Jorge Amado tinha 24 anos no ano de Mar Morto (1936), e já publicara Jubiabá, entre outros. Tinha o calo de vida vivida e formação cultural e académica. E tinha a prática de boémia dos jornais, o conhecimento directo das suas putas, dos seus vagabundos, dos coronéis da família e dos seus jagunços. Tinha uma consciência política e já uma ortodoxia de que só se libertará vinte anos mais tarde -- mas que felizmente não surge aqui. Tinha uma aguda percepção do que era, ou de como devia ser, o romance: viril, poeticamente viril.
Ei-lo que avisa, antes de a narrativa se iniciar: «Agora eu quero contar as histórias da beira do cais da Bahia.» Os trabalhadores e os marginais, por vezes uma e a mesma coisa: «O povo de Iemanjá tem muito que contar.» Ele é o veículo dessas histórias de luta, amor e morte, anunciando-as em nota prévia e para a praça pública -- como um autor de literatura de cordel, um vendedor de almanaques pelas feiras: «Vinde ouvir essas histórias e essas canções.» Nem poeta mimoso nem romancista funcionário ou jornalista vendido; Jorge Amado dessacraliza-se como escritor; e com essa verdade inocente, já era grande aos 24 anos.
edição: Livros de Bolso Europa-América, 4.ª ed., Mem Martins, s.d.
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