quarta-feira, agosto 31, 2022

Gorbachev, nome de liberdade

 

Última grande figura do século passado, pegou numa União Soviética em perda após a retirada do Afeganistão, incapaz de acompanhar os Estados Unidos na chamada "guerra das estrelas", acaba por ser o homem que dá a Liberdade aos russos (e a outros povos) -- russos que transitaram do jugo do assassino apatetado Nicolau II para o dos assassinos sectários (e revolucionários profissionais) Lenine e Trostky, culminando no grande sátrapa José Estaline. Os testemunhos são às centenas; a mim, ficou-me o de Milovan Djilas, braço-direito de Tito, e depois também ele dissidente do titismo, para aquilatar do satrapismo do velho Zé dos Bigodes.

Isto para dizer que a União Soviética, com o seu gulag, a sua polícia política, a sua censura, os seus apparatchiks, e respectivos privilégios foi uma traição a qualquer ideia de emancipação humana. Poderão avançar, aqueles que julgam que somos parvos, com a justificação da constante sabotagem e guerra a que a URSS foi sujeita; está bem, mas não chamem àquilo comunismo ou socialismo.

(Obviamente que não quero com isto cantar loas ao capitalismo de putedo americano, onde tudo se compra e vende, sendo o presidente de turno o guarda-livros dos proxenetas daquele bordel.)

Gorbachev, sim, grande figura, ainda que empurrado pelas circunstâncias. Ele e Putin criticavam-se mutuamente, mas Gorbachev sabia que, mal ou bem, Putin tomara para si o desígnio de defender a sua pátria, que é o que está precisamente a fazer. Muito interessante a última entrevista de Gorbachev à BBC -- aliás, apoiou Medvedev na anexação do território russo da Crimeia. 

segunda-feira, agosto 29, 2022

sexta-feira, agosto 26, 2022

«First Trip»

Abomino a prisão de opositores políticos, mas não transformemos o Navalny em herói, como faz o imbecil do Borrell

Antigo membro do partido de um boi chamado Jirinovsky -- soube-o há pouco --, fiz uma procura rápida de ligações.  Figura mais do que duvidosa, suspeito-o um agente da CIA -- essa instituição da democracy e dos direitos humanos a que tanto deve o mundo livre. Encontro no Contacto -- jornal português sediado no Luxemburgo -- este vídeo no YouTube do próprio. O jornal diz que Navalny se refere a imigrantes muçulmanos, o que é desprezível, embora -- sem que perceba o que diz -- veja apenas imagens de islamitas; e nesse caso sou inteiramente navalnysta: ou seja, as religiões, quando saem dos templos e procuram condicionar os indivíduos, têm de ser empurradas de volta: católica, ortodoxa, islâmica, budista, hindu -- a porcaria é a mesma.
De qualquer modo, suponho que este não seja o tom que mais agrade aos defensores da democracy, dos nossos valores, a começar pela galinhola que preside à Comissão Europeia.

