domingo, novembro 15, 2020

amor de perdição: «Eurico o Presbítero» (20)

começar: «Apenas Pelágio transpôs o escuro portal da gruta, Eurico alevantou-se.»  Capítulo XVIII, «Impossível!», pp. 256-275 da minha edição.

Finalmente desvendada a identidade de Eurico, é agora que a questão do celibato dos padres como absurdo e atentado à integridade humana que é posto em toda a aspereza do deu dano. Com Hermengarda ao lado, o padre luta com o homem dentro de si; mas uma vez que sobre a existência «deixara cair a campa de bronze do sacerdócio», imagem fortíssima. O protagonista remói, dilacera-se, à entrada da gruta, sobre o vale. E o que temos é uma espécie de tela de Friedrich, por palavras:

«Eurico deu alguns passos e encostou-se à boca da gruta; porque os membros exaustos lhe fraqueavam, apesar de que nem um momento o abandonasse a força da alma enérgica. A brisa frigidíssima da madrugada consolava-o, como ao febricitante a aragem de um sol posto do outono. A seus pés estavam as trevas do vale, sobre a sua cabeça as solidões profundas e serenas do céu semeado dos pontos rutilantes das estrelas mal desbotado do ocidente pela última claridade da lua minguante que desaparecia. Era a imagem da sua vida. Serena e esperançosa, como o crepúsculo do luar fugitivo lhe fora da juventude. Desde que um amor desditoso o fizera alevantar uma barreira entre si e o ruído do mundo; [...]».  

Todo o texto, aliás, está repleto de formulações extraordinárias de incompreensão pela falta de humanidade que impõe a amputação da dimensão amorosa. Alexandre Herculano é um extraordinário escritor, e a sua prosa envelheceu bem.


Sem comentários: