sábado, setembro 29, 2018

os amores inúteis #22

O grisalho nos teus cabelos loiros.

12 sinfonias: 3. Beethoven, SINFONIA #1 (1800) - II. Andante cantabile con moto

por falar em parolos

O conhecido Carrilho veio a terreiro aos gritinhos, a propósito do caso Mapplethorpe. Com desassombrada parvoíce -- "Serralves em perigo?"-- fala duma "visão parola e censória da arte". 

Sobre a questão da censura, não vale a pena perder mais tempo (aqui post e comentários); sobre a parolice, tem graça, vindo de um parolo que andou a negociar com a imprensa a reportagem fotográfica do seu casamento com uma apresentadora de televisão. O Carrilho porém é tão parolo que não se exime em pôr-se em biquinhos de pés, lembrando, linha sim linha não, o seu papel ministerial. Reconheço, com pena, que ele foi um muito bom ministro da Cultura, mesmo que em tempo de vacas obesas, o que também, sublinhe-se, nunca fez de si alguém especialmente potável.

Ainda a propósito de parolos, o último número de circo do cansativo Rui Moreira, aproveitando-se do caso. Bem fez Braga da Cruz, que é um tipo sólido e pouco impressionável e mandou Moreira dar sangue, não lhe aparando a politiquice. Eu percebo Rui Moreira: para ele é o prestígio internacional, que receia seja afectado, "a propósito da exposição do artista Robert Mapplethorpe".    O artista Robert Mapplethorpe... Faz-me lembrar uns indigentes a quem deram certa vez responsabilidade editorial. Um dia tiveram de legendar uma fotografia do Saramago, que ficou assim: "Escritor José Saramago" -- não fosse alguém pensar que o homem seria sapateiro.

Já agora: Pacheco Pereira pediu na "Quadratura do Círculo" que lhe fizessem uma entrevista sobre o caso, pois estava com "vontade de partir a loiça toda". Avisem-me quando isso acontecer.

sexta-feira, setembro 28, 2018

lido


os amores inúteis #21


O loiro dos teus cabelos grisalhos.
«A boa da mulher aborrecia-o com os desvelos excessivos e as reiteradas intercessões duma simpleza permeável a todas as lástimas, além de que trescalava ao fartum da carneirada, pois lhe dera essa manhã para desensurrar a lã, e berrou-lhe em tom de enxota-cães:» Aquilino Ribeiro, Volfrâmio (1943)

«E agora que os anos confundem a ordem e o rigor das emoções dessa viagem para Lisboa, o difícil é reconstituir os nomes, o perfil, a sombra dessas formas escuras, que eram os barcos de então.» João de Melo, Gente Feliz com Lágrimas (1988)

«O apito do navio era como um lamento e cortou o crepúsculo que cobria a cidade.» Jorge Amado, Terras do Sem Fim (1943)

quinta-feira, setembro 27, 2018

estampa CCCXXXII - Katsushika Hokusai


O Sonho da Mulher do Pescador

os amores inúteis #20


O leite "Vigor", de Odrinhas.

criadores & criaturas

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Jack Kirby, Stan Lee e o Quarteto Fantástico

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quarta-feira, setembro 26, 2018

