continuar: «Havia aquela tarde reunião no Capítulo.» Início do cap. VII, pp. 133-150 da minha edição).
O estado da Igreja portuguesa é o grande debate no capítulo, com posições distintas, nesse período de perseguição durante a I República. Uma das correntes, defendidas pelo cónego Rocha, «um fundo reaccionário». sustenta que a Igreja deve combater no campo do inimigo, usando armas idênticas, como a criação de um partido cristão. O beneficiado Trigueiros, por sua vez, representa a corrente ultraminoritária que toma o partido de uma igreja nacional, independente de Roma -- com tradição, aliás, no cristianismo ocidental, e também entre nós, com Pombal, que chega a ameaçar o papado com uma acção desse género, como forma de pressão na questão jesuíta. Uma terceira posição, idealista, a única que disputa importância com a primeira, defendida pelo nosso conhecido padre Anselmo, é a de uma igreja que se afirme pela penitência e oração dos seus membros, tendo como referência o exemplo do Padre Cruz (1859-1948). Uma quarta personagem intervém decisivamente, o beneficiado Tiago, cosmopolita e ardente, erudito, epigrafista consagrado, defensor das obras de restauro da Sé levadas a cabo por Luciano. Defensor de uma Igreja universal assente em Roma, à imagem de Gregório VII (Século XI), não teme os partidos laicos ou a Maçonaria, vistos como manifestações já decadentes, nem crê suficiente para a regeneração da influência da Igreja o papel da penitência ou da oração, por manifestação exclusivamente individual; para si, a Igreja é a instituição perene da Humanidade, a única capaz de redimi-la:
«Foi a Igreja que salvou o mundo. Cristianizar é desbravar. [...] Ela é, de facto, a garantia, a única força inquebrantável contra o desagregamento anti-social, o despenhamento na barbárie! Que Ela domina as consciências, que tiraniza os espíritos! Mas o templo cristão franqueia as suas portas, acolhe os que o buscam sem distinção e não inquire das crenças de quem lhe cruza o limiar, porque os homens -- todos os homens! - são filhos de deus e nenhum o ultraja com sua presença. Onde há aí casa assim tolerante? A Igreja é bela, a Igreja é única! Só ela pode satisfazer um espírito ansioso, só Ela pode dar a felicidade à alma, porque, no meio dos turbilhões sociais que tudo arrastam e aniquilam, a Igreja é o amigo que nunca trai, o braço que nunca se esquiva, a porta que nunca se fecha...».
A questão religiosa vai de par com a Questão Social, é este o desafio, sem perda de tempo em enfrentar o jacobinismo organizado. Podendo depreender-se -- o desenrolar da narrativa o dirá -- que a luta decorrerá no seio das massas, desvalorizando os partidos e a Maçonaria, conforme a interpelação ao padre reaccionário:
«Não há alianças com cadáveres, senhor cónego Rocha! O mundo velho agoniza. Saudemos o mundo novo! No naufrágio das sociedades, mais uma vez a barca de Pedro se orientará para novos rumos.»
O padre Tiago traz a discussão a ideia de intervalo defendida pelos anarquistas: está-se num processo intervalar (O Intervalo, note-se, é o título de um romance de Ferreira de Castro em 1936, só publicado em 1974), em que o velho mundo está a ruir e um mundo novo está ainda por alcançar. É pois um momento de luta, demolição e sangue. O capítulo está boquiaberto:
«Os padres olharam-se estupefactos. Que significava tal linguagem? Até onde queria padre Tiago chegar? Transigir com a Revolução? pactuar com a anarquia? Mas o beneficiado estaria doido?...»
Veremos até onde quis chegar Manuel Ribeiro.
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