quinta-feira, agosto 25, 2022

101 livros na mochila imaginária - parte II: 51-101

(a continuação desta lista)*


51. Rebelo da Silva (1822-1871), Contos e Lendas (1866) - 44 anos

52. Bulhão Pato (1828-1912), Memórias (1894-1907) - 66 anos

53. João de Deus (1830-1896), Campo de Flores (1893) - 63 anos 

54. Conde de Ficalho (1837-1903), Uma Eleição Perdida (1888) - 51 anos

55. Abel Botelho (1854-1917), Amanhã (1901) - 47 anos

56. Fialho de Almeida (1857-1911), Figuras de Destaque (1923)

57. Antero de Figueiredo (1866-1953), Além (1895) - 29 anos

58. Camilo Pessanha (1867-1926), Clepsidra (1920) - 53 anos

59. Carlos Malheiro Dias (1875-1941), Em Redor de um Grande Drama (1913) - 38 anos

60. José Duro (1875-1899), Fel (1898) - 23 anos

61. Júlio Dantas (1876-1962), Nada (1896) - 20 anos

62. António Patrício (1878-1930), Pedro, o Cru (1918) - 40 anos

63. Sarah Beirão (1880-1974), Triunfo (década de 1950)

64. João de Barros (1881-1960), Algas (1900) - 19 anos

65. João Sarmento Pimentel (1888-1987), Memórias do Capitão (1963) - 75 anos

66. Reinaldo Ferreira (Repórter X) (1897-1935), Memórias de um Ex-Morfinómano (1933) - 36 anos

67. João da Silva Correia (1896-1973), Farândola (1944) - 48 anos

68. João de Araújo Correia (1899-1985), Noite de Fogo (1974) - 75 anos

69. Maria Archer (1899-1982), Ida e Volta duma Caixa de Cigarros (1938) - 39 anos

70. Fernanda de Castro (1900-1994), Cartas para Além do Tempo (1990) - 90 anos

71. João Gaspar Simões (1903-1987),  Elói ou Romance numa Cabeça (1932) - 29 anos

72. Soeiro Pereira Gomes (1909-1949), Esteiros (1941) - 32 anos

73. Castro Soromenho (1910-1968), Terra Morta (1949) - 39 anos

74. Manuel Tiago / Álvarfo Cunhal (1913-2005), Cinco Dias, Cinco Noites (1975) - 62 anos

77. Mário Dionísio (1916-1993), Terceira Idade (1982) - 66 anos

75. António José Saraiva (1917-1993), Maio e a Crise da Civilização Burguesa (1970) - 53 anos

76. Romeu Correia (1917-1996) , Calamento (1950) - 33 anos

77. Bernardo Santareno (1920-1980), O Pecado de João Agonia (1961) - 41 anos

78. Antunes da Silva (1921-1997), Suão (1960) - 39 anos

79. Carlos de Oliveira (1921-1981), Trabalho Poético (1976) - 55 anos

80. Francisco José Tenreiro (1921-1963), Ilha de Nome Santo (1942) - 21 anos

81. Agustina Bessa Luís (1922-2019), A Sibila (1954) - 32 anos

82. Eduardo Lourenço (1923-2020), O Labirinto da Saudade (1978) - 55 anos

83. Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013), Roteiro de Emergência (1966) - 43 anos

