quinta-feira, junho 26, 2014

a andar para trás




A criação de Astérix foi um achado. Gauleses irredutíveis ao ímpeto marcial do Império Romano, auxiliados nessa atitude de resistência por uma misteriosa poção mágica que atribui a quem a toma uma força sobre-humana. Criação servida pela inteligência de Goscinny, permitindo vários níveis de leitura, possibilitando que crianças e adultos a fruíssem de acordo com a informação que tivessem. As próprias alusões à realidade francesa do momento eram torneadas sem dificuldade pelos leitores de outras nações.
Acresce um estilo de enorme amplitude plástica de Uderzo, refinando-se de álbum para álbum com crescente subtileza, ilustrando na perfeição o espírito goscinnyano. Após a morte de René, Uderzo foi muito criticado na sequência que empreendeu a solo, mas nem sempre (ou quase nunca) justamente: A Odisseia de Astérix ou As Mil-e-Uma Noites de Astérix, por exemplo, estão ao melhor nível do falecido argumentista -- recorde-se, um dos maiores da história da BD...
E este Astérix Entre os Pictos? Digo já que a leitura foi agradável, a ideia-base é boa (Astérix e Obélix visitam, por força das circunstâncias, mais uma paragem do mundo antigo, desta vez o território da actual Escócia); mas nem Ferri é Goscinny nem Conrad é Uderzo. Argumento e desenho funcionam, embora sem rasgo; perdeu-se o espírito, um wit, uma malícia muito própria dos autores originais, presentes desde o já distante Astérix, o Gaulês (1961). É como se a dupla Goscinny & Uderzo tivessem recuado ao tempo do Humpá-pá, o Pele-Vermelha (1958) -- criação notável, aliás --, como se Astérix fosse uma série característica de revistas como Tintin  ou Spirou (mais juvenis) e não daquela a que realmente pertenceu, a Pilote, chefiada pelo próprio R.G. (não confundir...)...

Sem comentários: