Uma das músicas da minha vida. Aos 16 anos já tinha suficientemente melancolia em mim para me deixar subjugar por esta toada triste, que os últimos acordes da guitarra-sintetizada acentuam. Em cima, Bowie ao vivo na BBC, creio que em 2000; em baixo o clip original.
domingo, agosto 31, 2014
escritor português "in partibus"
«ingressara numa comparativa rotina, que aproveitava para, nas horas vagas, aos sábados e domingos, e durante os serões, encher resmas de papel com a minha impublicável prosa de escritor português in partibus»
José Rodrigues Miguéis, Um Homem Sorri à Morte -- Com Meia Cara (1959)
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José Rodrigues Miguéis
sábado, agosto 30, 2014
finais, felizes e infelizes
«Pertences a uma classe em que tudo acaba sempre bem. Até as história que vos contam em pequenos acabam bem: "casaram, tiveram muitos filhos e foram muito felizes". Eu pertenço a uma classe em que tudo acaba mal: "casaram e no dia seguinte veio o homem exigir a segunda prestação da mobília do quarto..."»
Luís de Sttau Monteiro, Angústia para o Jantar (1961)
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Luís de Sttau Monteiro
Para o que der e vier
Até há pouco desconhecia a série Para o que Der e Vier (For Better Or For Worse), da canadiana Lynn Johnston, publicada entre 1979 e 2008. Foi uma aposta da Gradiva, que infelizmente não vingou entre nós. E infelizmente porque a autora cultivou um humor mais refinado e adulto, acompanhando o envelhecimento das personagens (o que, à época, não era muito vulgar) a par do seu próprio. A série tem aliás uma forte componente autobiográfica,
A Balada da Máquina de Lavar (I've Got The One-More-Washload Blues, 1981) é o primeiro álbum da série e mostra-nos o dia-a-dia da família da classe média, os Patterson, centrando-se na mãe, Elly, que decide ficar em casa a tomar conta dos filhos muito pequenos, enquanto o marido trabalha na sua clínica dentária. Muito bem conseguido o tratamento do tédio e da saturação, como o da felicidade e exaltação.
quinta-feira, agosto 28, 2014
quarta-feira, agosto 27, 2014
tudo no lugar
Um McCartney típico, bem construído e esgalhado, cheio de alma e graça, com tudo no seu lugar: a linha do baixo, o fraseado da guitarra, o beat da bateria, as vozes desesperadamente roufenhas. E é divertido. Abre Rubber Soul (1965), um dos meus álbuns preferidos.
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Bruce Springsteen: de Sam & Dave aos My Morning Jackett, passando por David Crosby
Grande admirador dos Stones e dos Clash, como performer o "Boss" elege a dupla Sam & Dave, e recorda um espectáculo a que assistiu em NJ, por 1973/74: "I felt like I was stood there witnessing a miracle. I actually cried -- it was from seeing the beautiful and visible effort of the guys that were trying to erntertain you." Nos concertos, Springsteen faz pôr música de várias épocas, de Woody Guthrie aos My Morning Jacket, banda que conheceu através do filho e lhe parece uma ponte que vem da cena mais psicadélica dos anos sessenta. Lembra, a propósito, um grande disco de David Crosby (Classic Rock #200, 8/2014)
terça-feira, agosto 26, 2014
Ian Gillan, Little Richard e marcianos
Rock -- disse Ian Gillan, vocalista fundador dos Deep Purple à Classic Rock #200 (8/2014) -- "It's an explosively powerful thing that stays with you for life." E se o marciano descesse à Terra e quisesse saber do que se tratava, ele punha-o a ouvir Good Golly Miss Molly, de Little Richard.
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domingo, agosto 24, 2014
Padre Manuel Bernardes
Imagens da Obra do Padre Manuel Bernardes (Lisboa, Seara Nova, 1978), apresentada e organizada por Lucília Gonçalves Pires, destina-se principalmente a estudantes; mas à falta de edições acessíveis decentes (ou mesmo indecentes) dos nossos autores canónicos, acaba por ter o leitor comum interessado como destinatário. E creio que cumpre a função como introdução à obra do Padre Manuel Bernardes (1644-1710), um exímio cultor da língua, passe o lugar-comum.
