quarta-feira, outubro 31, 2018
vozes da biblioteca
«O poeta aceita a sua morte como o Estio aceita a chegada do Outono ou o dia aceita a chegada da noite.» Guilherme de Castilho, «Alberto Caeiro -- Ensaio de compreensão poética», (1936), Presença do Espírito (1989)
«Persuado-me também que à posteridade pouco se dará que eu tenha nascido em Vila de Frades, no largo da Misericórdia, numa casinha de taipa construída por pedreiros da minha gente, e que haja sido meu pai, mestre-escola da terra, e tipo de santo austero numa alma de sonhador sempre calado, que protegesse e dirigisse os rudimentos da minha educação.» Fialho de Almeida, «Eu», A Esquina (1903)
«Sílvia entra do fundo com um braçado de flores. Começa a dispô-las nas jarras, cantarolando baixinho» João Pedro de Andrade, O Diabo e o Frade (1963)
terça-feira, outubro 30, 2018
voze das biblioteca
«Era uma vez antigamente, mas muito antigamente, nas profundas do passado quando os bichos falavam, os cachorros eram amarrados com lingüiça, alfaiates casavam com princesas e as crianças chegavam no bico das cegonhas.» Jorge Amado, O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá (1976)
«O romancista vai de indivíduo em indivíduo, como a abelha quando forrageia o pólen, e a um pede o físico, a outro a índole, a este uma anedota, àquele um pormenor característico, e assim amassa por aglutinação os seus figurantes.» Aquilino Ribeiro, do prefácio à 2.ª edição [1944] de Volfrâmio (1943)
«Se espraiávamos os olhos em redor, para cima, para baixo, para a direita e para a esquerda, tudo era branco e tudo nos dava uma sensação de soledade imensa.» Ferreira de Castro, Canções da Córsega (1936)
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segunda-feira, outubro 29, 2018
o que a democracia não aguenta
64 mil homicídios por ano, mais seis mil perpetrados pela polícia
imprensa hegemónica ao serviço das oligarquias
30 partidos com representação parlamentar, o que equivale a ingovernabilidade permanente
poder judicial a fazer política, abrindo caminho a todos os tiriricos
a esquerda que quando se porta como os outros, caindo nas malhas e tecendo as teias da corrupção, é pior que os outros
domingo, outubro 28, 2018
vozes da biblioteca
«Deus é o único ser que, para reinar, nem sequer precisa de existir.» Charles Baudelaire, Fogachos (1851) (tradução de João Costa)
«Bem sinto a dor que o teu olhar goteja; / Mas o Princípio, por melhor que seja, / É pai dum monstro, que se chama Fim!» Queirós Ribeiro, Pedras Falsas (1903) / Cabral do Nascimento, Líricas Portuguesas - 2.ª Série (s.d.)
«A criação da corrente perdurável -- e inexorável -- das coisas, crê o autor tê-la experimentado ao escrever algumas destas páginas.» Azorín, Castela (1912) (tradução minha)
«Ignoro tudo, acho tudo esplêndido, até as coisas vulgares: extraio ternura de uma pedra.» Raul Brandão, Memórias I (1919)
«De resto, neste país não se passa economicamente nada, a não ser miséria.» (24 de Dezembro de 1935) Jaime Brasil, Cartas a Ferreira de Castro, ed. Ricardo António Alves (2006)
«Bem sinto a dor que o teu olhar goteja; / Mas o Princípio, por melhor que seja, / É pai dum monstro, que se chama Fim!» Queirós Ribeiro, Pedras Falsas (1903) / Cabral do Nascimento, Líricas Portuguesas - 2.ª Série (s.d.)