um serviço educativo para o fisting

Dizer que houve censura das fotografias do Mapplethorpe em Serralves, significa que não sabe o que é (e foi) a censura. Depois, condicionamentos de admissão a menores de dezoito anos, estão consagrados pela lei e pelo estado de direito, sem que ocorra a alguém vir esgrimir o argumento estafado, estafado.
Creio haver também um equívoco sobre a interpretação das restrições. Não se trata de pornografia, obviamente, mas, nalguns casos, de imagens bastante violentas. E se nem todas as imagens de sexo explícito são pornográficas, como toda a gente deveria saber, nem  tudo o que está classificado para maiores de dezoito anos tem que ver forçòsamente com pornografia, idem-aspas.
Mas talvez seja avisado haver alguma prevenção quando se expõem imagens de meio braço enfiado num ânus ou um tipo a urinar para a boca de outro. Além disso haverá, quem tenha preconceitos, haverá quem seja conservador, haverá quem seja moralista -- e com todo o direito a sê-lo; haverá ainda quem não tenha preconceitos nem seja moralista, mas considere (pobres retrógrados, coitados) que para crianças de dez anos (ou de oito, ou de treze) aquelas e outras imagens não sejam pròpriamente aconselháveis, como fàcilmente se perceberá. As razões atendíveis para condicionar o acesso são várias, o que deveria ter sido, aliás, previsto pelos vários intervenientes da coisa, poupando-nos à patetice da semana, que parece querer chegar ao Parlamento.
Claro que há imensos argumentos que podem aduzir-se, contra a imposição de uma idade mínima de visionamento de uma parte da exposição: desde o cínico 'ninguém é obrigado a ir' à monumental má-fé intelectual de Pedro Lapa: "hoje é por causa do sexo, amanhã é por causa da raça" -- sem perceber, ou não querendo perceber, que o silogismo se pode aplicar, por exemplo, à pedofilia, que há cem anos se mostrava alegremente por todos os salões de arte, e hoje seria o cabo dos trabalhos para o fazer -- mesmo com estas prevenções que alguns agora classificam como censórias. (Lembra-se, aliás benèvolamente,  da não existência de raças humanas. Todos percebemos o que ele quis dizer, mas rigor, que diabo!, rigor nas palavras.)
Censura? Nem por isso, apenas uma histeria grotesca de activismo kitsch e excitação de umas cabecinhas com uma razoável massa de esterco encefálico.


Fotos aqui, serviço público.


P.S. - Para quem tiver paciência, remeto para a leitura dum velho post de 2007, exactamente sobre este tema, mas então a propósito do Tintin no Congo (o debate também tem graça). A minha perspectiva era a mesma, o que não invalida a grande admiração pela obra do Hergé...

os amores inúteis #19


O Kropotkin anarquista geógrafo príncipe revolucionário encarcerado evadido.

terça-feira, setembro 25, 2018

50 discos: 38. PETER GABRIEL (1980) - #6 «And Through The Wire»



os amores inúteis #18

O humor rugoso do Goscinny, aparentemente para todos.
«Aqui ressoam os atabaques, os berimbaus, os ganzás, os agogôs, os pandeiros, os adufes, os caxixis, as cabaças: os instrumentos pobres tão ricos de ritmo e melodia.» Jorge Amado, Tenda dos Milagres (1969)

«Saí para o mundo convicto da vitória e regressei, cabisbaixo, com o fardo do meu fracasso.» Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2015)

«Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de quando vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há-de fazer crónica.» Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra (1846)

segunda-feira, setembro 24, 2018

sábado, setembro 22, 2018

«A pasta dos desenhos a mesa de uma única gaveta / cartas cordéis rasgadas fotografias.» João Miguel Fernandes Jorge, O Regresso dos Remadores (1982)

«Dentro de mim é Som: o eco longo / de uma nota sem fim e sem começo.» Sebastião da Gama, «Harpa», Serra-Mãe (1942)

«O poema nasce da atenção / ao esplendor / das ínfimas coisas: a porta / branca, um cântaro vermelho / a luz excessiva do estio.» Fernando Jorge Fabião, Nascente da Sede (2000)

os amores inúteis #16

O esgar do pirata Barba Ruiva a bordo do 'Falcão Negro'.

12 sinfonias: 7. Brahms, SINFONIA #1 (1876) - II Andante sostenuto

«Vivo na maré»

sexta-feira, setembro 21, 2018

baixa cozinha

Acabou, por agora, a chicanice da direita sem vergonha em torno da Procuradoria-Geral da República, excepto para Passos, que deus tem, num textículo que por aí circula, que não li nem torno a ler, assestando a mira em Rui Rio, que a gente não somos parvas. Entretanto, um zero à esquerda fala de 'pacóvios suburbanos', ou Rio a limpar PSD de atrasos de vida -- missão impossível.

Não quero ver Joana Amaral Dias vestida, e muito menos nua.

