sexta-feira, outubro 31, 2025

6 versos de José Carlos Ary dos Santos

«Que a terra lhe seja pesada. / Que lhe apodreça o corpo e os olhos fiquem vivos, / Se lhe soltem os dentes e a fome fique intacta / E a alma, se a tiver, que lha fustigue o vento / E arrase com ela a memória gravada / Na lembrança demente dos que o choram» 

A Liturgia do Sangue (1963) - «In memoriam»

quinta-feira, outubro 30, 2025

Genesis, «White Mountain»

3 versos de Pedro Tamen

«Lembro vimes e lagos manhã cedo / e tu de pé saída, tu soltada / da rocha agreste e fria de outro medo» 

Os Quarenta e Dois Sonetos (1973)

zonas de confronto

Woody Allen: «Sete semanas depois, no Quénia, encontrámo-nos com Hemingway. Bronzeado e já com a barba crescida, estava a começar a desenvolver aquele seu estilo tão familiar acerca dos olhos e da boca. Ali, no inexplorado continente negro, Hemingway tinha arriscado gretar os lábios mil vezes.» «Memórias dos anos vinte», Getting Even / para Acabar de Vez com a Cultura (1966) - trad. Jorge Leitão Ramos § Michael Gold: «Em quieta paz, as mães aconchegam ao seio os filhos pequeninos, enquanto o pai, descuidado fuma num cachimbo velho. / E é tão tranquilo e calado o conjunto dos milhares de casas que o bater dum relógio parece voz gigantesca. / Na cela há cinco polícias fortes que espancam um preso. E sabem que ele falará!» «Cárcere», Para a Frente, América... - trad. Manuel do Nascimento § Hans Christian Andersen: «Em A História da Minha Vida deixei descrito de que modo, nos meus primeiros tempos de jovem em Copenhaga, me foi dado encontrar um lar acolhedor em casa do Almirante Wullf, na Academia Naval. Aí sucedeu aparecerem, por esse tempo, dois jovens portugueses, José e Jorge O'Neill, filhos do gerente da casa comercial Torlades O'Neill, de Lisboa.» Uma Viagem em Portugal em 1866 (1868) - trad. Silva Duarte § Mikhail Bakunin: «E fora do movimento, o que resta? Antes de mais, e acima de tudo, uma coisa sem dúvida muito respeitável, mas improdutiva e ainda por cima ruinosa: a brutalidade organizada dos Estados. Em seguida, sob a protecção financeira, comercial e industrial, a grande espoliação internacional; alguns milhares de homens internacionalmente solidários entre si e dominando, através do poder dos seus capitais, o mundo inteiro.» «O movimento internacional dos trabalhadores» (1869), O Socialismo Libertário - trad. Nuno Messias

quarta-feira, outubro 29, 2025

para Cotrim, Portugal já está em guerra com a Rússia

Fui ouvir apenas as chamadas questões de defesa. Politicamente, este indivíduo é uma anedota. Ligeiro em tudo e sobre tudo -- parece que quer dar "um toque de modernidade" à Presidência da República --, diz coisas destas com a displicência de quem paga uma bica ao balcão; porém, enérgico e cheio de convicção. Rei da banalidade, é candidato a ficar pelo caminho, felizmente. Para anedotas, já nos basta ou outro.

1 verso de Fernando Assis Pacheco

«Saudades de Luísa que me queria para novio é Agosto "amor o muerte" com o assentimento de pai e mãe» 

Siquer Este Refúgio (1976) - «Bouzas de Fondo, Orense: a muiñeira»

o que está a acontecer

«Ficara sentada à mesa a ler o "Diário de Notícias". Roupão de manhã de fazenda preta, bordado a soustache, com largos botões de madrepérola; o cabelo louro um pouco desmanchado, com um tom seco do calor do travesseiro, enrolava-se, torcido no alto da cabeça pequenina, de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e láctea das louras: com o cotovelo encostado à mesa acariciava a orelha, e, no movimento lento e suave dos seus dedos, dois anéis e rubis miudinhos davam cintilações escarlates.» Eça de Queirós, O Primo Basílio (1878)

«Pois que toda a literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível, presente, possível ou futura paixão que liquidamos, alimentamos ou procuramos. E já foi dito que não interessa tanto o objecto, apenas pretexto, mas antes a paixão; eu acrescento que não interessa tanto a paixão, apenas pretexto, mas antes os seu exercício.» Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, Novas Cartas Portuguesas (1972) 

«Havia certa imponência no seu jeito de segurar com os dedos claros, de unhas roídas, uma pasta acorcodilada e sempre pletórica. O andar, cuja morosidade provinha de infidelidades ao pedicuro, convertia-o ele numa altiva pachorra ao singrar entre mesas a caminho do seu cenáculo, como lanchão bojudo coleando no porto em demanda do cais.» Tomás Ribeiro Colaço, A Calçada da Glória (1947)

terça-feira, outubro 28, 2025

Cannonball Adderley, «Blue Brass Groove»

3 versos de Rui Knopfli

«O buril colheu o veio da madeira / e feriu-a, da cunha até ao encaixe, / levando no fio o fio do destino.»