Porque faz sentido ler Bernardes em 2014? Pela mesma razão que não nos dispensamos de ver a pintura de Sequeira ou de ouvir as sonatas de Seixas. O grande estilo não prescreve, e, tratando-se de prosa edificante e religiosa, é irrelevante o sermos ateus, mesmo que o assunto seja Deus, o Diabo e a Virgem Maria, a salvação ou a condenação, Paraíso ou Inferno. Pelo contrário, se dotada de sincera profundidade, o supremo gozo do leitor é o de assistir à exímia arte da escrita desenrolar-se diante dos olhos, ao sábio dosear dos recursos de estilo, por forma a manipular o leitor ou o ouvinte. Atente-se neste exemplo retirado dos Exercícios Espirituais (1686), em que o autor procura definir Deus, terminando por admitir o aparente fracasso:
«[...] Deus é um supremo Senhor, de infinita majestade e perfeição, de infinita sabedoria, poder e santidade, o qual só de si mesmo é compreendido. É uma luz escuríssima por sua muita claridade, um abismo de perfeições, quanto mais conhecidas mais ignoradas, um ser eterno e incomutável, fonte de todo o ser criado. A Eternidade é o seu século, a Imensidade o seu trono, a Omnipotência o seu ceptro. Dentro de si, mora e vive uma vida felicíssima, sem princípio, sem fim, sem novidade, sem defeito, sem mudança. É Monarca independente, absoluto Senhor, Pai amoroso, de cuja bondade e glória comunicada estão cheios os Céus e a terra. Este é Deus, ou para dizer melhor, este não é Deus, porque Deus não é o que na palavra ou pensamento nem humano nem angélico pode caber. [...]»
Bernardes era também um grande narrador: os seus textos exemplares são construídos para prenderem o leitor/ouvinte, como se se tratasse duma obra de recreação profana e não aquilo que efectivamente pretendem ser: instrumentos para a salvação da alma.
Hank Marvin: economia de meios
O maravilhoso Hank Marvin foi o primeiro guitar hero britânico, apesar da sua modéstia. À Classic Rock (#200, 8/2014) disse só se aperceber da influência junto de guitarristas mais novos já na década de 70, quando gente como Brian May, Mark Knopfler e Jeff Beck, inesperadamente, fizeram que se soubesse. E até tipos do metal, e até rapazes e raparigas do punk, que lhe apareciam nos espectáculos dos Shadows: "When we ask why they were there they replied: 'We love the economy of your music.It's like early punk.'"
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Jimmy Page: da descoberta das raízes
Ainda na escola, Jimmy Page (Led Zeppelin) ouvia Elvis, Jerry Lee Lewis, The Rock And Roll Trio e Little Richard, a maior referência desses tempos: "I'm not the first one to say that hearing Little Richard was like, wow!" E depois de ouvi-los, perguntava-se. "'Who is Sleepy John Estes? Who is Arthur "Big Boy" Crudup?'" (da entrevista a Classic Rock #200, 8/2014). Rock And Roll, por exemplo, foi composto sob a influência desses tempos iniciais.
sábado, agosto 23, 2014
do Hammill sei eu que é imortal
Mesmo tema, morte, imortalidade, etc. para Peter Hammill (Van der Graaf Generator). Limpinho e e peremptório sobre "vida depois da morte" e baboseiras similares: "I believe thet when we're done we're done. So make the best use of time while where here." Claro que isso é para nós, bípedes sem qualidades. Para ele, a música extraordinária garante-lhe, ah pois garante, a imortalidade possível.
Em baixo, All That Before, um tema sobre o envelhecer, VDGG reduzidos a trio, mas bons bons, como o vinho do Porto (ou Carcavelos, no meu caso).
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sexta-feira, agosto 22, 2014
BARDAMERDA!
Tanta aflição, justificada, com as vítimas civis em Gaza, incluindo mulheres e crianças, e não vejo preocupações e indignações similares em relação aos russos do leste da Ucrânia, incluindo mulheres e crianças, vítimas de tratamento similar, embora em menor grau.
E não vejo, porquê? Porque a porcaria da imprensa (jornais e televisões, principalmente; a Antena 1 é ainda um oásis de bom jornalismo) portuguesa, com honrosas excepções, é: 1.º, incrivelmente ignorante e incompetente; 2.º, ideologicamente determinada, pese a ignorância crassa e a incompetência ominosa de que dá mostras quotidianamente; 3.º, boa parte dos directores e chefias das redacções são criados, e isso determina tudo.
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Joe Bonamassa: para além da morte
Morte e esquecimento, o tópico guardado pela Classic Rock (#200, 8/2014) para Joe Bonamassa: daqui a 50 anos, esperará ser lembrado? Sim, claro, mas nunca se sabe -- diz. Talvez The Ballad Of John Henry esteja esquecida ou continue a ser tocada, mas: "At the end of the day, whato do I care. I most probably won't be around in fifty years' time."
quinta-feira, agosto 21, 2014
preconceito, abuso de poder & salamaleques numa BD (subversiva) de Spirou
Em O Feiticeiro de Talmourol (Il y A un Sorcier à Champignac, 1950), Spirou e Fantásio planeiam fazer campismo numa aldeia, cujo titular, o Conde, Pacómio Hegésipo Adelardo Ladislau, em primeira aparição, será personagem de importância crescente, até hoje. As intervenções iniciais serão, porém, do cabotino presidente da Câmara, também em estreia, e de uma família cigana, por ele escorraçada, por antecipação de pilhagalinhagem.
O factor de comicidade é introduzido pelos novos semáforos que o maire manda instalar numa recta -- sem trânsito, mas isso só seria visto pelos inimigos políticos e do progresso, porque ele é que era o presidente da Câmara... A família cigana, de caravana, com o homem a pé, é admoestada por passar o sinal vermelho; para o conde, que transgride em sua dona-elvira, uma acentuada vénia, embora com fúria; dois ciclocampistas ajoujados com as pesadas mochilas pejadas -- Spirou e Fantásio --, esses sim, o edil vê neles a oportunidade de tirar desforço pelo atrevimento do desrespeito pelas regras de trânsito: "Alto! Seus garotos! Não vêem o sinal vermelho?!"
Franquin e Jean Darc (Henri Gillain), Spirou -- O Feiticeiro de Talmourol, tradução de Ricardo Alberty, Lisboa, Editorial publica, 1981, pranchas 1-2.
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quarta-feira, agosto 20, 2014
Robert Wyatt: "música de intervenção"
Apesar de gravada pouco antes por Elvis Costello, Robert Wyatt (baterista fundador dos Soft Machine), decidiu fazer uma versão de Shipbuilding, logo após o fim da Guerra das Falkland, considerando -- em entrevista à Classic Rock (#200, 8/2014) -- que ambos, Wyatt e Costello, ainda hoje sentem necessidade de cantá-la.
Sobre a música de intervenção política e social escrita nos anos 60, o músico britânico distingue Masters Of War, de Bob Dylan, Universal Soldier, de Buffy Sainte-Marie, e, acima de todos, o verdadeiro catalisador, A Change Is Gonna Come, de Sam Cooke: "That set the tone for musicians taking a critical look at the establishment."
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terça-feira, agosto 19, 2014
aprender a ler
O autor não é apenas professor de Literatura (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), como tem a particularidade de gostar dela, a Literatura -- o que nem sempre sucede --, e, o que é mais, sabe transmitir pedagogicamente essa paixão.
Estas Notas de Rodapé serão tal, na sua designação humilde, se nos reportarmos ao seu objecto: a grande literatura -- brasileira, principalmente, mas também portuguesa e de além-língua. Borges, Calvino e Eco, por exemplo, são abundantemente citados ao longo do livro, muitas vezes em epígrafes. Acontece que estas crónicas, publicadas na imprensa, foram escritas com o gosto de comunicar com os alunos e todos quantos pretendem aventurar-se no bosque da ficção. E, nesse aspecto, é excelente para aqueles leitores menos experientes, perdidos nos labirintos do mercado, nivelando ou soterrando os clássicos de ontem e de hoje na avalanche da subliteratura parida a esmo pela indústria editorial.
"Devaneios de um leitor solitário", subtitula Tôrres Freire o seu livro, desta forma despretensiosa e aparentemente leve, fazendo pontes para a História ou o Cinema, conduzindo sabiamente e dando ferramentas ao leitor interessado em distinguir o trigo do joio. Quase todos os Grandes brasileiros estão lá; e enquanto leitor português apreciei os textos consagrados a Fernando Pessoa, Ferreira de Castro, José Saramago e António Lobo Antunes.
José Alonso Tôrres Freire, Notas de Rodapé -- Devaneios de um Leitor Solitário, Campo Grande, 2014.
David Crosby: os Byrds e Pete Seeger
Para Crosby, Pete Seeger foi o músico mais político com quem trabalhou, disse-o à Classic Rock #200 (8/2014). Os Byrds nutriam grande admiração por ele, homenageando-o com uma versão de Turn! Turn! Turn! (1959) -- o que motivou uma carta do já então músico veterano:
"They used to do everything but burn crosses on my lawn for being a communist. Now they come around and ask for my autograph. You boys are wonderful!".
"They used to do everything but burn crosses on my lawn for being a communist. Now they come around and ask for my autograph. You boys are wonderful!".
Em baixo, os mesmos Byrds, em 1965; e Seeger, em 2010, então com 89 anos.
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segunda-feira, agosto 18, 2014
Peter Frampton: flores de Elvis
Até Frampton Comes Alive (1976), o guitarrista inglês tivera uma carreira modesta, mesmo nos Humble Pie. O duplo álbum gravado ao vivo quebrou todas as expectativas, incluindo as do próprio músico: "For a time -- disse à Classic Rock #200, 8/2014 -- I was the biggest artist in the world, and was selling more records than anyone had ever done. I got flowers from Elvis and had more atention than I coul ever have imagined. It was overwhelming."
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trailers #5 - BATMAN, de Tim Burton (1989)
Jack Nicholson, pois claro, Joker insuperável; e também o Batmóvel, como já disse. Aceita-se o flashback envolvendo o vilão no assassínio dos pais de Bruce Wayne, mas não acrescenta grande coisa às personagens.
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domingo, agosto 17, 2014
caracteres móveis
«Tentava provar que o mais importante para um homem não era andar depressa, mas saber para onde ir e porquê, e que, bem vistas as coisas, a velocidade nem sempre era uma vantagem. / -- Se fores para o Inferno, sempre é melhor que vás devagar -- disse ele, cínico, a um jovem comerciante.»
Ivo Andrić, A Ponte Sobre o Drina (1945)
trailers #4 - KING KONG, de Peter Jackson (2005)
Quando o vi, no cinema, ou revejo, em casa, sinto sempre um prazer juvenil do gozo da pura aventura, como quando li As Minas de Salomão, de Rider Haggard / Eça de Queirós, ou vi Os Salteadores da Arca Perdida. Há até um quase-Corto Maltese, na personagem do Capitão Englehorn...
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Noddy Holder: tão milnove e setenta e quatro, e ainda fresco
Chega o Natal, e Noddy Holder (Slade) pensará: "Oh, God, here we go again?". Ao que ele responde (Classic Rock #200, 8/2014) estar orgulhoso de Merry Christmas Everybody, ao fim de quarenta anos: "it still sounds fresh to me and it's taken a life on its own." Como discordar?
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sábado, agosto 16, 2014
Rick Parfitt: Cliff & The Shadows
Para Parfitt (Status Quo), tudo começou depois de ouvir Move It, por Cliff Richard com os Shadows: «I got a guitar, and just lost interest in everything at school.»
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trailers #3 - WAY OUT WEST, James W. Horne (1937)
Bucha & Estica a Caminho do Oeste (1937). Um western-comédia com os lugares-comuns habituais. Velho e envelhecido.
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sexta-feira, agosto 15, 2014
quinta-feira, agosto 14, 2014
Nick Mason: "A Saucerful Of Secrets"
No inquérito sobre a fama, essa hidra, ficamos a saber da modéstia de Nick Mason, também conhecido pela sua ligação ao desporto e coleccionismo automóvel. Perguntado (Classic Rock #200, 8/2014) qual o álbum dos Floyd que gostava fosse mais conhecido, refere-se ao segundo A Saucerful Of Secrets (1969): «There were lots of ideas on that one that helped us to work out where we were going.»
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numa Patópolis de ganância, desvio e luxúria
Lembremos as sombras de Alack Sinner e a virulência de Torpedo 1936. Vamos encontrá-las em Blacksad, com a particularidade de os episódios de violência, sexo &outros vícios serem protagonizadas por personagens antropomorfizadas, saídas do lápis de um desenhador da Disney -- e Guarnido foi-o, em tempos. Do meu conhecimento, havia Canardo, que já entrara por aí; mas o pato era uma espécie de Columbo de penas, um pouco mais ébrio e atrevido. Claro, que o autor que mais longe levou o antropomorfismo na 9.ª arte adulta foi Art Spiegelman, mas estamos a falar doutro universo e doutro patamar.