A extraordinária cacetada do reitor Cruz Serra numa medida tão demagógica quanto imbecil, a de diminuir o número de vagas nas universidades de Lisboa e Porto, para favorecer não sei bem o quê, se o interior, se a província. Os resultados estão à vista: as 1066 vagas a menos, originaram apenas 98 no resto do país. As famílias dos alunos que se vejam forçadas a mandar os filhos estudar para longe, que se lixem, como sucede[ia?] com as do Infarmed, em jogada igualmente miserável. Por isso, quando o PS manda afixar dispendiosos outdoors que alardeiam qualquer frase feita de propaganda básica como "as pessoas em primeiro" ou lá o que é, a vontade que dá é esfregar-lhos na tromba, metaforicamente, é claro.

o sapo Zé Manel

de Joana Quental para A Menina Gotinha de Água (1962), de Papiniano Carlos
(Campo das Letras, Porto, 2002)

os amores inúteis #15


O desenlace inesgotável da quinta de Tchaikovsky.
«A guerra era sempre lembrada: na escola e em casa, nos casamentos e nos baptismos, nas festas e nos almoços fúnebres.» Svetlana Alexievich, A Guerra não Tem Rosto de Mulher (1985) (trad.Galina Mitrakhovich)

«Estou só na noite.» Geneviève de Gaulle Anthonioz, A Travessia da Noite (1998) (trad. Artur Lopes Cardoso)

«Eu era um produto da era vitoriana quando os alicerces do nosso país pareciam firmemente assentes, quando a sua situação no comércio e nos mares não tinha rival e quando se consolidava, todos os dias, a grandeza do nosso Império e se afirmava o dever de a salvaguardar.» Winston Churchill, Memórias da Minha Juventude (1930) (trad. Leopoldo Nunes)

os amores inúteis #14

O delírio do Sir John Tenniel no País das Maravilhas.

quinta-feira, setembro 20, 2018

lido


Egas e Becas: é pena, pá, mas são só melhores amigos

O Egas e o Becas (e o Cocas, o Monstro das Bolachas, o Conde de Kontarr, etc., etc.) ainda chegaram a tempo de preencher o meu imaginário infantil. A «Rua Sésamo» deve ter-se estreado na RTP aí por 1976, andava eu entre os onze e os doze anos.
Nessa altura, no tempo do "Ciclo Preparatório" (!), fazíamos um jornal na escola, o Vikings, dinamizado pelo mais inteligente dos meus colegas -- ou o mais divertido dos meus colegas inteligentes, o João Carlos Seguro Seco (há décadas que não o vejo). Nesse jornalinho, de que saíram vários números (perdi-os todos num incêndio), as personagens da «Rua Sésamo» eram omnipresentes, pois trata-se talvez da mais genial série pedagógica para a infância que alguma vez foi produzida.
Nunca me apercebera de que se tratava de um casal gay , nem eu nem nenhum dos meus amigos. E nunca nos apercebemos porque, em linguajar tecno-burocrático, 'não se aplica'.
Como qualquer rafeiro ordinário, a imprensa generalista pouco séria abanou a cauda, salivou e gozou o vómito da aldrabice.  Este tal Mark Saltzman, de quem nunca ouvira falar, é apresentado como o criador das personagens, quando toda a gente sabe que quem criou todo o universo da «Sesame Street» e do Muppet Show»  foram o glorioso Jim Henson e Frank Oz. Saltzman foi um dos argumentistas. Eu até admito que o homem tenha respondido honestamente à pergunta, dizendo inspirar-se na sua vivência doméstica com o companheiro para a escrita das deliciosas trapalhadas e quiproquós da dupla, e que a revista de gay lifestyle, tenha extrapolado, e a partir a pasquinada global tenha começado a ladrar -- dou sempre o benefício da dúvida a criaturas que não conheço de ginjeira, o que por vezes me causa amargos de boca, mas já estou velho para mudar.
No entanto, com assombroso bom senso, para os tempos que correm (gosto destas tiradas conservativas, e conversativas também) a Sesame Workshop já veio pôr os pontos nos is -- são bonecos, não têm orientação sexual..., e mais importante, um dos verdadeiros criadores, Frank Oz, não só desmente, como se questiona, de modo gentil e inteligente, sobre o interesse da  questão.
 Os comics underground, da revista Mad para baixo (e já nem falo das tijuana bibles) sempre brincaram com as identidades sexuais das personagens de BD,  a começar pela parelha Batman & Robin enquanto casal homossexual, um clássico. Mas estamos no domínio da 9.ª Arte. Isto é outra coisa, particularmente estúpida e obviamente dolosa, que de artístico não tem nada -- mas felizmente um fogacho de cabeça de fósforo, que já nem deita fumo nem cheiro. 

