sábado, maio 04, 2013

um país de mortos-vivos

Picaresco e fantástico, A Torre da Barbela, de Ruben A., tem uma originalidade que lhe dá um lugar único no panorama romanesco português, tanto quanto me é dado saber. Calculo que a reacção no ano em que foi publicado (1964) deva ter oscilado entre o estranhamento e a indiferença, que é o que sucede a tudo que esteja fora dos cânones. Nem era romance psicológico à presença, nem neo-realista e muito menos procurava imitar os franceses do nouveau roman. Embora não me pareça a obra-prima que alguns nela vêem, tem o atractivo de ser iconoclasta para com o romance português da época, e é-o com humor. E o autor, recorde-se, além de escritor desalinhado do mainstream, era também historiador circunspecto, nomeadamente do século XIX, sabendo muito bem o que estava a fazer -- literária e até, digamos, politicamente.
Absolutamente marcante, portanto. O que esperar de uma catrefa de personagens de várias épocas que coexistem no mesmo espaço e interagem entre si? O guia burgesso e comerciante para turista entreter e, se possível, enrolar, situa-nos no espaço e no tempo; mas logo aparece um Menino Sancho, ser misterioso e disforme, e o lendário Cavaleiro da Barbela: «De cada túmulo, de cada sarcófago ou fosso anónimo eles iam saindo, meio estonteados pelos séculos da História»...
Leio aqui o Portugal profundo de então: um país de mortos-vivos.

2 comentários:

Paulo Cunha Porto disse...

Narrativa e não romance, Dele, a obra prima absoluta parece-me ser «O OUTRO QUE ERA EU», com todas as elasticidades do Surrealismo, sem cair na cartilha espartilhante do dito cujo.

Abraço

Ricardo António Alves disse...

Já me disseste, ó grande IC! A ver se não me escapa...

Abr.