade do comentário, que faz de palhaço pobre na parelha com Nuno Rogeiro; outra, é uma picareta especializada, diz-se, não fui ver, em cultura russa. Quanto a Diana Soller, mais ponderada e menos picareta, guardo alguma pachorra ainda, mas de vez em quando estampa-se fragorosamente. Ontem, a propósito dos dois grandes blocos que se estão a formar, enquanto perorava sobre a malignidade e bonda de uns e outros, siu-se com qualquer coisa como isto, acho que no jornal da meia-noite da cnn, e que cito de cor: Desde o fim da Guerra F, ao contrário da Rússia & outros, a política externa dos Estados Unidos tem-se pautado pela moralidade nas relações com outros estados. Disse sem se rir, e talvez acredite mesmo no que está a dizer. uns beneméritos da democracy, estes americanos, bonecos do complexo militar-industrial. 

Como ninguém precisa de recordar-lhe o que foi a invasão do Iraque -- a história inventada das armas de destruição maciça -- quanto milhares de mortos inocentes?, quantas famílias destruídas? quantas crianças, pela voragem do saque?... -- a senhora ou acredita no que diz, ou tem esta página de sangue bem recalcada, o que lhe permite dizer enormidades.

Quanto à moderadora, que parece poder fazer muito melhor do que o papel de porta-voz dos media manipuladores, fora muito lesta, cerca de meia hora antes a observar ao major-general Carlos Branco -- quando este punha em causa a veracidade dumas declarações atribuídas a Zaluzhnyi -- dizendo que não se podia quesytionar a veracidade das "notícias" veiculadas, entre as quais a Reuters, já a propósito do dislate de Diana Soller, esqueceu-se de ser jornalista, confrontando a comentadora sobre como harmonizava o que acabara de dizer (a moralidade da acção política externa dos EUA) com a criminosa mentira que foi a guerra do Iraque. Mas isto é o pão nosso merdiático de cada dia

o Orbán pode ser um grande malvado, mas curiosamente não trata quem o ouve como imbecil, ao contrário duns tipos que agora me vêm ao intelecto (ucranianas CLXXXVII)

domingo, maio 28, 2023

150 portugueses_ #8. Afonso II o Gordo (Coimbra, 1185-1223)

Para um futuro blogue. Quarto filho de Sancho I com Dulce de Aragão, o curto reinado de Afonso II foi caracterizado pela centralização do poder real,  principalmente em luta interna contra as três irmãs, uma vez que Sancho I, ainda com uma medieval visão patrimonial do reino, o repartiu pelos filhos, a todos outorgando a dignidade real. Também em conflito com as ordens religiosas, entrou em embate com Roma, o que lhe valeu a excomunhão, condição em que morreu, não obstante os sucessivos pontífices lhe terem dado razão no conflito com as irmãs. Na perspectiva da consolidação do poder, é relevante a realização de inquirições e confirmações e a produção legislativa, de que o reino carecia. A expansão para sul ficou em segundo plano, embora conquistasse Alcácer do Sal e outras vilas, tendo ainda enviado um exército que se juntou ao conjunto dos reis cristãos peninsulares que defrontou o do califado omíada na grande batalha de Navas de Tolosa (1211). 

1 disco, 1 faixa: THE RIVER (1980) - #16. «Stolen Car»