«A criação da corrente perdurável -- e inexorável -- das coisas, crê o autor tê-la experimentado ao escrever algumas destas páginas.» Azorín, Castela (1912) (tradução minha)
«Ignoro tudo, acho tudo esplêndido, até as coisas vulgares: extraio ternura de uma pedra.» Raul Brandão, Memórias I (1919)
«De resto, neste país não se passa economicamente nada, a não ser miséria.» (24 de Dezembro de 1935) Jaime Brasil, Cartas a Ferreira de Castro, ed. Ricardo António Alves (2006)
«Como não tinha tempo para despedir as chatices pagava aos cigarros para conversarem com elas.» António Alçada Baptista, Uma Vida Melhor (1984)
«Enquanto conduzia, afligia-se com o destino do Seat, a que chamava, em memória do seu antepassado, "o meu Rocinante".» Graham Greene, Monsenhor Quixote (1982) (tradução minha)
«O vale do Seret, desde a meseta de Braila até à de Galatz, na sua magnificência, enche a alma de desejos.» Panait Istrati, Tsatsa Minnka (1931) (tradução de José Barão)
«O vale do Seret, desde a meseta de Braila até à de Galatz, na sua magnificência, enche a alma de desejos.» Panait Istrati, Tsatsa Minnka (1931) (tradução de José Barão)
«Queimará isto que lhe escrevo, como eu lhe prometo queimar o que me responda.» Denis Diderot, A Religiosa (1796) (tradução de Franco de Sousa)
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sábado, outubro 27, 2018
surpresas e confirmações portuguesas nas eleições brasileiras
De acordo com o Público, Jaime Nogueira Pinto votaria em Bolsonaro, e eu estranharia que assim não fosse. Não retira um átimo ao interesse com que o ouço e leio. A grande surpresa -- ou talvez não -- é a de o ultra-católico João César das Neves votar em Haddad . Quanto à tão discutida posição de Assunção Cristas de não votar nem num nem noutro, não há surpresa nenhuma, apenas a confirmação da reserva mental duma parte da direita que nunca se deu bem com a liquidação do Estado Novo, coisa que já se sabe, mas que tentam sempre disfarçar.
sexta-feira, outubro 26, 2018
quinta-feira, outubro 25, 2018
«Bernardo Sanches era o exemplo duma raça heróica e magnífica enquanto a sua história fora uma questão de sobrevivência, mas que, com a segurança e o conforto, resultara numa brilhante mediocridade.» Agustina Bessa Luís, A Sibila (1954)
«Dobrado de frio, o queixo nos joelhos, a saca da roupa ao lado, eu sentia-me quase feliz, mas de uma estranha felicidade inquietante.» Vergílio Ferreira, Manhã Submersa (1954)
«Passou-lhe uma mão brusca pela cintura, e o assomo que lhe comandara o gesto revelava-se de qualquer sentimento estranhamente próximo do carinho.» Clara Pinto Correia, Adeus, Princesa (1985)
quarta-feira, outubro 24, 2018
os amores inúteis #39
O Leite de Vasconcelos de burro pelo país fora, pesquisando um passado que no país era ainda presente.
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terça-feira, outubro 23, 2018
segunda-feira, outubro 22, 2018
os amores inúteis #37
A aguda lucidez do Orwell.
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domingo, outubro 21, 2018
«À volta dele criou-se assim uma espécie de mitologia que julgo digna de crónica, embora queira penitenciar-me de ser eu a escrevê-la, pois a um neto de campino nunca deveria ser permitido o acesso a certos meios de expressão que o progresso, sorrateiramente, enfiou pelas nossas fronteiras.» Alves Redol, Barranco de Cegos (1961)
«Nas alagoas cavadas pelas mãos dos homens as águas aprisionadas às chuvas como que pressentem que cedo se lhes vai abrir um caminho, enquanto a ténue neblina sobre elas suspensa desfaz-se apressadamente, surpreendida pelo dia que surge.» Orlando da Costa, O Signo da Ira (1962)
«O edifício, velho e longo, muito longo e de um só piso, parecia querer mostrar que a sua missão, justamente por ser celeste, devia agarrar-se à terra, estender-se bem na terra, para extrair a alma dos homens que nela viviam.» Ferreira de Castro, A Missão (1954)
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sábado, outubro 20, 2018
sexta-feira, outubro 19, 2018
quinta-feira, outubro 18, 2018
os amores inúteis #35
A lenda de despojamento e libertinagem do meu avô João, da qual me sinto, divertida e moderadamente, herdeiro.
