Leitores de Jorge Amado, há-os de três tipos: os que gostam do primeiro Jorge Amado, o autor militante comunista, o que influenciou a primeira geração dos neo-realistas e que caiu fundo em vários modernistas da presença -- quem a leu, sabe que é assim -- e que a partir do progressivo afastamento do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) se aburguesara, tornando-se, inclusivamente uma espécie de propagandista turístico de certas delícias tropicais; outros pelo contrário, acham que este era um panfletário e que o grande escritor é o segundo Jorge Amado. Ambos estão fundamentalmente errados, embora algumas das críticas e ditirambos possam fazer sentido de forma parcelar. A verdade é que no essencial se trata do mesmo Jorge Amado: sim, há uma epígrafe de Karl Marx em Seara Vermelha (1944) e sim, Dona Flor encorna o marido vivo com o marido morto, os três na mesma cama. Sim, O Mundo da Paz é uma intragável mistela propagandística do regime de Stalin e Navegação de Cabotagem é o renegar da cegueira sem eliminar ou esconder dsse zelo funcionário.
O título charneira, o antes e o depois, dá-se com Gabriela, Cravo e Canela, o romance que se sucede, após quatro anos, a Os Subterrâneos da Liberdade (1954), um louvor ao PCdoB...
Que Gabriela, Cravo e Canela é um romance extraordinário, balzaquiano no melhor sentido da palavra, não há dúvida; resiste a todas as adaptações, por boas ou muito más que sejam. Resiste até a uma miserável capa deste minha edição portuguesa das Publicações Europa-América, quando esta editora a estreara em 1960 -- após a autorização a contragosto de Salazar, que quis ler o que estava em vias de autorizar… --, com uma bela cobertura de António Domingues, e um prefácio de Ferreira de Castro, que só não o escrevera a contragosto porque ditado pela amizade, já então de três décadas, entre ambos.
Jorge Amado, Gabriela, Cravo e Canela [1958], 15.ª edição portuguesa, prefácio de Ferreira de Castro, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1978.
Colecção: «Obras de Jorge Amado» #7
Data de posse: Outubro de 1983
Jorge Amado, Gabriela, Cravo e Canela [1958], 15.ª edição portuguesa, prefácio de Ferreira de Castro, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1978.
Colecção: «Obras de Jorge Amado» #7
Data de posse: Outubro de 1983
6 comentários:
Fazes-me lembrar uma revista onde pensei publicar uma coisita e,na primeira e única entrevista, o director me informou: tudo,menos neo-realismo !
O pobre director...
No parecer que autorizava a visita de JA a Portugal, em 1966, o insuspeito Silva Pais dizia que o escritor brasileiro «estava aburguesado», que tinha sido «afastado do PCB» e que o seu filho ia casar «com uma senhora portuguesa, filha de família nacionalista e abastada.» [blogue Sopa de Poesia, de Gustavo Felicíssimo]
Tenho ideia de ter lido, contudo vou ver o blogue. O Silva Pais deveis estar a fazer-se de parvo ou tinha influências do PC (soube há pouco que ele era do Barreiro). Aliás a filha dele juntou-se à Revolução Cubana. De facto somos um país sui-generis...
O Jorge Amado, apesar de revolucionário, foi sempre um burguês no que respeita à classe, que não de mentalidade. Era filho dum coronel do cacau, educado num colégio de padres em Salvador, licenciado em Direito, que nunca exerceu.
É claro que os vesgos não percebem que é muito mais revolucionário um romance como «Gabriela, Cravo e Canela», do que a louvaminhice escabrosa do estalinismo que ele produzira, intitulada «O Mundo da Paz», nessa mesma década...
Quanto ao casamento do filho, o enlace deu-se com a filha de um aristocrata português, filho segundo que emigrou muito jovem para o Brasil, e que é muito citado nas suas memórias.
Mas o Jorge Amado tornou-se muito mais interessante depois de abandonar o Partido, prosseguindo uma luta, que já iniciara lá dentro, contra a discriminação dos negros do Brasil -- deve-se-lhe a lei da liberdade religiosa, redigida por si, quando ainda deputado do PCdoB, e para a qual obteve o concurso de deputados de todas as bancadas -- particularmente importante quando a religião do povo, dos pobres era perseguida pelas autoridades católicas, como parece ser hoje pelas seitas bardagélicas. Aliás ele tem um romance extraordinário, não sei se conhece, «Tenda dos Milagres», já da década seguinte, extraordinário, sobre o racismo no Brasil.
Dizia-se que no Barreiro até o capitão da GNR era do PC. Veja-se o caso do Artur Agostinho da Emissora Nacional e dos Serões para Trabalhadores, lá detido por duas vezes, em 1959, quando dos relatos de futebol no campo do Barreirense. E quanto à filha do pide, a paixão suspende as conveniências de família, os juízos estéticos, as ideologias...
Brincadeiras à parte, Jorge Amado foi um romancista completo, só lamento ter lido tão pouco dele. É natural que se goste segundo um ou outro ângulo de apreciação, sem nunca se lhe negar o valor. Foi essa, por exemplo, a posição de Mário Dionísio. Depois do pioneirismo de Ferreira de Castro em relação à literatura brasileira, Mário Dionísio escreveu um elogioso artigo sobre Jorge Amado que, pela sua extensão, foi publicado em três números d´"O Diabo" no final de 1937. Porém, na "Ficha 3" da"Seara Nova", em 1942, já ele lamentava o retrocesso, o «equívoco de romantismo» e o «sentimentalismo de segunda classe» demonstrado pelo escritor em "ABC de Castro Alves". Isso não lhe tornou menor a consideração do seu valor, creio, mas a crítica era um sinal do tempo que então se vivia. Tudo tem de ser visto à luz dos tempos,os balanços fazem-se no fim.
Sempre achei piada ao Barreiro...
Por acaso nunca li esse. Mas lá está, a questão da escravatura...
E é isso mesmo, os balanços fazem-se no fim. E ainda um pouco mais além dele, diria...
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