um destino honesto & outros caracteres móveis

 «O destino, que ambos se prometiam, era o mais honesto: ele ia formar-se para poder sustentá-la, se não tivesse outros recursos: ela esperava que seu velho pai falecesse para, senhora sua, lhe dar, com o coração, o seu grande património.» Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862) - «Os olhos procuravam, em ansiosa interrogação, o mais alto da flexuosa ladeira que subia, no sítio, no sítio em que ela, formando um cotovelo, furtava à vestia o seguimento ulterior.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868) - «Se a Igreja o não contava entre os vassalos da fé, possuía-o lubricamente pela sedução da sua beleza.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920) - «Haviam decidido vir os dois, para que ele lhe desvendasse a terra em que nascera e, afinal, vinha sozinho, deixando-a sepultada num cemitério de Lisboa.» Ferreira de Castro, Eternidade (1933) - «Tudo que se chamava a vida, feita de hábitos, de banalidades, de alegrias e de dissabores,  de alguns afectos profundos, de muitos afectos ligeiros, dum ou doutro acto nobre, de tanto acto estouvado, de tanto dinheiro desbaratado e de tanta precisão de dinheiro, das injustiças com a mulher e dos arrependimentos, das discussões  do Martinho, das noites do Maxim's ou da roleta do Estoril, das escapadelas com a Maria da Graça  (inspecções à província em que a mulher fingia acreditar) -- tudo que se chamava vida, feita de tumulto, de fachada, de subterfúgios embora, mas que para ele findara no dia em que sob o seu vulto amarfanhado se haviam fechado as portas daquela prisão!» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938) - «Olhou para o casarão engolido no escuro da quinta, apenas visível pela esteira de luz que vinha do quarto do avô quebrar-se na janela da saleta.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944) - «Dá a volta à casa pela frente, vejo-a agora de costas, desliza como aragem pelo chão.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983) - «Pareciam graves e austeras as pessoas das fotografias, como se nunca tivessem cantado e corrido, discutido, beijado e amado.» Helena Marques, O Último Cais (1992)

junto-me à festa, claro!

 


sexta-feira, maio 26, 2023

«Rest, Unquiet Spirit»

casas de pasto acolhedoras & outros caracteres móveis

 «Há em Lisboa um pequeno número de restaurantes ou casas de pasto [em] que sobre uma loja com feitio de taberna decente se ergue uma sobreloja com uma feição pesada e caseira de restaurante de vila sem comboios.» Fernando Pessoa, Livro do Desassossego (póst., 1982) - «Rumorejou um corpo que devia saltar da cama, uns passos rápidos soaram na escuridão e logo, atrás da portinhola que se abriu, entrou no recinto uma fosca claridade.» Ferreira de Castro, A Selva (1930) - «O novo ajuntamento de peões que está a formar-se nos passeios vê o condutor do automóvel imobilizado a esbracejar por trás do pára-brisas, enquanto os carros atrás dele buzinam freneticos.» José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira (1995) - «É verdade que voltara ao bairro várias vezes, para visitar a minha mãe, para o funeral de Fernando, para votar na antiga sala de aulas onde escrevi uma composição imberbe dizendo que o amor não tem definição, e que, nesses breves regressos, era a mim próprio, e ao homem em que me tornara, e não ao lugar da minha infância, que eu contemplava, ingenuamente satisfeito com o meu trajecto.» Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013)

quinta-feira, maio 25, 2023

«Sudestada»

uma acha resinosa & outros caracteres móveis

 «Ao fundo, sob a chaminé que a fuligem vestira de luto, o fogo esmorecera e só uma acha, resinosa na extremidade ainda intacta, teimava em arder.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928) -  «Ele pertencia à família dos Milhanos de Marinhais, sempre famosos no Ribatejo como arrozeiros sabidos e safos de mândria.» Alves Redol, Gaibéus (1939) - «O veleiro a largar a ilha e já todos se deixavam contaminar dum vento de afago que, de mansinho, lhes soprava na alma.» Manuel Ferreira, Hora di Bai (1962) 

quarta-feira, maio 24, 2023

«River Deep, Mountain High»

caracteres móveis

 «Um dos seus prazeres consistia em analisar-se como o conteúdo de todo um passado, elemento onde reviviam as cavalgadas das gerações, onde a contradança das afinidades vibrava uma vez mais, aptidões, gostos, formas que, como um recado, se transmitem, se perdem, se desencontram, surgem de novo, idênticos à versão de outrora.» Agustina Bessa Luís, A Sibila (1954) - «Arcara com horas terríveis e amargas, bebera muitas lágrimas,  sem deixar verter uma só, desde o dia em que o pai entrara ao portão da quinta, pronto a morrer, às costas do Manel Fandango, sem queixa que se lhe ouvisse do corpo esfrangalhado.» Alves Redol, Barranco de Cegos (1961) - «Um largo, aquilo a que verdadeiramente se chama largo, terra batida, tem de ser calcado por alguma coisa, pés humanos, trânsito, o que for, ao passo que  este aqui, salvo nas horas da missa, é percorrido unicamente pelo espectro do enorme paredão de granito que se levanta nas traseiras da sacristia.» José Cardoso Pires, O Delfim (1968)

segunda-feira, maio 22, 2023

domingo, maio 21, 2023

"de tudo tanto gostar"