estampa CCCXXXI - Christian Albert Jensen


Retrato de Hans Christian Andersen - 1836

quarta-feira, setembro 19, 2018

os amores inúteis #13


O Badalo Benzo, personagem criada pelo meu filho António.

terça-feira, setembro 18, 2018

estampa CCCXXX - János Vaszary


Mulher Sentada (1925)

os amores inúteis #12

O adagietto da 5.ª sinfonia do Thomas Mann -- perdão, do Gustav Mahler.

segunda-feira, setembro 17, 2018

um ajustamento e um acrescento lateral ao meu post e comentários sobre o caso Serena Williams

Mantendo a posição de princípio que aqui expus, gostaria de acrescentar o seguinte: A circunstância de ter uma bisavó brasileira mulata (logo, descendente de escravos), a avó Ida, sempre me divertiu e não perco ocasião para a propalar. Ainda ontem ao jantar, o meu pai, que já conta 87, me falava das suas bisavós, que ainda teve a sorte de conhecer, o que na sua geração não era comum. A uma, os bisnetos, todos miúdos, chamavam 'Avó Velha' (distinguindo-a, portanto da avó (mais) nova; quanto à outra bisavó, o meu pai, os irmãos e os primos recorriam dois nicks: ou 'Avó Pequenina', distinguindo-a da filha, que era muito alta, ou então 'Avó Preta' (viva a santa inocência das crianças!).


Este parágrafo memorialístico para significar que embora os traços genéticos dessas minhas boas antepassadas pouco se tenham manifestado visivelmente em mim, a não ser no cabelo encaracolado (o meu pai tem a pele claríssima e olhos azuis da mãe), e portanto nunca ter experimentado qualquer tipo de discriminação, sempre tive uma sensibilidade especial para essas questões, que, no entanto (convém esclarecer) não advém desse meu património histórico pessoal bastante acarinhado por mim, mas de uma consciência ética ao nível do mais básico senso-comum, em primeiro lugar, e depois pelo facto singelo da inexistência actual de raças humanas -- e digo actual, porque já existiu, de facto, uma outra raça de homem, morfologicamente diferente, o célebre Homem de Neanderthal, que, no entanto, permanece nos nossos genes (parece que em quantidades ínfimas, mas variáveis de indivíduo para indivíduo), por cruzamento com o Sapiens Sapiens, vingando estes e extinguindo-se os outros, menos adaptados aos desafios do meio envolvente. Além disso, sempre olhei para um racista no nosso tempo como um pobre diabo e atrasado mental, portanto sem categoria de cidade (já a xenofobia é um perigoso compósito de medo e pulhice egoísta).

Pondo-me na pele de um negro das Américas -- em princípio, menos difícil para mim do que para a loiríssima e parece que sacerdotiza J. K. Rowling, rapariga da minha idade --, concedo, compreendo e aceito que possa haver alguma amargura, atendendo aos terríveis antecedentes da escravatura. Mas também sei que qualquer homem ou mulher negros com discernimento e sem estarem gafados do tifo activista, estabelecem todas as diferenças entre um cartoon sobre uma protagonista global que se portou objectivamente mal e um propósito racista do cartoonista, embora também aceite que a forma como a oponente está representada, que na altura não valorizei, possa ser dúbia, e originar outra interpretação, embora, quanto a mim, já um pouco forçada

No entanto, trata-se sempre de questões -- quer a descriminação quer a liberdade --, demasiado importantes para que os tontinhos dos activismos vários fiquem sem contraditório.

(Ainda para o lado da Serena: no ténis, sou do Benfica, ou seja: não percebo nada da modalidade, nem quero perceber. Aliás, nunca pratiquei desporto, que é coisa que me aborrece. Mas se é verdade o que dizem sobre a existência de sexismo no ténis, então a fúria dela poderia ter razão de ser -- se o árbito não estivesse certo, como dizem que esteve --, o que não invalida, antes pelo contrário, a pertinência e o valor do cartoon do australiano Mark Knight.)



