domingo, outubro 03, 2021

o sedutor Camões

Do bucolismo enleado na contemplação dos campos, verdes como os olhos da amada do sujeito poético, que é Camões, ele-próprio, em Verdes são os campos, ao atrevimento insinuante com que responde ao mote de Francisca de Aragão. Camões foi um dos muitos poetas que se encantou por esta algarvia, que fundaria a casa de Ficalho, título outorgado por Felipe II. «Aquella voluntad q(ue) se á rendido, / al puro respla(n)dor d'aq(ue)llos ojos, / por quie(n) todo lo al po(n)go en oluido. (o castelhano como língua culta da corte)», poetou D. Manuel de Portugal, comendador de Vimioso, que Camões considerava seu par. Composição galante, muito ao gosto dos equívocos subentendidos e jogos de palavras que povoam o Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende.

Ao mote que lhe enviou D. Francisca, “Mas porém a que cuidados?”, responde Camões com uma redondilha cuja estrofe última é deliciosamente insinuante: «Ter nuns olhos tão fermosos / os sentidos enlevados, / bem sei que em baixos estados / são cuidados perigosos; / Mas porém, ah! que cuidados!» Seguida de uma carta, em que escreve, galanteador (e com que sinceridade?):

Senhora

Deixei-me enterrar no esquecimento de v. m., crendo me seria assi mais seguro: mas agora que é servida de me tornar a ressuscitar, por mostrar seus poderes, lembro-lhe que üa vida trabalhosa é menos de agradecer que üa morte descansada. Mas se esta vida, que agora de novo me dá, for para ma tornar a tomar, servindo-se dela, não me fica mais que desejar, que poder acertar com este moto de v. m., ao qual dei três entendimentos, segundo as palavras dele puderam sofrer: se forem bons, é o moto de v. m.; se maus, são as glosas minhas

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