 «De perfumados e frescos, os lençóis tinham-na levado, muita vez, a enrolar-se neles, dos pés ao nariz, para lhes sentir bem o contacto, e ainda hoje se lembrava da meia dúzia de dias em que desejara apressar a aproximação da noite e inventara pretextos para amiúde voltar, durante a tarde, àquele seu aposento, a olhar demoradamente tudo, de tudo tanto gostar.» Assis Esperança, Servidão (1946) - «Portão e caminho até ao terreiro, sob a latada, quisera o dono continuassem escalavrados como no tempo ido, em que só ali vinha, e nem sempre, quando era pelas vindimas e varejadas de castanhas, lá raro pela feitura do azeite.» Tomaz de Figueiredo, A Toca do Lobo (1947) - «Lucinda pôs-se de pé, a farpa acertara-lhe e cheio; mas de súbito quebrou, recaiu sentada na borda da cama e desatou a chorar com a cara nas mãos.» Francisco Costa, Cárcere Invisível (1949)

«Show You The Way»

apesar do crowdfunding para comprar botas, os russos tomaram Bakhmut, e os americanos lutaram até ao último ucraniano (ucranianas CLXXXVI)

 Entretanto, em Hiroshima (em Hiroshima...), Biden autorizou que os países que o queiram fazer cedam os F16 à Ucrânia. Até que os aviões possam ser utilizados, daqui a alguns meses, a Ucrânia continuará a ser bombardeada, os ucranianos continuarão a lutar para os americanos, para não falar que terão os Sukhoi à espera deles.

Entretanto, com o carnaval da comissão parlamentar de inquérito, nem se deu pela visita do sabujo do Stoltenberg a Lisboa. Veio pedir os nossos F16? E nós?, vamos obedecer, como de costume?

sábado, maio 20, 2023

quinta-feira, maio 18, 2023

«Lyke-Wake Dirge»

sempre grato à CNN-Portugal, mas aquilo já faz rir (ucranianas CLXXXV)

 A CNN internacional é o espelho da Fox News: centrais de desinformação e propaganda travestidos de jornalismo. Cloacas comunicacionais destinadas ao americano médio, espécie cujos órgãos vitais são a boca, o estômago e o intestino grosso. Por cá, como tenho dito há um interessante critério editorial, que, apesar de veicular os despachos de Atlanta, e ter um conjunto de pivôs incapaz (excepção feita a Cristina Reyna, excelente profissional, e pouco mais), conseguem um equilíbrio nos comentadores que não vejo em outros canais. Faltando alguns que devem ser assinalados, sempre os militares (Agostinho Costa, Carlos Branco e Mendes Dias) e (poucos) académicos decentes (Tiago André Lopes, Maria João Tomás, e dois cujos nomes nunca consigo recordar, um da Universidade Autónoma, outro do Porto, não sei de que escola).

Já aconteceu rir-me às gargalhadas com uma pobre de Cristo muito bonitinha, ora a apanhar bonés ora com o fácies de incredulidade quando o que estava a ouvir não acertava com o guião da casa-mãe.

Ontem, particularmente estúpido: enquanto o inserçor "informava", em português macarrónico qualquer coisa como "Kiev avisa (sic) que o exército russo é incapaz", ao mesmo tempo o major-general Carlos Branco relatava como os ucranianos estavam à rasca, em vários pontos daquela frente com mais de mil quilómetros.  