Esta co-edição Público / Asa inclui os dois primeiros álbuns da série, Algures Entre as Sombras (2002) e Arctic-Nation (2003): a primeira, passada em Nova Iorque, trata de um crime de assassínio de uma (eu ia escrever mulher...) fêmea de arromba, actriz que em tempos tivera um caso com o próprio Blacksad, seguindo a preceito os clichés do policial negro norte-americano. A Grande Maçã como uma Patópolis de ganância, desvio e luxúria. A segunda narrativa, é uma incursão muito conseguida no asfixiante universo das subterrâneas organizações racistas.
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o som e a fúria
O segundo andamento do Concerto para piano #5 de Beethoven, «Imperador», louvor ainda da figura de Napoleão Bonaparte (como a Sinfonia #3), dedicatário fortemente renegado pelo compositor, quando o mito de libertador dos povos europeus, sob o lema da Revolução Francesa -- Liberdade, Igualdade, Fraternidade -- se revela um carrasco desses mesmos povos. É célebre a imagem da dedicatória furiosamente rasurada, o papel da partitura rasgado pelo furioso Ludwig, enquanto ouvia o troar dos canhões napoléonicos às portas de Viena.
Quanto à música, propriamente, o diálogo apaixonante entre o piano e a orquestra é duma beleza extraordinária.
A minha interpretação é a de Fleisher / Szell; ao vivo, escolho a magnificência de Arrau / Davis.
trailers #1 - BATMAN BEGINS, de Christopher Nolan (2005)
O meu Batman, já o disse, é o de Neal Adams; e, no cinema, o de Christopher Nolan (Bale mais convincente do que Keaton). O episódio Ra's Al Gul eestá bem metido; Michael Caine, um formidável Alfred; o batmóvel é excitante, mas falta-lhe a personalidade gótica do arquétipo, melhor no filme de Tim Burton; a conexão do Espantalho ao Asilo Arkham também me pareceu bem. A banda sonora cumpre melhor do que o trailer sugere; aliás, o trailer é fraco.
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quarta-feira, agosto 13, 2014
Dave Brock: um ateu sensível a hinos religiosos
Descrevendo-se a si próprio como ateu ("As we go forward in time and space in this universe, the less likely it becomes to find the great God that make it all.", Classic Rock #200, Agosto 2014), a verdade é que o frontman dos Hawkwind não deixa de comover-se com a beleza de vários hinos religiosos. Certa vez, na América, ouviu All Things Bright And Beatiful, do seu compatriota britânico John Rutter, e "It made me feel so joyous I almost burst into tears." -- o que não deixou de constituir-se como surpresa para si. O que significa isto?, pergunta retórica: que Brock é um músico sensível e profundo, como um artista deve ser. Nada mais do que isso, que já é imenso -- creio, que como ele descreio.
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terça-feira, agosto 12, 2014
Aretha Franklin: do coração
A propósito de religião, Aretha disse à Classic Rock deste mês que a alegria em cantar estende-se a todo o tipo de material, e não apenas ao de extracção religiosa -- que, aliás, está na sua génese de cantora. Mas é, claramente, uma área que muito lhe agrada, com muitas canções favoritas. E, por todas, elege Amazing Grace. O jornalista acrescenta que este hino se tornou uma espécie de assinatura para ela, e pergunta-lhe de que modo ela o aborda. Resposta: «I sing it in the way it should be sung -- from the heart.»
segunda-feira, agosto 11, 2014
Iraque (?)
Numa perspectiva geopolítica, o que se está a passar no que ainda é conhecido por Iraque é terrivelmente fascinante. Fascínio que, naturalmente, esmorece diante da tragédia humana que se desenrola nas nossas barbas. Sobre a política criminosa de Bush & Bliar, entre outras criaturas, já me pronunciei o suficiente e escusado será chover no molhado: todos sabíamos do que se tratava antes de começar a guerra; e os falsos ingénuos e falcões amestrados que a denderam guardam hoje um comprometido e envergonhado silêncio.
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desventuras dum esfomeado
Livro anónimo do século XVI, Lazarilho de Tormes inaugura uma das marcas distintivas da literatura espanhola, a novela picaresca.