50 discos: 45 TUG OF WAR (1982) - #6 «Ballroom Dancing»



os amores inúteis #11


Todos os anarquistas
a) coerentes
b) sinceros
c) verdadeiros
(riscar o que não interessa)

sábado, setembro 15, 2018

os amores inúteis #9

Os ângulos da escultura do António Duarte.

12 sinfonias. 10. Mahler, SINFONIA #1 (1889) -- II Scherzo, Kraeftig bewegt

«Ao longo das madrugadas um frémito de frescura vem fundir-se com a seca quietação da terra e agitar levemente a superfície parada das águas represadas. » Orlando da Costa, O Signo da Ira (1960)

«Mas nós tolerávamos a sua displicência, o condado de Barcelona, a alma do gafanhoto, os mistérios, em troca de uma fascinante simpatia que afinal, sem que antes tivéssemos notado, irradiava dele, num misto de alegria infantil e acaciana gravidade, iluminando-lhe o rosto quadrado e vago, quando dissertava sobre o que lhe vinha à cabeça.» Jorge de Sena, Sinais de Fogo (póstumo, 1978)

«Nem alto, nem baixo, mas tão forte que o Dr. Cardoso, cacique em Montalegre, vira-se em dificuldades para o livrar do serviço militar, as pernas, se se arqueassem mais, tocariam calcanhar com calcanhar sob o ventre do cavalo.» Ferreira de Castro, Terra Fria (1934)

sexta-feira, setembro 14, 2018

«The Celtic Soul Brothers

os amores inúteis #8

Serra do Caldeirão atravessada de Rolls nos idos de setenta.

quinta-feira, setembro 13, 2018

criador & criatura

fonte

Peyo e Benoît Brisefer / Kim Kebranoz

fonte
https://www.writeups.org/benoit-brisefer-benny-breakiron/

os amores inúteis #7


A safadeza não-erótica do Carlos Drummond de Andrade.

quarta-feira, setembro 12, 2018

Serena Williams, touradas, clima, folclore, patetices, o politicamente correcto

Ser anti-racista não significa ser estúpido. A caricatura vive da deformação propositada. Serena Williams parece ter tido um comportamento lamentável. O cartoonista australiano Mark Knight fez um desenho alusivo. Se a protagonista do episódio é negra, como querem que se faça a caricatura? Eliminando os traços fisionómicos negróides (lábio grosso, nariz achatado, carapinha)? Isso sim, seria racismo, particularmente boçal e doloso: o branqueamento do tipo étnico da atleta.
Mais censura e policiamento fascistóide. Não há diferença de natureza, apenas de grau, entre a 'indignação' destes talibãs ocidentais e, por exemplo, a selvajaria do caso dos cartoons do Maomé. 
 

Ocorrem-me agora outros dois casos recentes, que, por razões diferentes, me suscitam ora dúvida, ora perplexidade: o das touradas e o do colóquio na Universidade do Porto sobre o clima.
 

Sobre a tourada, teria muito a dizer, até porque estou entalado entre a minha posição de princípio desfavorável do ponto de vista ético (apesar de incoerente, porque bife com batatas fritas será sempre o meu prato favorito) e o inegável significado cultural e histórico das corridas -- ao qual não consigo ser insensível --, para já não falar da incrível beleza plástica da lide a cavalo ou a vertiginosa insanidade duma pega de caras.


A propósito da conferência do Porto, só tenho a minha ignorância a evidenciar e perguntas a fazer: estes tipos são cientistas e académicos que defendem uma posição minoritária, ou não passam de mercenários e prostitutos a soldo do lóbi das fósseis? Se são cientistas, como aceitar a pressão e os insultos que vieram a público e um protesto assinado por alguns cientistas portugueses eminentes?; se não passam de vigaristas, como nos é dado a entender, como pode a Universidade do Porto acolhê-los, ainda por cima com uma sua catedrática à cabeça da organização? A universidade é para debater inter pares;  se não são pares, não têm nada a fazer ali, arrendem uma sala num hotel para se entreterem; se o são, o que assistimos na semana passada precisa de ser analisado nos seus contornos políticos.

terça-feira, setembro 11, 2018

os amores inúteis #6

A memória celta da minha avó Celeste.
«Isso a que tu chamas raça é apenas um grande amontoado de tipos como eu, remelosos, cheios de pulgas, transidos de frio que aqui vieram arribar, perseguidos pela fome, a peste, os tumores e o frio, vencidos vindos dos quatro cantos do mundo.» Louis-Ferdinand Céline, Viagem ao Fim da Noite (1932) (trad. Campos Lima)

