terça-feira, outubro 19, 2021

na estante definitiva


carta de Pero Vaz de Caminha (1450-1500) é na verdade um relatório, um relato sobre o que viu e ouviu na nova terra que era já conhecida pelos portugueses antes de Pedro Álvares Cabral. Atestam-no o Tratado de Tordesilhas (1494) e a circunstância de o principal navegador desta frota ser Bartolomeu Dias, que sete anos dobrara o Cabo. A derrota para oeste serviu para oficializar a posse daquela terra que viria a chamar-se Brasil.

Há dois milagres no que respeita ao documento: um, foi o de ter chegado até nós, não ter ido ao fundo num naufrágio ou perder-se sabe-se lá onde, até ser (re)descoberto no século XVIII, no meio de papelada, sendo impresso apenas em 1817, pelo padre Manuel Aires de Casal.

O segundo milagre é o próprio Pero Vaz, a forma como escreve, reportagem pura, obedecendo à "regra dos 5 w's": what-who-when-where-how (why, se quisermos um sexteto). Fá-lo com a objectividade de um homem a terminar o século XVtalvez porque fora mestre da balança Casa da Moeda do Porto, com funções de escrivão e tesoureiro, o que exigiria qualidades de exposição prática. Talvez por isso, os editores do livro que tenho na mão, Maria Paula Caetano e Neves Águas, tenham escolhido para epígrafe da sua introdução um fragmento do Diário de Miguel Torga: «Diante da carta de Pero Vaz de Caminha até me vieram as lágrimas aos olhos.»

2 comentários:

Manuel Nunes disse...

E no fim do notável serviço - à Pátria e às Letras - que foi esta epístola, ainda teve tempo para, à boa maneira portuguesa, meter uma "cunha" ao rei:
«E pois que, Senhor, é certo, que assim neste carrego, que levo, como em outra qualquer cousa, que de vosso serviço fôr, Vossa Alteza ha de ser de mim muito bem servido, a ella peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da Ilha de S. Thomé, Jorge de Soyro, meu genro, o que d´ella receberei em muita mercê. Beijo as mãos de Vossa Alteza. D´este Porto-Seguro da vossa Ilha da Vera Cruz, hoje sexta-feira 1º de Maio den 1500. Pero Vaz de Caminha.»

R. disse...

Essa foi de enxugar as lágrimas... Tão português o Pero Vaz.