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«Dominação e exploração são palavras boas para definir a consequência do nascimento da colônia imperial do Pau Brasil, cor fogoembraza no imenso verde da mata virgem, "primitiva" como reza a História oficial branca.» James Anhanguera, Corações Futuristas (1978)
«Enquanto voltava costas, para se sentar sobre uma caixa vazia, junto da bomba de gasolina, Lonnie sentia um desejo irresistível de ter tão pouco medo de Arch Gunnard como Clem.» Erskine Caldwell, «Ajoelhai ante o sol nascente», Antologia do Conto Moderno (1960) (tradução de Manuel Barbosa)
«Visto que depois da morte só o nada existe e a terra tudo traga -- um buraco e alguns punhados de desprezível cisco -- o mundo divide-se logicamente em dois largos campos: nos que, cépticos, sem preconceitos, frios como lâminas, secos como pedras, conquistam, mandam e dominam, com o código por consciência e a quem tudo na terra é permitido -- calcar, mentir, triunfar enfim -- contanto que se fique dentro dos limites duma coisa honrosa a que por convenção se chama a honra, isto é fora da cadeia; e nos pobres, explorados e simples, ainda ignorantes, crendo numa vida eterna, que lhes pague a dor de virem ao mundo só para chorar, fartos de miséria e gritos, fartos de fome e desilusão, caminhando como um rebanho, gasto e suado, por este vale de lágrimas e de quem os outros se riem às escâncaras.» Raul Brandão, O Padre (1901)
«Enquanto voltava costas, para se sentar sobre uma caixa vazia, junto da bomba de gasolina, Lonnie sentia um desejo irresistível de ter tão pouco medo de Arch Gunnard como Clem.» Erskine Caldwell, «Ajoelhai ante o sol nascente», Antologia do Conto Moderno (1960) (tradução de Manuel Barbosa)
«Visto que depois da morte só o nada existe e a terra tudo traga -- um buraco e alguns punhados de desprezível cisco -- o mundo divide-se logicamente em dois largos campos: nos que, cépticos, sem preconceitos, frios como lâminas, secos como pedras, conquistam, mandam e dominam, com o código por consciência e a quem tudo na terra é permitido -- calcar, mentir, triunfar enfim -- contanto que se fique dentro dos limites duma coisa honrosa a que por convenção se chama a honra, isto é fora da cadeia; e nos pobres, explorados e simples, ainda ignorantes, crendo numa vida eterna, que lhes pague a dor de virem ao mundo só para chorar, fartos de miséria e gritos, fartos de fome e desilusão, caminhando como um rebanho, gasto e suado, por este vale de lágrimas e de quem os outros se riem às escâncaras.» Raul Brandão, O Padre (1901)
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quarta-feira, outubro 17, 2018
os amores inúteis #34
A casa do Balzac, em Paris, longa caminhada à beira-Sena para lá chegar.
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terça-feira, outubro 16, 2018
os amores inúteis #33
As capas do Victor Palla para a "Antologia do Conto Moderno", da Atlântida de Coimbra.