Lázaro, um habilidoso mal-nascido, sustenta-se como criado de diversas figuras-tipo, normalmente mais malandras do que ele, e que se vão sucedendo: um cego, um clérigo, um escudeiro, um frade, um proclamador de bulas, um capelão e um aguazil. Com excepção do escudeiro, pobre fidalgote que tudo faz para ocultar a miséria do seu estado, os outros sevandijas exploravam Lázaro, sem piedade. Mas, para velhaco, velhaco e meio, acabando, no final, o anti-herói por levar a melhor, ou quase, conseguindo uma colocação como pregoeiro em Toledo.
Livro subversivo, satirizando clero, nobreza e o funcionalismo emergente, não é de estranhar que o autor tenha querido usar de prudente reserva de identidade, nesse ano de 1554.
Impressionou-me sobremaneira o tema obsidiante da fome, que perpassa pela quase totalidade da novela: a fome que exaspera sempre Lazarilho, e também alguns dos seus amos. Desventuras de um esfomeado seria um subtítulo apropriado.
Há, ainda, um prefácio de Gregorio Marañon, que detestava a novela picaresca, não por ser má literatura, mas pelo que, no entender do ensaísta, deformava, não apenas a alma espanhola -- pela amoralidade e apologia do comportamento desviante --, como também pela imagem distorcida que dos espanhóis passava além-fronteiras.
Impressionou-me sobremaneira o tema obsidiante da fome, que perpassa pela quase totalidade da novela: a fome que exaspera sempre Lazarilho, e também alguns dos seus amos. Desventuras de um esfomeado seria um subtítulo apropriado.
Há, ainda, um prefácio de Gregorio Marañon, que detestava a novela picaresca, não por ser má literatura, mas pelo que, no entender do ensaísta, deformava, não apenas a alma espanhola -- pela amoralidade e apologia do comportamento desviante --, como também pela imagem distorcida que dos espanhóis passava além-fronteiras.
Ian Anderson, Dalí e Magritte
Ian Anderson gosta de arte e, não sendo um coleccionador, agrada-lhe tê-la, sabendo, de resto, o que ela vale, nos dois sentidos: "As a schooolboy I became acquainted with the work of Salvador Dalí [...]. He knew how to court the interest of the public and did so shamelessly. You get more bang for your buck with Magritte than Dalí." Classic Rock #200, Agosto 2014).
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domingo, agosto 10, 2014
Thijs van Leer: Bach, o maior herói
Filho de um flautista apaixonado por Bach, Thijs van Leer (teclas, flauta e voz dos Focus), tem o mestre alemão como o maior dos seus heróis (continuo com o #200 da Classic Rock, Agosto 2014). Mas as referências do progger holandês estendem-se de Béla Bartók aos Earth Wind & Fire, de Miles Davis e John Coltrane aos Weather Report, entre muitos outros, sendo que na flauta jazz o ídolo é Roland Kirk: «The flute become an instrument that could be played alongside louder ones like guitar, bass and drums.» Fora da música, van Leer menciona os existencialistas Kirkegaard e Sartre (rock progressivo é outra coisa) e Marcel Marceau.
sábado, agosto 09, 2014
Steve Harley: literatura americana e Dylan
Depois de ver -- presume que miúdo -- Bogart no papel de Sam Spade, Harley interessou-se pela literatura n-americana, e Hemingway foi o seu herói (volto à Classic Rock #200, Agosto 2014). Na música, apesar de mãe cantora em big band e bisavô organista de igreja, foi Blowin' In The Wind, de Bob Dylan, que fez querer tornar-se músico. Quanto a vilões, os ABBA ficam-se pelo bubblegum pop, enquanto que Madonna, musicalmente considerada por si a drag, cometeu um delito maior: «I dislike the whole girlie sexuality she helped to develop. It spawned Miley Cyrus, which is unforgivable.»
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quinta-feira, agosto 07, 2014
da dissimulação
«e, repetia, se não dermos nas vistas, podemos passar uma vida inteira com os piores instintos, e ninguém o saberá. com a liberdade, só os cretinos mais incautos passaram a ser má gente. tudo o resto preza-se e cabe na sociedade de queixo erguido. e isso leva-nos a quê, perguntei eu.»
Valter Hugo Mãe, A Máquina de Fazer Espanhóis (2010)
quarta-feira, agosto 06, 2014
da arte como pudor
«Da sua obra não se poderá dizer, todavia, que é datada pois que dela se desprende precisamente o contrário, a insularidade e a distância de quem decidiu isolar-se para não se desperdiçar ou trair.»