Quanto mais o cidadão comum se torna descrente e percebe que está a ser manipulado (Kiev a arder, mas os mísseis Patriot (mach 4, 4,5) interceptam todos os Kinzal russos (mach 10 ou 12...) -- uma impossibilidade, portanto), mais o Ocidente Alargado (ou seja, os Estados Unidos e os seus protectorados europeus, incluindo Portugal) insistem na mentira criminosa às pessoas nesta guerra entre a Rússia e os Estados Unidos, feita à custa dos cidadãos europeus e, por enquanto, das vidas dos cidadãos ucranianos comuns, de armas nas mãos mas não daqueles homenzinhos na casa dos trinta e quarenta anos, que se passeiam na estrada Boca do Inferno - Guincho, em carros de luxo).

Depois do maior ataque aéreo a Kiev (cirúrgico, com um número de baixas civis no zero ou próximo disso), só me vem à memória a notícia veiculada pelas televisões, claro está, da história de que o exército russo promoveu um crowdfunding para comprar botas -- entre muitas outras pérolas para enganar os inocentes.

P.S.: a propósito de bombardear Kiev: tenho a certeza de que muitos telespectadores já se perguntaram: como é possível o Zelenski, nos intervalos de andar a laurear a pevide, continuar a abrigar-se no palácio presidencial intacto?

P.S.2: Estou muito interessado na visita do caniche do Pentágono a Lisboa, e s no que fará ou dirá o governo português.

o infame D. Henrique


Um ilustrador italiano, Stefano Morri, com alguma ingenuidade, quase disneyesca, ao realizar a encomenda do Vaticano para a celebração filatélica das Jornadas Mundiais da Juventude, lembrou-se do Padrão dos Descobrimentos e daquele belíssimo conjunto escultórico de Leopoldo de Almeida -- e vai de pôr o papa Francisco no lugar do agora infame D. Henrique, e um conjunto de miúdos no encalço com a bandeirinha republicana de Portugal. "Estado Novo!", gritaram os iletrados das ciências  moles.  O autor, italiano, repete-se, é de um país que tem mais arte e história num beco do que o todo o rectângulo da parvalheira nacional. Há ingenuidades que acabam nisto.

A Igreja, medrosa, retirou o selo, em que não faltou um bispo zeloso a fazer de progressista acompanhando aquele idiota que há tempos, para ser falado, atirava com a demolição do monumento. Por mim, está na altura de pô-lo na barra lateral, não só para chatear, mas porque gosto mesmo daquilo.

quarta-feira, maio 17, 2023

«Three Reels»

a mão certeira de Gineto & outros caracteres móveis

«Amigos tinha-os às vezes nos companheiros que precisavam da sua mão certeira para matar galinhas à solta ou colher frutos em pomares recatados.» Soeiro Pereira Gomes, Esteiros (1941) - «Via o Doninha, já desempregado, mas ainda com a farda de carteiro, remendada e sebenta, arrastando-se pelas portas das vendas, inútil, com as pernas inchadas de buracos que não saravam.» Manuel da Fonseca, Cerromaior (1943) - «A recordação do maricas acordava nela a soberba dos Clarks, aquele sentimento maciço, enjoado e um pouco cínico, que contribuíra para correr  Januário Garcia da casa Clark & Sons e envolvia a família Garcia num desdém mais snob que odiento.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)

terça-feira, maio 16, 2023

segunda-feira, maio 15, 2023

«The Last Refugee»

circunscrito no mundo & outros caracteres móveis

«Quando dei por mim, pela minha situação de dependência, de circunscrição no mundo (grandioso e imensurável, mas proibido) fiquei estupefacto e comecei a chorar.» José Marmelo e Silva, Sedução (1937) - «Falava com os olhos iluminados, um pouco em alvo, como quando recordava as delícias do último sonho...» M. Teixeira-Gomes, Maria Adelaide (1938) - «Avizinhavam-se da estação: cruzaram uma sentinela, de baioneta calada, à porta dum quartel; por detrás da grade uivava um cão.» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938)

domingo, maio 14, 2023

sexta-feira, maio 12, 2023

um dia de libertação

 A aprovação da Lei da Eutanásia pelo Parlamento, sejam quais forem os problemas a jusante -- que devem ser sempre acautelados e minimizados --, e antevendo inclusivamente vários formas sabotagem, assinala, dê por onde der, um importante momento de libertação de todos os indivíduos até agora feitos reféns por fantasmagorias de cariz religioso, que não perfilham e muito até repudiam, como é o meu caso.