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Victor Palla
segunda-feira, outubro 15, 2018
«Atmosfera pesada, nuvens cor de chumbo em barras pelo céu; e cada lufada de vento que sopra sem um suspiro sequer nas folhas do arvoredo cresta-me a cara como o hálito dum forno, e longamente parece rarefazer, no ar, o oxigénio indispensável à função dos meus pulmões.» Fialho de Almeida, «Alexandre Herculano», Figuras de Destaque (póstumo, 1923)
«Assim como o tempo passa / já posso ser o que sou / breve chuvisco de tarde / nublado pela manhã / sol em neve declinado / seco mar fresca aridez» António Franco Alexandre, «Poema simples», Uma Fábula (2001)
«Outubro cantava, em surdina a sua canção marinha.», Augusto de Castro, «Mestre Outono, pintor», Mestre Outono, Pintor (1957)
«Assim como o tempo passa / já posso ser o que sou / breve chuvisco de tarde / nublado pela manhã / sol em neve declinado / seco mar fresca aridez» António Franco Alexandre, «Poema simples», Uma Fábula (2001)
«Outubro cantava, em surdina a sua canção marinha.», Augusto de Castro, «Mestre Outono, pintor», Mestre Outono, Pintor (1957)
domingo, outubro 14, 2018
sábado, outubro 13, 2018
os amores inúteis #31
Os períodos intermináveis do Saramago, a lembrar as divagações do Nemésio na televisão.
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Vitorino Nemésio
«"Bem", disse Austin, "tinham vindo do Museu de Arte Moderna, onde viram os seus Matisse e os seus Miró, acabaram por encontrar-se no Louvre, diante de um quadro neutro, talvez a inevitável Gioconda, Molero diz que vastas multidões de peregrinos solitários se encontram, a dois, diante da tela da Gioconda, cedendo ao apelo publicitário do mais enigmático de todos os sorrisos, bem, conheceram-se no Louvre".» Dinis Machado, O que Diz Molero (1977)
«Ervas, rebentos, raízes, tudo sumido na voragem da sede e do calor.» Manuel Ferreira, Hora di Bai (1962)
«"Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o dispenso do teatro amanhã; venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote, dou-lhe chá, dou.lhe cama; só não lhe dou moça."» Machado de Assis, D. Casmuurro (1901)
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sexta-feira, outubro 12, 2018
quinta-feira, outubro 11, 2018
«A família, apoiada por vizinhos e conhecidos, mantém-se intransigente na versão da tranquila morte matinal, sem testemunhas, sem aparato, sem frase, acontecida quase vinte horas antes daquela outra propalada e comentada morte na agonia da noite, quando a Lua se desfez sobre o mar e aconteceram mistérios na orla do cais da Baía.» Jorge Amado, A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água (1959)
«Como de ordinário, João Mendes premiu o botão do sexto andar e o elevador arrancou, com um silvo ligeiro e um suave toque de ferragens.» Mário de Carvalho, «In excelsum», A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho (1983)
«Há homens que triunfam não pelo valor próprio, mas pelo valor que os outros lhe atribuem.» Ferreira de Castro, Carta de Reabilitação (1929)
«Como de ordinário, João Mendes premiu o botão do sexto andar e o elevador arrancou, com um silvo ligeiro e um suave toque de ferragens.» Mário de Carvalho, «In excelsum», A Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho (1983)
«Há homens que triunfam não pelo valor próprio, mas pelo valor que os outros lhe atribuem.» Ferreira de Castro, Carta de Reabilitação (1929)
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Bolsonaro, o frouxo
Debater com o Haddad? Não pode stressar-se, dizem os médicos. Pudera, aquela criatura a tentar balbuciar palavras, com bolhinhas de saliva e tudo, diante do Haddad, que gasta mais latim quando ressona uma noite do que o Bolçonaro empregou em trinta anos (!) de parlamentar, seria o suficiente para, em novo coma, torná-lo ainda mais vegetal.
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quarta-feira, outubro 10, 2018
os amores inúteis #28
Os riffs etílicos do Rory Gallagher.
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terça-feira, outubro 09, 2018
nótulas de diversão sobre o caso de extorsão a Cristiano Ronaldo
Estamos a assistir, em directo e a cores, a uma despudorada tentativa de extorsão por parte de um escroque que exerce advocacia, com a conivência ou a passividade (ou mesmo manipulação, quem sabe?) da senhora que há nove anos se cruzou com Cristiano Ronaldo, alimentada, claro, pelo Spiegel (o 'Espelho'...) e pelo jurnalismo de reputagem global.