84. Alexandre O'Neill (1924-1996), No Reino da Dinamarca (1958) - 34 anos

85. José Cardoso Pires (1925-1998), Balada da Praia dos Cães (1982) - 57 anos

86. Jorge Reis (1926-2006), A Memória Resguardada (1990) - 64 anos

87. Luís de Sttau Monteiro (1926-1993), Angústia para o Jantar (1961) - 35 anos

88. António Alçada Baptista (1927-2008), Uma Vida Melhor (1984) - 57 anos

89. David Mourão-Ferreira (1927-1996), Um Amor Feliz (1986) - 59 anos

90. Alberto de Lacerda (1928-2007), Oferenda I (1984) - 56 anos

91. Herberto Helder (1930-2015), Ou o Poema Contínuo (2001) - 71 anos

92. Mário António (1934-1989), Amor (1960) - 26 anos

93. Pedro Tamen (1934-2021), Guião de Caronte (1997) - 63 anos

94. Álvaro Guerra (1936-2002), Café República (1982) - 46 anos

95. Artur Portela Filho (1937-2020), A Funda (1972-1977) - 35 anos

96. Fernando Assis Pacheco (1937-1995), Respiração Assistida (2003)

97. Armando Silva Carvalho (1938-2017),  Alexandre Bissexto (1983) - 46 anos

98. Vasco Pulido Valente (1941-2020), Às Avessas (1990)-- 49 anos

99. Eduardo Guerra Carneiro (1942-2004), A Noiva das Astúrias (2001) - 59 anos

100. José Bação Leal (1942-1965), Poesias e Cartas (1971)

101. Vasco Graça Moura (1942-2014) , Laocoonte -- Rimas Várias, Andamentos Graves (2005) - 63 anos


* Enquanto que a primeira metade é provavelmente definitiva, ou próximo disso, esta não é tal: faltam-lhe autores importantes, que ainda não li, ou não li o suficiente para que possam aqui figurar. Enquanto que na primeira, os escritores são mesmo aqueles, sem tirar nem pôr, e os livros sofreriam poucas alterações se daqui a uns anos a revisse, a mesma segurança não a tenho quanto a esta outra metade, 

quarta-feira, agosto 24, 2022

ucranianas (em férias) CXVIII

1. Parvoíces a propósito da Crimeia. Uma Crimeia ucraniana é uma ficção que a Rússia teve de suportar no tempo da União Soviética, com o camarada Kruschev, tal como depois, com o camarada Ieltsin. O camarada Putin fartou-se. Que maçada para a Ucrânia e para o Ocidente. Podem sempre declarar guerra à Rússia, sandice que alguns andam desejosos se concretize (têm cara de estúpidos, pensam como estúpidos, são mesmo estúpidos). A conversa do Zelensky a propósito da Ucrânia é patética, e só não suscita gargalhadas porque tudo isto é trágico, pelo sofrimento humano e pela pulhice dos vários interventores. Uma Crimeia ucraniana não é só má ficção, é uma anedota mal contada, o que é sempre terrível

2. Portugal lá esteve representado nesta plataforma, como tinha de estar, infelizmente. E com a ministra a dizer inanidades, pelo que ouvi no carro. Continuamos com o argumento analfabeto da invasão injustificada?... Eu sei que a ministra é doutorada em questões de género nas Forças Armadas -- sem ironia, um tema importante, ao nível de uma secretaria de Estado; mas vir para um fórum repetir as baboseiras que os Estados Unidos e a Inglaterra mandam dizer, mostrando que não percebe ou faz de conta que não percebe nada de geopolítica, é desnecessário. Chegava lá, dizia que já tínhamos ajudado muito e continuaríamos a ajudar, e pronto. Ou então temos medo de levar mais um puxão de orelhas do Zelensky. E também sei que os governos enganam os cidadãos.

3. Quanto ao atentado em Moscovo. É trabalho de serviços secretos. Qual deles? Não faço ideia e estou-me nas tintas (para além de lamentar a morte, etc. e tal), mas é giro de analisar a quem pode servir uma acção destas, o que não farei, pois estaria apenas a palpitar. E de palpiteiros está esta guerra cheia.

quinta-feira, agosto 18, 2022

quadrinhos


Edgar P. Jacobs, O Mistério da Grande Pirâmide

 

quarta-feira, agosto 17, 2022

101 livros na mochila imaginária (sécs. XIX-XX), escritores que me alegram a existência - os primeiros 50

 Os que escrevem com as vísceras, como qualquer verdadeiro escritor.

Os que trabalham o idioma.

Os mortos, pois as baixezas que tenham cometido são já do outro mundo. (Uma excepção nesta lista.)

Os bravos, os que tomaram posição, fosse ela qual fosse.

 Os que me dão prazer, emocionam e divertem.

São alguns, só em língua portuguesa, um título para cada autor -- e só portugueses porque calhou.

Num próximo post, direi mais qualquer coisa; daqui a uns dias, mais 51 (chama-se a isto estar de férias).