«Logo que o seu transtorno mental o afastou do serviço, a esposa de quem se separara, havia quinze anos, julgou-se com direito à pensão do Estado e para fazer valer tal direito, levou a quesão para o tribunal; mas perdeu a causa e o dinheiro reverteu para o enfermo.» Leonid Andreiev, Os Espectros (1904) (trad. Manuel do Nascimento)

«O ar estava sombrio acima de Gravesend, e mais longe parecia condensar-se numa treva desolada que pesava, imóvel, sobre a mais vasta e grandiosa cidade do mundo.» Joseph Conrad, O Coração das Trevas (1899) (trad. Aníbal Fernandes)

os amores inúteis #5

A loucura do Antero de Quental, da viagem à América ao banco de jardim em Ponta Delgada.

segunda-feira, setembro 10, 2018

«Dia de Folga»

«Pertencia ele ao ramo da família que do capitalismo ascendera ao posto imediato da intelectualidade e nisso fixara uma aristocracia.» Agustina Bessa Luís, A Sibila (1954)

«Que diria Juca Tristão, que o tinha por esperto e exemplar, quando ele lhe aparecesse com três homens a menos no rebanho que vinha pastoreando desde Fortaleza?» Ferreira de Castro, A Selva (1930)

«Se não recebesse da madrinha a reprimenda de lhe recordar, a propósito de tudo, as responsabilidades da sua idade, mulher já feita, circunspecta, tão precoce saíra -- pediria uma boneca.» Assis Esperança, Servidão (1946)

domingo, setembro 09, 2018

sábado, setembro 08, 2018

12 sinfonias : 5. Mendelssohn, SINFONIA #4 (1833) - II Andante con moto

de novo os Descobrimentos, e acabando com a questão

Durante as minhas férias, Luís Filipe Thomaz publicou um artigo sobre a questão dos Descobrimentos. Como escrevera que era a sua visão do problema a que me interessava, deixo aqui o registo. 

Historiador, e não um sócio-coiso em estudos pós-coloniais -- não devo errar se disser tratar-se do maior historiador português vivo daquele período. Aliás, basta comparar o seu texto com a indigência pateta do abaixo-assinado, ou lá o que é, para ver a desproporção da qualidade e a diferente natureza de entre historiografia e activismo.

Repito que não me pronuncio sobre a pertinência de um museu (mas digo já que não sou a favor, e estou, neste particular, mais próximo da posição de João Paulo Oliveira e Costa), mas apenas sobre o acerto da palavra Descobrimentos, que remeto para aqui, verificando, com agrado, que temos posições semelhantes quanto ao fundo da questão, ressalvando as óbvias distâncias do cabedal de cada um no que respeita à História da Expansão e Descobrimentos Portugueses.

Mais do que o atrevimento da ignorância, irrita-me o sectarismo ideológico e pior, a glossolalia impostora, a vassalagem aos bonzos e o espírito de manada. 

«Re-make / Re-model»

sexta-feira, setembro 07, 2018

Adélio, pá, Deus não existe!

Alguém que explique ao Adélio: se Deus existisse, ele não teria falhado, e o mundo seria menos pocilga sem o Bolçonaro (e ainda por cima, deste-lhe gás, pá...). 

os amores inúteis #2

A casa centenária que foi da minha avó Zé, no Estoril.

quinta-feira, setembro 06, 2018

estampa CCCXXIX - Ilya Repin


Retrato de Leonid Andreiev (1905)

os amores inúteis #1

A abertura interminável do primeiro concerto para piano do Brahms, à época mal recebido.

quarta-feira, setembro 05, 2018

50 discos: 4. LITTLE GIRL BLUE (1958) - #6- «He Needs Me»



«Ainda bem que de mui pouco me apoquenta o arrependimento» Camilo Castelo Branco, prefácio à segunda edição das Memórias do Cárcere (1862)

«Ignoro tudo, acho tudo esplêndido, até as coisas vulgares: extraio ternura duma pedra.» Raul Brandão, Memórias I (1919)