Não vou fazer minha a vox pop que me tem saído ao caminho: do desculpabilizante "aquilo foi excesso de aquecimento [exercido pela senhora, note-se], e o homem não se aguentou" (empregada duma tabacaria); ou o avinhado "só passados nove anos é que passou a doer-lhe o cu!" (empregado dum café de bairro). Por outro lado, também não vou dar à senhora outra dignidade que não seja aquela que lhe é intrínseca como ser humano -- mesmo que a própria possa, eventualmente, não ter dela consciência --, tornando-a símbolo das vítimas de opressão, uma nova Kathryn Eufémia sucumbente ao machismo dominante, convenhamos.
Para já, parece ser a palavra de um contra a de outro: a senhora diz que foi abusada ou violada, Cristiano Ronaldo diz que não. Vale mais a palavra de um do que a de outro? Poderia dizer que não, se não tivesse havido já uma transacção financeira avultada em favor da senhora. Perante a mais do que evidente escroqueria, dou mais valor à palavra de Ronaldo, apesar de rico e poderoso, do que à da alegada vítima.
Mas vamos admitir que Cristiano Ronaldo foi um patife, pois uma penetração exercida contra vontade qualifica um pulha. Houve um acordo entre advogados, a senhora foi indemnizada, duplamente bem indemnizada, e a história acabou ali. O mais só tem o nome de extorsão, como qualquer pessoa percebe. A não ser que os savonarolas cá da Parvónia defendam que Ronaldo deva pagar mais, e ainda outra vez, ou talvez ser extraditado para a america (pronunciar com sotaque), e, porque não?, até a uma sentençazinha a prisão perpétua...
Repare-se que não faço qualquer juízo de valor sobre a decisão de a senhora ter subido ao quarto, era o que me faltava. Cada indivíduo é livre de ter o sexo que quiser, com quem quiser, como quiser, a pagar ou de borla; já não é livre de arrecadar umas coroas valentes e passados uns anos querer mais, à boleia do ar do tempo.
(Agora a brincar: pode aqui até dar-se o caso de um erro de percepção mútua. E se Ronaldo era, aos 23 anos um incompetente na matéria? (tem-se visto); se o rapaz pensava que era só entrar por ali adentro, à Largadère? Ah pois... )
Não vou fazer minha a vox pop que me tem saído ao caminho: do desculpabilizante "aquilo foi excesso de aquecimento [exercido pela senhora, note-se], e o homem não se aguentou" (empregada duma tabacaria); ou o avinhado "só passados nove anos é que passou a doer-lhe o cu!" (empregado dum café de bairro). Por outro lado, também não vou dar à senhora outra dignidade que não seja aquela que lhe é intrínseca como ser humano -- mesmo que a própria possa, eventualmente, não ter dela consciência --, tornando-a símbolo das vítimas de opressão, uma nova Kathryn Eufémia sucumbente ao machismo dominante, convenhamos.
Para já, parece ser a palavra de um contra a de outro: a senhora diz que foi abusada ou violada, Cristiano Ronaldo diz que não. Vale mais a palavra de um do que a de outro? Poderia dizer que não, se não tivesse havido já uma transacção financeira avultada em favor da senhora. Perante a mais do que evidente escroqueria, dou mais valor à palavra de Ronaldo, apesar de rico e poderoso, do que à da alegada vítima.
Mas vamos admitir que Cristiano Ronaldo foi um patife, pois uma penetração exercida contra vontade qualifica um pulha. Houve um acordo entre advogados, a senhora foi indemnizada, duplamente bem indemnizada, e a história acabou ali. O mais só tem o nome de extorsão, como qualquer pessoa percebe. A não ser que os savonarolas cá da Parvónia defendam que Ronaldo deva pagar mais, e ainda outra vez, ou talvez ser extraditado para a america (pronunciar com sotaque), e, porque não?, até a uma sentençazinha a prisão perpétua...