1.      Almeida Garrett (1799-1854), Frei Luís de Sousa (1844) - 45 anos

2.      Alexandre Herculano (1810-1877), Eurico o Presbítero (1844) - 34 anos

3.  Camilo Castelo Branco (1825-1890), Amor de Perdição (1862) - 37 anos

4. Ramalho Ortigão (1836-1915), Rei D. Carlos, o Martirizado (1908) - 72 anos

5.  Júlio Dinis (1839-1871), A Morgadinha dos Canaviais (1868) - 29 anos

6.  Antero de Quental (1842-1891), Bom Senso e Bom Gosto (1866) - 22 anos

7 .  Eça de Queirós (1845-1900), A Cidade e as Serras (1901)

8.   Cesário Verde (1855-1886), O Livro de Cesário Verde (1887)

9.  M. Teixeira-Gomes (1860-1941), Agosto Azul (1904) - 44 anos

10.  António Nobre (1867-1900), (1892) - 25 anos

11.  Raul Brandão (1867-1930), Húmus (1917) - 50 anos

12.  Manuel Laranjeira (1877-1912),  Cartas (1943)

13.  Manuel Ribeiro (1878-1941), A Catedral (1920) - 42 anos

14.  Jaime Cortesão (1884-1960), Memórias da Grande Guerra (1919) - 35 anos

15.  Aquilino Ribeiro (1885-1963), Andam Faunos pelos Bosques (1926) - 37 anos

16.  Fernando Pessoa (1888-1935), Livro do Desassossego (1982)

17.  Fidelino de Figueiredo (1888-1967), Um Coleccionador de Angústias (1951) - 63 anos

18. Assis Esperança (1892-1975) - Servidão (1946) - 54 anos

19.  José de Almada Negreiros (1893-1970), A Cena do Ódio (1915) - 22 anos

20.  Ferreira de Castro (1898-1974), Emigrantes (1928) - 30 anos. 

21.  Francisco Costa (1900-1988), Última Colheita (1987) - 87 anos

22.  José Rodrigues Miguéis (1901-1980), Gente da Terceira Classe (1962) - 61 anos

23.  Vitorino Nemésio (1901-1988), Mau Tempo no Canal (1944) - 43 anos

24.  José Régio (1901-1969), Páginas de Doutrina e Crítica da «presença» (1977)

25.  João Pedro de Andrade (1902-1974), A Hora Secreta (1942) - 40 anos

26.  Saul Dias (1902-1983), Obra Poética (1980) - 78 anos

27.  Tomás de Figueiredo (1902-1970), A Toca do Lobo (1947) - 45 anos

28.  Armindo Rodrigues (1904-1983), Voz Arremessada ao Caminho (1943) - 39 anos

29.  Branquinho da Fonseca (1905-1974), O Barão (1942) - 37 anos

30.  António Gedeão / Rómulo de Carvalho (1906-1997), Poemas Póstumos (1983) - 77 anos

31.  Fernando Lopes-Graça (1906-1994), A Caça aos Coelhos (1940) - 34 anos

32.  Alberto de Serpa (1906-1992), Drama -- Poemas da Paz e da Guerra (1940) - 34 anos

33.  Carlos Queirós (1907-1949), Desaparecido (1935) - 28 anos

34.  Miguel Torga (1907-1995), Bichos (1940) - 33 anos

35.  Joaquim Paço d’Arcos (1908-1979), Ana Paula (1938) - 30 anos

36.  Manuel da Fonseca (1911-1993), Cerromaior (1943) - 32 anos

37.  Alves Redol (1911-1969), Barranco de Cegos (1961) - 50 anos

38. Políbio Gomes dos Santos (1911-1939), A Voz que Escuta (1944)

39.  José Marmelo e Silva (1911-1991), Sedução (1937) - 26 anos

40.  Vergílio Ferreira (1916-1996), Para Sempre (1983) - 67 anos

41.  Manuel Ferreira (1917-1992), Hora di Bai (1962) - 45 anos

42. Fernando Namora (1919-1989), Retalhos da Vida de um Médico (1949) - 30 anos

43.  Jorge de Sena (1919-1978), O Indesejado (António, Rei) (1951) - 32 anos

44. Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), Contos Exemplares (1962) - 43 anos