Marcello Duarte Mathias, Mas É no Rosto e no Porte Altivo do Rosto (1983)
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segunda-feira, agosto 04, 2014
coração, bússola doida
«Austin acendeu outro cigarro. "Temos aqui uma anotação, na margem da página catorze, uma anotação feita a lápis", disse ele. "Diz: coração, bússola doida." "Literário", disse Mister DeLuxe, "e, além de literário, devia ser para apagar porque está escrito a lápis". Austin acenou com a cabeça. "Está a lápis", insistiu Mister DeLuxe. "É óbvio", disse Austin, sem saber bem porquê.»
Dinis Machado, O que Diz Molero (1977)
vassourada
Quando alguém com responsabilidades se comporta como qualquer um -- que foi o que se passou com alguns dos administradores do BES --, tem de haver um poder acima e com legitimidade democrática que ponha as coisas nos eixos. O que acaba de suceder é duma limpeza (uma vassourada) que eu não esperava, mas, para já, parece-me bem. Não porque tenha ódios de classe ou inveja social (nenhuma), mas pela razão de que é fundamental haver uma responsabilidade social com apertadíssimo rigor nos casos em que se lida com áreas fundamentais da sociedade. A banca tem sido um local mal frequentado de banditismo e trafulhice. O que fazemos quando os bandidos ameaçam, e os trafulhas enganam os incautos?
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domingo, agosto 03, 2014
um devaneio de meridional
«Demorou-se à janela da saleta entretanto, a observar aquele quadro de relva onde bate o sol, e deixou-se perder num devaneio de meridional, temperado por bem mais preguiça do que nostalgia.»
Mário Cláudio, As Batalhas do Caia (1995)
sábado, agosto 02, 2014
a vida como saque
«Lembro-me dele a travar o pé com a bicicleta e a olhar para trás com tal desvanecido olhar como se eu fosse parte dum saque que era para ele a vida.»
Agustina Bessa Luís, Antes do Degelo (2004)
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sexta-feira, agosto 01, 2014
...e para Tony Iommi, Django Reinhardt.
Ainda no mesmo inquérito (Classic Rock #2000, "Heroes & Villains", Agosto 2014), o guitarrista dos Black Sabbath, depois de referir Buddy Holly e os Shadows como os que mais o cativaram na juventude, alude ao acidente de trabalho que lhe levou duas falangetas da mão direita, amputação que, sendo canhoto, lhe trazia problemas acrescidos ao tocar. Então, alguém lhe falou e ofereceu um disco do soberbo Django Reinhardt, belga de etnia cigana, o grande swinger da guitarra jazz. E foi graças a essa inspiração e exemplo que temos ainda actuante (embora lutando contra doença grave) um dos maiores riffers da guitarra rock.
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um directo no futuro
«Depois de correr os taipais, olhou o cartaz encaixilhado onde Santa Camarão esboçava um upercut decisivo que era já uma recordação. Subiu a guarda, arqueou o tronco, ligeiro de pés, aplicou uma finta a duas mesas e acertou um directo no futuro.»
Álvaro Guerra, Café Central (1984)
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Santa Camarão
descobrir as diferenças
Foi o BCP, a lavar dinheiro em offshores; o BPN, puro gangsterismo, financeiro e não só; o BPP, sem pudor, a enganar clientes; agora o BES... Como hei-de classificar estes indivíduos, se não quiser ser vulgar, chamando-lhes ladrões? "Predadores", é talvez muito objectivo; "abutres"?, "vampiros"? -- demasiado literário; "escória"?, "marginais?" -- peca por rebarbativo. Acho que vou ficar-me pela vulgaridade.
Há uma coisa que me aborrece especialmente: é a falta de vergonha, a desfaçatez de alguns deles, ligados a planos de desmantelamento do estado social, como o famigerado "Compromisso Portugal" ou o grotesco "Mais sociedade", à liquidação do que nos define como sociedade minimamente decente.
São uns pimpões que abrem a boca para falar dos subsídios e dos rendimentos mínimos -- e vai-se a ver, não passam de vulgares vigaristas, homenzinhos engravatados que roubam descaradamente quem neles confiou. Se não fosse trágico para muita gente, daria vontade de rir.
No fundo, qual é a diferença entre um papa-hóstias como Jardim Gonçalves, um saloio como Oliveira e Costa, um arrivista como Rendeiro ou um "senhor" como Ricardo Salgado? Assim de repente, não estou bem a ver.
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