a propósito da entrevista de Dugin ao 'Expresso' (ucranoanas CLXXXIV)

 A entrevista a Aleksandr Dugin publicada hoje no Expresso (um furo jornalístico) mostra como a guerra entre os Estados Unidos e a Rússia na Ucrânia é uma contenda cultural e civilizacional, dificilmente conciliável, não apenas dos dois imperialismos, mas entre um conservadorismo nacionalista, quase ou mesmo reaccionário, e um financismo apátrida e amoral, em que tudo se compra e vende, a começar pela dignidade individual.

quinta-feira, maio 11, 2023

«Instrumental»

por uma vez, os polacos quase têm razão

 Salvo circunstâncias muito especiais (como foi o caso da Ponte Salazar, autoglorificação ou engraxamento, qualquer deles abusivo porque com o dinheiro dos contribuintes, como agora se diz), sou contra o rebaptizar de ruas, escolas, monumentos, regiões, países. Aquele nome, Kaliningrado, é deveras horroroso, independentemente dos defeitos ou qualidades dos homenageados. Faz-me lembrar a estúpida cunhagem de povoações africanas com nomes como Carmona (sic), Salazar (sic!), Lourenço Marques (sic) ou até Sá da Bandeira -- um nome grande do liberalismo português. Mas os polacos só têm meia razão: a  Królewiec que eles pretendem voltar a usar soa a qualquer coisa como unguento para os calos. E pensar que o nome verdadeiro da cidade é Conisberga, a Königsberg do Kant, relógio e filósofo da terra...

150 portugueses: #7. SANCHO I, o Povoador (Coimbra, 1154 - Santarém, 1211)

Para um futuro blogue. Sancho I, aliás, Martinho, aliás Sancho Afonso,  quinto filho de Afonso Henriques e Mafalda de Sabóia. Desde cedo adestrado no exercício das armas, acolitou o pai na governação após o desastre de Badajoz (1169). Guerreiro nato -- após a efémera conquista de Silves, adopta o título de "Rei de Portugal e dos Algarves" --, foi também muito mais que isso: um organizador do território, com a atribuição de muitos forais e um estreito recurso às ordens militares, essenciais para a fixação do território, o que não impediu sérios conflitos com a Igreja, até à ameaça de excomunhão. Entesourou moeda, estimulou o comércio e os mesteres, fomentou o estudo de clérigos em universidades de que o reino recente obviamente carecia. Trovador e cultor das artes, é-lhe atribuída a cantiga de amigo "Ai eu coitada como vivo". Sancho I foi o homem devido no momento certo. 

«A Place Under The Sun»

quarta-feira, maio 10, 2023

banalidades e votos pios em Estrasburgo (ucranianas CLXXXIII)

 O Presidente da República foi discursar a Estrasburgo. Pelo resumo, ter ido ou não, dá no mesmo, apesar de aplaudido de pé pela maioria dos eurodeputados dum parlamento desacreditado. Falou do sacrifício de Julian Assange?; do exílio de Carles Puigdemont na Europa dos nossos valores?; do estranho caso duma presidente da Comissão que se comporta como um governante eleito (e ao serviço dos americanos)? Não falou. Então o que foi Marcelo Rebelo de Sousa lá fazer? Nada -- ou mostrar-se atilado e obediente a quem efectivamente está a destruir a União Europeia como ideia, que não é certamente o Putin, embora este também pudesse gostar. Mas quem precisa de inimigos com governantes e aliados destes? Ainda ontem, Olaf Scholz veio dizer que é preciso acabar com a regra da unanimidade. Está-se mesmo a ver o que será ou seria (a situação pôr-se-á cada vez com maior acuidade, é uma questão de esperar). No fim, para tornar tudo mais grotesco, toca de convidar a Metsola. E é esta vacuidade que Marcelo tem para nos dar. 