45.   Ruben A. (1920-1975), O Mundo à Minha Procura (1964-66-68) - 44 anos

46.   José Saramago (1922-2010), O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984) - 62 anos

47.   Dinis Machado (1930-2008), O que Diz Molero (1977) - 47 anos

48.    Rui Knopfli (1932-1997), Mangas Verdes com Sal (1969) - 37 anos

49.   Ruy Belo (1933-1978), Homem de Palavra[s] (1969) - 36 anos

50.   Maria Isabel Barreno (1939-2016), Maria Teresa Horta (1937),  Maria Velho da Costa (1938-2020), Novas Cartas Portuguesas (1972) - 33, 35 e 34 anos


em tempo: (17/VIII): 

prevalência evidente do romance e da poesia;

curiosidade: o autor mais velho à época de edição, Francisco Costa, 87 anos, esteve para ser o mais novo, com vinte, uma vez que hesitei entre o livro de estreia, o magnífico (1920), e o último.

domingo, agosto 14, 2022

quadrinhos


Hergé, auto-caricatura
a propósito disto

 

sábado, agosto 13, 2022

a arte de começar

 «Um estrondo ouve-se do lado de lá. Uma bomba. Mina antipessoal. Deve ser a guerra a regressar outra vez.»

Paulina Chiziane (n. 1955), Niketche --Uma História de Poligamia (2002)

o atentado a Salman Rushdie

 só mostra o que todos sabíamos: uma vez lançado o anátema, a sanção que o acompanha só se esvai com a morte, o que significa que, se escapar desta, a sua vida continuará a correr perigo. 

Religiões à solta só conhecem a linguagem da força, triste facto. Infelizmente, isto já não vai lá invertendo as políticas de direita, como dizem alguns. Mas como deter largos milhares de fanatizados e as suas armas brancas ou veículos tornados máquinas de morte? 

Como já não estamos no tempo do Pombal, que mandava executar quem lhe fizesse frente e ameaçava o papa; nem no do Joaquim António de Aguiar, o liberal "Mata Frades"; nem se admite agora o achincalho da República, ou o que o Zé Estaline fez na União Soviética, transformando igrejas em garagens (um homem prático) ou, ainda, o controlo férreo das confissões como se processa na China -- como lidar com estes selvagens? Dialogar sobre quê, se há com eles uma raiva e um sentimento de humilhação que se lhes cola à pele e ao nome, e que sublimam com estes actos irracionais, consequência de um profundo mal estar existencial?  Ainda por cima camuflados no seio de uma comunidade ela própria dividida em face destas acções? Como se lida com isto? Rebentar com Israel? Não me parece exequível, nem desejável. Mostrar (ao menos) equidistância na questão palestiniana? E o resto?... Nós por cá ainda vamos indo; franceses, belgas, alemães, etc. estão metidos num molho de bróculos. 

sexta-feira, agosto 12, 2022

A CATEDRAL, de Manuel Ribeiro (cap. XIII)

 continuar: «Os trabalhos decorriam lentos.» Início do cap. XIII, p. 225 da minha edição.

Um outro diálogo se trava agora, entre Luciano e o cónego Fulgêncio, descrito como «um padre octogenário, alto, macilento, de uma magreza de asceta, que se arrastava penosamente encostado a uma bengala.» Colóquio bastante mais interessante do que o ocorrido entre monsenhor Santana e Maria Helena, eivado de preconceitos de casta e sentido das conveniências. Não, o cónego Fulgêncio é outra fruta, embora partilhe com o monsenhor a mesma reserva quanto à fé ou ausência dela relativamente a Luciano, indo até onde a este mais dói -- o fundamento do trabalho de restauro da Sé de Lisboa, a que se entregara. Personagem interessantíssima, o cónego Fulgêncio tem o atractivo de juntar a rezinguice e um entendimento apertado da religião a uma benevolência que acaba por tornar a reprimenda quase doce, mesmo que qualificando como sacrílego o trabalho desenvolvido pelo arquitecto:

«-- Mas a Arte / -- A Arte, o quê? / Pois não será a Arte capaz de restituir a vida à velha Sé, sr. cónego Fulgêncio? / -- Que vida queres tu dar-lhe, grande tonto? Fosses embora capaz -- que não és -- de repô-la na primitiva, de a consertares toda, pedra por pedra, do portal até à ábside, do pavimento até às torres, supões tu que lhe davas vida? Cuidas que a reanimavas? Bem sei que queres à catedral, bem sei que te comove esta ruína. [...] Tu és sincero, amas esta igreja; mas na realidade, o que te entristece não é a ruína do seu prestígio, é a lepra das suas paredes. O que te dói não é a alma que se extingue, é a necrose das pedras. O que te interessa, o que te preocupa é apenas a forma, o involucro estético duma alma que desconheces. [...] Ora com que alma queres tu trabalhar aqui? Sim, com que ideal te propões tu, mais os teus operários ímpios, reanimar a velha igreja que a fé doutrora ergueu ao céu?»

(continua) 


quinta-feira, agosto 11, 2022

ouvir o Roger Waters chamar nomes aos bois a propósito da guerra na Ucrânia até lava a alma (ucranianas CXVII)


P.S: só é pena, no, fim, a historieta com o Bill Clinton, o maior bandalho que passou pelas Casa Branca, Nixon e Trump incluídos.

P.S 2: Visto num blogue respeitável, com uma visão oposta à  minha

terça-feira, agosto 09, 2022

«Leitor de BD»

 


Nevada 1- A Estrela Solitária,
por Fred Duval, Jean-Pierre Pécaud e Colin Wilson

A CATEDRAL, de Manuel Ribeiro (1920) cap. XII

Continuar: «Este episódio da capela do Sacramento marcara nova fase na paixão de Maria Helena.» (p. 213 da minha edição)

Um capítulo que se resume ao colóquio entre condessinha e o preceptor, monsenhor Santana, que expende os argumentos não apenas do desnível de posição social -- a impossível ligação entre uma representante da grande nobreza e um vulgar artista, de nascimento ilegítimo --, a que acresce a desconfiança perante uma suposta devoção de Luciano, nada canónica: «Não se iluda, Maria Helena. A paixão desse rapaz pela Igreja não é a nossa sólida e tranquila fé católica; é uma exaltação doentia da sensibilidade, quando muito veleidade artística em que a religião só entra como factor decorativo. Um desequilibrado, afinal, é que ele é! Pois que há-de chamar-se a uma criatura que vive na igreja e não pratica, que reza o ofício e não comunga Deus?»

segunda-feira, agosto 08, 2022

Jô Soares


Basta um dia em férias sem comprar o jornal, sem televisão e o rádio no carro não ter tempo para debitar as notícias do dia (as deslocações são breves), para uma notícia como a morte do Jô Soares chegar com atraso. Com ele gargalhei e me diverti, quando apareceu por cá com um humor inteligente, em finais dos anos setenta. Humor inteligente era o que não havia então por cá, com o grade Raul Solnado -- grande e inimitável --, por outras paragens, o Brasil, se não erro. O resto era revistice mais ou menos requentada, mais ou menos ordinária,


domingo, agosto 07, 2022

Ana Luísa Amaral

 


Esplêndida poeta, de longe do melhor que tínhamos e temos.
(Ouvi-la na Antena 2, com Luís Caetano, a falar de poesia, era encantador)

«Foi isto ontem à noite, / este esplendor no escuro e antes de dormir» 
Ana Luísa Amaral, «Das mais puras memórias: ou de lumes», Escuro (2014)

sexta-feira, agosto 05, 2022

quinta-feira, agosto 04, 2022

«Wasted Genius»

«Leitor de BD»



Matthieu Bonhomme, Procura-se Lucky Luke

 aqui

caracteres móveis

 «-- "Pois a vida é cá isto que vê. Boazinha, hein? Entretanto, boa ou má, temos, os faroleiros, um orgulho: sem nós, essa bicharada de ferro que passeia nas aguas fumando seus dois, seus tres charutos...»