Repare-se que não faço qualquer juízo de valor sobre a decisão de a senhora ter subido ao quarto, era o que me faltava. Cada indivíduo é livre de ter o sexo que quiser, com quem quiser, como quiser, a pagar ou de borla; já não é livre de arrecadar umas coroas valentes e passados uns anos querer mais, à boleia do ar do tempo.
(Agora a brincar: pode aqui até dar-se o caso de um erro de percepção mútua. E se Ronaldo era, aos 23 anos um incompetente na matéria? (tem-se visto); se o rapaz pensava que era só entrar por ali adentro, à Largadère? Ah pois... )
«E ali pelo oitavo chope, chegamos à conclusão de que todos os problemas eram insolúveis.» Cyro dos Anjos, O Amanuense Belmiro (1937)
«E não faltam ao mundo cheiros, nem sequer a esta terra, parte que dele é e servida de paisagem.» José Saramago, Levantado do Chão (1980)
«Mas descobríamos, pouco a pouco, que não havia a mínima falsidade no que ele deduzia ou inventava, ou, o que era o mesmo, que ele vivia num mundo seu, onde não penetravam as ideias dos outros, e onde quanto ele pensava tinha valor idêntico ao que houvesse pensado um Newton qualquer.» Jorge de Sena, Sinais de Fogo (1979)
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segunda-feira, outubro 08, 2018
os amores inúteis #27
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domingo, outubro 07, 2018
«E ouvi um jipe que rolava na picada / um jipe sem sentido / na última viagem de Portugal.» Manuel Alegre, «À sombra das árvores milenares», Doze Naus (2007)
«Parecia o Céu estrelado, / Ou a visão dum "fakir" / O vestido de noivado / Da rainha de Kachmir.» Gomes Leal, «[A rainha de Kachmir], in Edoi Lelia Doura -- Antologia das Vozes Comunicantes da Poesia Portuguesa (1985)
«Quando descer à teia derradeira / não se verá no mundo alteração, ou só / talvez alguma mosca mais contente.» António Franco Alexandre, Aracne (2004)
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18 anos depois
Em 2000, saí a correr do trabalho a meio da tarde, em Sintra, para tentar chegar casa, na Areia, a primeira aldeia depois do Guincho, ameaçada pelo fogo. A polícia parou-me na rotunda do McDonald's de Birre, e tive de fazer o resto do caminho a pé, para resgatar o meu cão. Tivemos sorte, faúlhas entraram pelas janelas semiabertas, mas já extintas.
Esta tarde fui até à igreja da Ulgueira, assistir a um extraordinário concerto pelo Alis Ubbo Ensemble, com leitura de passagens da obra do Ferreira de Castro, nos 120 anos do seu nascimento, no âmbito do Festival de Música de Sintra. Fui e vim pela área que está agora a arder. Nessa altura, umas quatro da tarde, um pequeno fogo surgia numa zona que calculei se situasse entre o Zambujeiro e o Pendão. Na Malveira da Serra, um carro dos bombeiro de Almoçageme voava na direcção de Janes; a seguir, um outro de Colares. Fogo posto?, perguntei-me. Vento, calor e terreno seco, ideal para estas malfeitorias. À noite, aí vinha ele, a sério. Fogo posto, sem grandes dúvidas.
Por volta da meia-noite, andei a fazer o reconhecimento do fogo pelo Guincho (intenso cheiro a queimado e cinzas pelo ar, mas o fogo ainda relativamente distante), Areia, Aldeia de Juzo, Murches e Zambujeiro, e percebi, pela direcção do vento que ele iria fazer um caminho muito parecido, neste lado do sopé da serra de Sintra. Passados dezoito anos, antevejo uma desolação semelhante. Já não vivo no mesmo sítio, a família cresceu, estou numa casa maior, noutra em tempos aldeia, o Cobre, já pegada a Cascais. À partida, apesar de zona de pinhal outrora abundante, não me parece que haja perigo.