Mesmo sem saber até onde chegará, vale mais uma declaração de Lula no saguão de uma embaixada em Londres do que todas as frases de cómica banalidade exaltante proferidos pelos líderes deste deprimente Portugalinho. E isto não tem tanto que ver com a dimensão dos países (o Brasil com Bolsonaro não era ouvido por ninguém ou então era desprezado, mesmo pelos Estados Unidos), mas dos governantes. 

Portugal, país médio europeu, que só é irrelevante pela irrelevância das élites governantes, poderia ter uma voz que o distinguisse, mesmo consciente de todos os constrangimentos e da nossa situação geográfica, que nos obriga a ter uma relação especial com os EUA, assim como a Ucrânia terá sempre de relacionar-se com a Rússia, agora ou daqui a um século. Claro, há um plano declarado por estes líderes geniais que nos couberam em sorte que tem a derrota da Rússia como desiderato, que na verdade é uma neutralização/domesticação pretendida pelo americanos e papagueado por todos os políticos de meia-tigela. Que Portugal não tire partido da sua história de laços estreitos com o Brasil e os estados africanos para ter uma voz diferenciada (e não obrigatoriamente dissidente) e positiva para a própria Europa, diz muito de um estado de coisas que passa por meter a Metsola numa reunião do Conselho de Estado.

terça-feira, maio 09, 2023

Scholz no dia da derrota (ucranianas CLXXXII)

 No Parlamento Europeu, Scholz discursa lindamente: certamente não queremos voltar aos tempos em que um poder avassalador impõe a sua vontade aos restantes. Lembrei-me logo da primeira visita do recém-empossado chanceler aos Estados Unidos visivelmente encolhido enquanto Biden lhe diziam em público que a questão os gasodutos era para ser tratada, ou então eles, americanos, disso se encarregariam. Como de resto sucedeu. 

Sobre o discurso do Putin, a sua fixação: os patifes dos americanos e o wokismo que exportam, que lhe é salutar e visceralmente repugnante.

«Qachina»

segunda-feira, maio 08, 2023

quadrinhos

fonte

 

«Pest»

uma 'voltigeuse' banal e outros caracteres móveis

«Depois de uma voltigeuse  banal furando arcos de papel de seda, um intermédio cómico pelo primeiro clown, prodígios de equilíbrio duma criança sobre um arame, cães sábios, barras fixas, um salafrário num cavalo em pelo.» Abel Botelho, O Barão de Lavos (1891) - «E enquanto as notas lhe passam para a mão, mergulha os olhos abstractos nos olhos da mulher.» João Gaspar Simões, Elói ou Romance numa Cabeça (1932) - «Como antes se disse: é completamente impossível conhecer-se inteira uma árvore genealógica; o que pode é cada um possuí-la toda no seu carácter.» José de Almada Negreiros, Nome de Guerra (1938)

domingo, maio 07, 2023

1 disco, 1 faixa: I'M BREATHLESS: MUSIC FROM AND INSPIRED BY THE FILM DICK TRACY (1990) #1. He's A Man

da inteligência dos poetas e outros caracteres móveis

«O povo rude de Carteia não podia entender esta vida de excepção, porque não percebia que a inteligência do poeta precisa de viver num mundo mais amplo do que esse a que a sociedade traçou tão mesquinhos limites.» Alexandre HerculanoEurico o Presbítero (1844) - «Por quantas maldições e infernos adornam o estilo dum verdadeiro escritor romântico, digam-me, digam-me: onde estão os arvoredos fechados, os sítios medonhos desta espessura?» Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra (1846) - «O amor dos quinze anos é uma brincadeira; é a última manifestação do amor às bonecas; é a tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe que a está da fronde próxima chamando: tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é voar para longe.» Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862) - «Henrique nem desviara os olhos para o fundo do vale, que se lhe abria à esquerda, velado pela densa névoa daquela atmosfera saturada de humidade, nem prestava atenção à agreste e selvática paisagem, do lado direito, toda encrespada de pinheirais nascentes e de espinhosas tojeiras.», Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868) - «Toda a intelectualidade, nos campos, se esteriliza, e só resta a bestialidade.» Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (semi-póstumo, 1901)

sábado, maio 06, 2023

«One Last Chance»