«Pareceu-me, mãe, que nunca a tinha visto tão bonita: muito bem vestida, muito bem penteada, com aquele seu perfume que, apesar de tão suave, tão subtil, anunciava a sua presença onde quer que estivesse.» Fernanda de Castro, Cartas para Além do Tempo (1990)

agora é tarde

terça-feira, setembro 04, 2018

estampa CCCXXVIII - Igor Samsonov


Susana e os Anciãos

segunda-feira, setembro 03, 2018

«Estão ambas junto da lareira apagada, sentadas nos mochos, sumidas nos vestidos pretos.» Manuel da Fonseca, Seara de Vento (1958)

«Lá no fundo, namorando o mistério das águas, uma francesa linda como as coisas mais lindas, aventureira viajada, da qual se fazia conhecer todos os países e todas as raças, o que equivale a dizer que conhecia toda a espécie de homem, tolera, com um sorriso condescendente, o galanteio juliodantesco de uma dúzia de filhos-família brasileiros e argentinos:» Jorge Amado, O País do Carnaval (1931)

«Sou equilibrado, robusto, gosto imensamente de cavalgar, viver a vida em liberdade, e Noémia, ainda como uma rígida moralista, -- jamais deixou de ser o que é: mirrada, abstinente, horrìvelmente feia.» José Marmelo e Silva, Sedução (1937)

12 sinfonias: 9. Dvorák, SINFONIA #8 (1890) - II Adagio

«E a selva densa, onde bandos de faunos gargalhavam nas tardes tropicais, dir-se-ia, no silêncio matinal, suspensa numa expectativa: -- paralisada por uma interrogação milenária.» Ferreira de Castro, Carne Faminta (1922)

«Eu, há hoje dez anos, vi abrir os alicerces daquela casa.» Camilo Castelo Branco, «Aquela casa triste...», Noites de Insónia (1874)

«Os deuses curam que os homens não rompam proibições, ainda que reis sejam.» Mário de Carvalho, «Agade e Nimur», Contos da Sétima Esfera (1981)

domingo, setembro 02, 2018

do domínio do milagre

Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa (1956), é um livro miraculoso, daqueles que nos acompanham pela vida fora, por cada linha, cada parágrafo ou página. É uma obra-prima da literatura universal, embora o Mundo que não lê o português o desconheça, posto que virtualmente intraduzível. E talvez o único que, na nossa língua, se confronta com as grandes narrativas dos últimos dois séculos, por exemplo, Guerra e Paz, de Tólstoi, ou Crime e Castigo, de Dostoievski.

sábado, setembro 01, 2018

12 sinfonias: 6. Bruckner SINFONIA #4 (1874) - II Andante quasi allegretto

«A miséria constitui talvez o mais poderoso de todos os laços.» Balzac, A Vendetta (1830) (tradução de Artur Soares Filho)

«Amo os lobos, nascidos para a solidão e para a fome.» Raymond Léopold Bruckberger, O Lobo Milagreiro (1971) (trad. Jorge de Sena)

«Nas enormes camaratas, junto às janelas abarrotadas, por onde entrava o ar fresco da manhã renovando o ambiente carregado pelo respirar do amontoado de carne, formavam-se os grupos, as tertúlias da desgraça, procurando-se os homens pela identidade dos seus feitos: os delinquentes por crimes de sangue eram os mais numerosos, inspirando confiança e simpatia com os seus rostos enérgicos, os seus gestos resolutos e a sua expressão de selvagem pundonor; os ladrões, receosos e assolapados, com sorriso hipócrita; e entre uns e outros, cabeças com todos os sinais de loucura ou imbecilidade, criminosos instintivos, de olhar vago e incerto, fronte deprimida e lábios delgados, franzidos por certa expressão de desdém; testas de labrego extremamente rapadas, com as enormes orelhas despegadas do crânio; madeixas sebosas com com caracóis até às sobrancelhas; enormes mandíbulas, dessas que só se encontram nas espécies inferiores ao homem; blusas rotas e remendadas; calças no fio, e muitos pés, gastando a pele dura nos ladrilhos vermelhos.» Vicente Blasco Ibañez, «Casa de correcção», Contos Valencianos (1896) (tradução de Manuel do Nascimento)

«Rattlesnake Shake»