Um póstumo de Zweig, livro negro, como negra foi a fase final da sua vida. Judeu austríaco autoexilado em 1934 (Adolfo, o Hitler, conquistara o poder na vizinha Alemanha no ano anterior...), empreendeu um calvário inimaginável para quem não o viveu. Não que tivesse problemas materiais; mas Zweig era uma figura da cultura europeia, um escritor celebrado e cosmopolita, e ver-se impedido de regressar, posto na condição de apátrida (naturalizou-se inglês, mais tarde), era uma degradação que abalaria qualquer espírito requintado. O duplo suicídio de Petrópolis será um desenlace lógico para esse desespero.
Escrito em dois momentos bem distintos (1930 e c. 1938) -- e publicado apenas em 1982 -- A Embriaguez da Metamorfose conta-nos a história de Christine, uma modesta funcionária dos correios austríacos, vivendo na província no pós-I Guerra, no rescaldo da derrota e desmembramento do Império Austro-Húngaro. A convite de uns tios ricos, há longos anos emigrados nos Estados Unidos, onde fizeram fortuna, passou uma curta temporada de nove dias numa estância de luxo suíça.
Os vestidos caros, o arranjo de beleza que a tia lhe proporciona, realçaram o seu aspecto exterior, tornando-a alvo da atenção da beautiful people em vilegiatura. Ao fim da primeira noite, Christine já era tu-cá-tu-lá com todos os espécimes da alta sociedade que pululavam no hotel, num mimetismo irreal que demora mais de uma semana a ser desvelado -- para mim o maior senão: Zweig força à corência do tempo narrativo uma metamorfose súbita de insustentável verosimilhança. Quando cai em si, quando fazem com que caia em si, Christine abandona abruptamente a estância, foge -- pois que a própria tia, temerosa que viesse à tona um duvidoso passado vienense, se mostra desconfortável --, regressando à vida de funcionária dos correios na província austríaca, depois de ter provado o mel dum mundo de aparente facilidade e prazer.
É quando conhece Ferdinand, em casa da irmã em Viena, que a sua vida mudará, no sentido da libertação. Ferdinand é um despojo de guerra, em todos os sentidos, combatente e posteriormente prisioneiro dos russos, semi-inutilizado para o trabalho, devido a um ferimento que lhe incapacitou um mão, desprovido do património fundiário familiar com o rearranjo das fronteiras europeias, que criou estados onde antes havia impérios, é um inadaptado que sacrificou a flor da juventude aos caprichos do estado imperial áustro-húngaro, carne para canhão jogada fora quando deixou de ser precisa.
A libertação de ambos da vida de pobreza mesquinha e sem sentido que levam só poderá fazer-se de duas maneiras: pela marginalidade, pelo suicídio. A mestria de Stefan Zweig revela-se aqui eloquentemente, e Christine e Ferdinad são dois inesquecíveis pares trágicos da história da literatura (a cena do bordel é antológica).
Análise de uma frustração, recusa da insignificância, A Embriaguez da Metamorfose é, repetindo-me, um livro amargo; mas livro de mestre.
É quando conhece Ferdinand, em casa da irmã em Viena, que a sua vida mudará, no sentido da libertação. Ferdinand é um despojo de guerra, em todos os sentidos, combatente e posteriormente prisioneiro dos russos, semi-inutilizado para o trabalho, devido a um ferimento que lhe incapacitou um mão, desprovido do património fundiário familiar com o rearranjo das fronteiras europeias, que criou estados onde antes havia impérios, é um inadaptado que sacrificou a flor da juventude aos caprichos do estado imperial áustro-húngaro, carne para canhão jogada fora quando deixou de ser precisa.
A libertação de ambos da vida de pobreza mesquinha e sem sentido que levam só poderá fazer-se de duas maneiras: pela marginalidade, pelo suicídio. A mestria de Stefan Zweig revela-se aqui eloquentemente, e Christine e Ferdinad são dois inesquecíveis pares trágicos da história da literatura (a cena do bordel é antológica).
Análise de uma frustração, recusa da insignificância, A Embriaguez da Metamorfose é, repetindo-me, um livro amargo; mas livro de mestre.
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