Referendar direitos individuais é uma aberração. Por isso fui contra o referendo sobre a despenalização do aborto, independentemente da minha posição que era, e é, restritiva.
O que mais me horroriza é a falta de honestidade intelectual e a pulhice dos que pretendem impor a terceiros as suas convicções religiosas, para mim fantasmagorias sem sentido.
Entendo que, por razões éticas, embora questionáveis, alguém possa apresentar-se contra a despenalização da eutanásia. Entendo e respeito a posição do PCP, embora discorde dela, pondo-se do lado dos mais fracos, vítimas potenciais de um descarrilar do processo. Percebo perfeitamente, mas não aceito, que em nome de preocupações legítimas, que têm que ver com a qualidade das leis e o funcionamento do Estado, se possa restringir a liberdade individual de cada um poder dispor da sua vida, não como bem entende, ainda não chegámos aí, mas em situações de grande sofrimento.
Agora o que não suporto é que as religiões se atrevam a condicionar pessoas como eu. Respeitando a liberdade de cada um de praticar a sua fé, não admito que em nome de parvoíces com que pastoreiam o rebanho, me venham impor as crendices com que se entretêm. E, portanto, tem de dizer-se que um sector liderado pela Igreja Católica que se apresenta contra a despenalização da eutanásia mais não quer que impor, ilegitimamente e com desonestidade intelectual, as convicções religiosas que livremente professam, procurando restringir a liberdade dos outros, recorrendo a argumentos ad terrorem e a toda a sorte de jogo sujo em que são useiros e vezeiros.
4 comentários:
Por acaso, acho que a eutanásia coloca menos problemas éticos que o aborto, que envolve sempre uma decisão arbitraria sobre quando se decretam os direitos de personalidade, muito embora nao queira equiparar uma mulher que toma uma decisão difícil, ou o clínico que a ajuda, a um assassino, Deus me livre...
Acredito na autonomia da pessoa humana e se o suicídio não e penalizado, nao percebo porque o suicídio assistido ou a eutanásia o devem ser. E como dizia o Alexandre Quintanilha, se se elogia aqueles que dão a vida por convicções, o que há de mal em alguém que prefere morrer a continuar a viver indignamente (toda a morte e indigna, mas a vida pode sê-lo ainda mais)...
Para muitos que são religiosos o escândalo da eutanásia e que alguém mande às malvas essa coisa da providência divina...
É como diz; nem a mulher que aborte é assassina nem o médico que acede a um acto de profunda humanidade que é o de libertar um indivíduo que manifestou esse desejo.
Alguém devia dizer a estes gajos para desampararem.
Não será por todos os demais serem estúpidos (ou fanáticos religiosos) que apenas meia dúzia de países aprovou a eutanásia passiva, ou suicídio assistido. É porque a matéria é de elevado melindre.
Desde que vi num documentário uma mulher saudável a suicidar-se com a maior das naturalidades e com a ajuda de um médico... E sabem qual era a dor insuportável dela? A da perda da única filha, já adulta. Quantos pais e mães não enfrentam tal situação e certamente não menor e menos insuportável dor e até lhes passe até pela cabeça a radical solução, e depois acabam por vencer a provação e reencontrar a alegria de viver...
Mas, atenção, aceito excepções, muito concretas e não baseadas em conceitos vagos como dor insuportável e outros...
Tem toda a razão quanto a isso, meu caro, e a questão não é obviamente simples, embora o exemplo que deu me pareça perfeitamente aceitável: se a vida deixou de ser-lhe suportável com a morte da filha única, quem somos nós para dizer que a senhora deveria continuar a viver?
Como disse tenho respeito, embora discorde, pela posição do PCP, e não tenho nenhum pelo da Igreja Católica; além disso sou ateu, não admito igrejas e meterem o bedelho onde não são chamadas. Se ninguém os obriga a eutananasiarem-se -- e por vezes é pena, estou a pensar na padralhada pedófila -- ninguém deveria admitir-lhes o desplante de impingirem as crendices aos outros.
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