Reminiscência intensa da infância, do dia-a-dia familiar metodicamente organizado com pulso matriarcal. A casa era das mulheres, da mãe, das criadas; pai e filho tinham de haver-se com aquele despotismo funcional, desse por onde desse, pelo alheamento ou deserção do lar, no caso do progenitor; pela revolta do filho através da indisciplina, raiz do comportamento futuro do narrador. Até que doença grave da criança leva a boa da mãe a deixar para trás a rigidez dos planos domésticos, aos quais todos se submetiam, para velar e zelar pelo filho, em perigo de vida. Era o tempo da II Guerra, dos noticiários da BBC. Coincidente com a paz, dá-se a cura do petiz, originando novo reequilíbrio naquele microcosmos.
O incipit: «Eram terríveis as rotinas, quase um rito iniciático, uma sagração.»
um parágrafo: «De certo modo não havia lugar para o pai nem para mim. Havia lugar para a nossa presença na ordem incessante dos ritos, a horas certas. Não para as cavalgadas solitárias que cada um tinha necessidade de fazer sem ser interrompido pela tarefa do dia. Mesmo que fosse o dia de receber visitas, com chá e bolos. Não tínhamos direito à nossa desordem interior, éramos prisioneiros de um espaço constantemente invadido por obrigações cujo sentido não podíamos entender. Não era por mal, era assim.»
Manuel Alegre, «A grande subversão», O Homem do País Azul [1989], 7.ª ed., Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2009, pp. 49-56.
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