Monteiro Lobato, «Os faroleiros», Urupês (1919)

quarta-feira, agosto 03, 2022

terça-feira, agosto 02, 2022

pensava que a Pelosi, nome de estafermo, iria aterrar em Lhassa -- como és bela, democracy

 1. Pelos vistos, a integridade territorial é só para a Ucrânia. A Formosa (nome que os portugueses lhe deram no tempo dos Descobrimentos, com maiúscula) é uma província rebelde que reivindica para si o estatuto de governo legítimo, de acordo com o Kuomintang. 

2. Então e a democracy? Ah, a democracy... O Tibete ocupado ilegalmente, não? Pois não, não interessam os tibetanos como não interessam os curdos, etc.. Como és belo, Mundo Livre, com os teus bons sentimentos e grande palavras, enquanto nos vais fodendo a todos, hoje com o duche de água fria, amanhã com o inverno nuclear. 

3. Ah e o Kosovo, esse pseudo-país temporariamente roubado à Sérvia, e mesmo assim sem conseguir assegurar a soberania integral. A Nato já disse que está atenta, parece. Uma aliança defensiva. E se a Rússia desse garantias à Sérvia, como o primata do Boris Johnson fez à Finlândia e à Suécia? Seria giro. 

segunda-feira, agosto 01, 2022

«One Minute You're Here»

alucinações televisivas: a tudóloga, o sonso e a cabeça do major-general (ucranianas CXVI)

1. Inês Pedrosa, escritora e tudóloga, afirmou que a Nato já deveria ter intervindo na Ucrânia, nem se lembrando ou querendo saber que a aliança é alegadamente defensiva, e que por isso nunca haveria uma base jurídica -- que aqui entre nós não é para as grande potências: os russos não quiseram saber do Direito Internacional, quando se sentiram ameaçados na Ucrânia, nem os Estados Unidos, quando pretenderam pilhar o Iraque. Mas o descabelo é tal que passa por cima de uma mais que evidente III Guerra Mundial, como observou Raquel Varela, e bem, sendo que, para Pedrosa já lá estamos. Não percebe nada. Se estivéssemos já em III Guerra Mundial, ela não estaria ali sentada no estúdio a dizer asneiras.

2. Com a RTP, Vítor Gonçalves agraciou-nos com uma entrevista à conhecida jornalista Anne Applebaum, apresentada também como "historiadora". Nem para jornalista serve, quanto mais historiadora. O pretexto era o Holodomor, mas o propósito era fazer a identificação de Putin com Stálin, debitando toda a propaganda pentagonal. Ouvi dizer que a RTP anda à rasca de dinheiro, e vais gastar tempo e a minha paciência com merdas destas? Foda-se. Parecia a Cândida Pinto quando foi enviada da estação no início da guerra: estar lá ou estar em Lisboa seria a mesma coisa, pois também ela debitava vastamente a propaganda preparada pelo Pentágono para os seus bonecos. Ser jornalista não é isto, nem nada que se pareça. E um pormenor: Gonçalves, na introdução, referiu-se a Stálin como sendo russo, e não georgiano. Uma leitura benévola, alivitraria que o homem se enganou e terá querido dizer "soviético", mas eu não acredito, a minha benevolência já se esgotou há muito.

3. Cereja no topo do bolo: o major-general Arnaut Moreira, que sempre fez suas as palavras da propaganda, afirmou -- na sua "humilde opinião": se a Rússia não for travada na Ucrânia, "atenção ao Báltico!" Ora o major-general sabe que um ataque a um país da Nato será um ataque a todos, satisfazendo-se assim a vontade da tudóloga Inês Pedrosa. Mas ao contrário desta, o major-general até pesca disto, por isso assalta-me a pergunta: onde estava a cabeça do major-general?