150 portugueses: #6. Geraldo sem Pavor (+c.1173)

Para um futuro blogue. Portugal forjou-se através da espada e da diplomacia, daí a presença desta figura fugidia, ao que se diz irascível, quase lendária, na minha lista de 150 portugueses dos últimos 900 anos. Geraldo Geraldes, o Sem Pavor, misto de herói e mercenário, oriundo do norte do país tomou várias praças no Alentejo, entre as quais Évora (1165), em cujo brasão se inscreveu.

sexta-feira, maio 05, 2023

«Mercy, Mercy, Mercy»

dentro do conto

 «Os corredores, em seu branco infinito, se multiplicaram, brancos, brancos, brancos, atulhados de aparelhos de ventilação mecânica claramente obsoletos e tufos e tufos de algodão espalhados por toda a parte, alguns deles manchados de sangue, e ele sentira nojo, nojo, daquele branco misturado ao vermelho, onde estava a saída daquilo que parecia não acabar nunca?» Alonso Tôrres«O labirinto branco», Sagas Mínimas (2022) 

quadrinhos

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quinta-feira, maio 04, 2023

terça-feira, maio 02, 2023

«Beggar»

a TAP como instrumento de soberania

 Pôr a TAP nas mãos de privados é um golpe na já pouca soberania que o país ainda tem e uma traição. A TAP é para ser bem gerida, mas não é para dar lucro. Essa é a conversa com que os necrófagos e os seus esportulados saturam o espaço público para criar no povo a ideia da inevitabilidade de privatizar. Querem que a TAP seja uma empresa lucrativa, e já agora, os hospitais, as escolas, não tarda nada os cemitérios e as prisões... Chama-se a isto o país a saque, velha expressão, mas tão certeira.

o Oeste nunca nos larga

A chamada Conquista do Oeste constitui uma epopeia moderna cuja poética continua a ser alimentada e transmitida principalmente pelo cinema e pela banda desenhada. As perspectivas de abordagem são de tal modo multifacetadas no modo como espelham a condição humana, que o assunto se torna inesgotável. Tiburce Ogier é um dos bons autores de BD da actualidade, artista completo, como desenhador e argumentista. Em Go West, Young Man é apenas o escritor que está presente, convidando uma série de colegas para ilustrarem esta homenagem ao Oeste, através da viagem de um relógio de bolso pela história de conquista, sangue e saque dos territórios do Novo Mundo, entre os séculos XVIII e XX, pequenas narrativas que formam um todo coerente. E é sempre interessante ver num mesmo álbum os nomes de Blanc-Dumont, Boucq, Gastine, Meyer e Taduc, entre outros. A capa é de Enrico Marini. Edição Gradiva, Lisboa, 2023.

segunda-feira, maio 01, 2023

«Ali Dere»

150 portugueses: #5. Mafalda de Sabóia (Avigliana?, c. 1125 -- Coimbra, 1158)

Para um futuro blogue. Nesta lista de 150 portugueses, houve lugar para quatro ou cinco consortes, entre os quais não se contam duas das mais célebres: Isabel de Aragão (a "rainha santa", 1271-1336) e Filipa de Lencastre (1360-1415) -- 150 são só 150... A primeira a aparecer é, obviamente, Mafalda de Sabóia, pelo simples facto de ser a rainha inicial do novo estado. Filha de Amadeu III de Sabóia, o Cruzado, e de Mafalda de Albon, o consórcio com uma casa transalpina, ocorrido em 1146 -- já após o Tratado de Zamora (1143), em que Afonso VII reconhece ao seu primo o título de rei -- deveu-se, por certo, a garantir a permanência da autonomia do novo reino, mais difícil num matrimónio com uma princesa leonesa-castelhana. D. Mafalda teve sete filhos, iniciando uma dinastia que reinou por oito séculos, e que na verdade, parecendo dividir-se em quatro é apenas uma, estendendo-se até hoje nas pessoas de D. Duarte, duque de Bragança, e seu filho Afonso. Jaz, ao lado do marido, no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra -- Coimbra, a primeira capital do reino.