Há uma hora, a sirene dos bombeiros soava com insistência, o fogo entrara em força no concelho de Cascais. As aldeias da Biscaia, Figueira do Guincho, Almoinhas Velhas e Charneca e o parque de campismo junto à praia do Guincho foram evacuados por precaução. O vento mantém-se instável e traiçoeiro, as sirenes dos bombeiros continuam a fazer-se ouvir.
São três e cinquenta e quatro da manhã, e isto está para durar.
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sábado, outubro 06, 2018
sexta-feira, outubro 05, 2018
quinta-feira, outubro 04, 2018
os amores inúteis #26
Os dois volumes da correspondência do Eça de Queirós, editados pelo Guilherme de Castilho na Imprensa Nacional e lidos nos velhos estofos da Linha do Estoril.
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«Já todas as paredes estão firmes nos engonços, aprumadas se vêem as colunas sob a cornija percorrida de latinas letras que explicam o nome e o título de Paulo V Borghese e que el-rei há muito tempo deixou de ler, embora sempre os seus olhos se comprazam no número ordinal daquele papa, por via da igualdade do seu próprio.» José Saramago, Memorial do Convento (1982)
«Naquela fornalha do auge da época seca, onde não corria uma aragem, eles e uns mosquitos pequenos que se metiam pelos olhos, pela boca, pelo nariz, como se fossem cegos, pareciam ser os únicos bichos vivos.» Carlos Vale Ferraz, Nó Cego (1983)
«O Tejo, ao fundo, numa pardacenta imobilidade de expectativa.» Fernando Namora, O Rio Triste (1982)
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quarta-feira, outubro 03, 2018
os amores inúteis #25
Os combatentes na Guerra Civil de Espanha, pela República.
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Abandonado, adj. Lançado ao abandono; deixado; de que se desistiu; desamparado; desprezado; solitário. Augusto Moreno, Dicionário Complementar da Língua Portuguesa (5.ª ed., 1948)
Abandonado, adj. Sem favores a conceder. Desprovido de fortuna. Devotado a expressar a verdade e o senso comum. Ambrose Bierce, Dicionário do Diabo (1906) (tradução de Rui Lopes)
Abandonado, adj. Sem favores a conceder. Desprovido de fortuna. Devotado a expressar a verdade e o senso comum. Ambrose Bierce, Dicionário do Diabo (1906) (tradução de Rui Lopes)
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terça-feira, outubro 02, 2018
«Em dias de amena meteorologia, o Highland Brigade é jardim de crianças e paraíso de velhos, porém não hoje, que está chovendo e não iremos ter outra tarde.» José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984)
«Quanto a nós, visitávamos aos domingos os tios que sobravam do naufrágio da família, presos no Forte de Caxias por sabotagem económica, a verem as marés do Tejo subirem e descerem na muralha entre grades de celas e sovacos de pára-quedistas.» António Lobo Antunes, Auto dos Danados (1985)
«Só vozes ermas dos campos, ouço-as no calor parado da tarde.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983)
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segunda-feira, outubro 01, 2018
os amores inúteis #23
O rasgo da escultura do Cutileiro.
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«Canto o carvão e as cinzas / as gazelas e os peixes / na fogueira contínua das cavernas. [...]» -- «O canto e as armas», Manuel Alegre, O Canto e as Armas (1967)
«De nossos olhos / uma palheta irisa a fenda / que há nos céus sujos / da terra. [...]» -- «Uma certa dignidade», Sebastião Alba, A Noite Dividida (1996)
«Vista por fora é pouco apetecida, / porque aos olhos por feia é parecida; / porém dentro habitada / é muito bela, muito desejada, / é como a concha tosca e deslustrosa, / que dentro cria a pérola fermosa.» -- «À Ilha de Maré, termo desta cidade da Baía», Manuel Botelho de Oliveira, Música do Parnaso (1705) / José Valle de Figueiredo, Antologia da Poesia Brasileira (s.d.)
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