O Escriba Acocorado (1978) - «O mesteiral de Ilium»

segunda-feira, outubro 27, 2025

3 versos de Sebastião Alba

«Dum grande poeta deu-se o nome / a uma rua suburbana // nem tanto quis em vida» 

A Noite Dividida (1982)

domingo, outubro 26, 2025

sábado, outubro 25, 2025

o que está a acontecer

«Nas mesas, onde uma turba espessa se coagulava, corria um dar de cotovelos, um cruzar de olhos, um rastilhar mexeriqueiro. / -- Olha. Lá vem o Chumbo. Aquele é o Antero Chumbo. O que escreve. O tipo parece que tem valor. / E era verdade. Isto é, ali ia ele.» Tomás Ribeiro Colaço, A Calçada da Glória (1947)

«Esfregaram a cara e os cabelos molhados da transpiração com o lenço verde do regulamento, ou mesmo com o quico camuflado, um bonezinho em feitio de canoa, de aba curta e quebra-nuca para proteger a cabeça dos ardores do sol. / Abriram as latas de conserva das rações E que a Manutenção Militar distribuía para alimentação das tropas em operações.» Carlos Vale Ferraz, Nó Cego (1983)

«Do lado oposto à cidade a estrada descrevia uma curva ao longo de muros e cerrados, onde os grilos pareciam, de Verão, o queixume da ilha abafada e em que pairava agora um pasmo solto de tudo menos de mar. As lâmpadas da rede, lá para Porto Pim, faziam mais escura a massa de água que devia rolar enrefegada a um começo de vento levantado, pouco e já duro.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)

sexta-feira, outubro 24, 2025

Ian Bostridge, Simon Rattle, «Elegia», Sonata para cordas (Benjamin Britten)

40 ANOS DE SERVIDÃO - da tradição como fonte

«Ramo verde florido, / florido de bela flor, / do meu amor tão querido, / onde está o meu amor? // [...]»

A procura do amor aos dezanove anos. O poema mais antigo de Sena publicado (creio) num dos primeiros livros póstumos, fiel e amorosamente editado (no sentido anglo-saxónico) por Mécia -- Variações sobre Cantares de D. Dinis.

Parafraseando Ruy Belo: D. Dinis e Jorge de Sena, dois poetas contemporâneos. Conheceria já os conceitos de modernidade e tradição do Eliot? Ver. 

3 versos de José Régio

«Nem uma estrela / canta aleluia / Na noite fria que não tem fim!» 

Poemas de Deus e do Diabo (1925) - «Legião»

quinta-feira, outubro 23, 2025

3 versos de Afonso Lopes Vieira

«não tenho inveja de ninguém, / aqui da minha janela / onde me sinto tão bem...» 

Animais Nossos Amigos (1911) - «O gato»

quarta-feira, outubro 22, 2025

Django Reinhardt, «New York City»

3 versos de Antero de Quental

«Falar do amor... do amor! o sempre-mudo! /Se é segredo entre dois, como dizê-lo, / Sem divulgá-lo, sem que o ouça tudo?» 

Primaveras Românticas (1872)

terça-feira, outubro 21, 2025

1 verso de Manuel Bandeira

 «-- Eu faço versos como quem morre.» 

A Cinza das Horas (1917) - «Desencanto»

a entrevista de Marques Mendes

Primeiro o riso, com o elogio à União Europeia sobre como tem vindo a lidar com o problema da Ucrânia, Com os conselheiros de política internacional que estão lá para a candidatura, não é de admirar.

Depois, a estupefacção pela ausência de pensamento estratégico em quem anda há tantos anos na política: tirando a questão da importância atlântica, que é uma banalidade, Marques Mendes não só não mostra uma ideia sobre quais as áreas mais importantes para a soberania. A bem dizer, soberania nem vê-la: é preciso gastar dinheiro em defesa; onde? Ah, isso será decidido no seio da UE e da Nato. Catastrófico.

Para não dizer apenas mal, foi interessante a reflexão sobre a importância de acolhimento de imigrantes dos Palop, funcionando inclusivamente como válvula de escape para as graves tensões sociais que se vivem em Moçambique, mas também em Angola, muito preocupantes.

segunda-feira, outubro 20, 2025

King Oliver, com Louis Armstrong. «Mabel's Dream» (Take 2)

4 versos de Camões

Está a gente marítima de Luso / Subida pela enxárcia de admirada, / Notando o estrangeiro modo e uso, / E a linguagem tão bárbara e enleada.» 

Os Lusíadas, I-62 (1572)

domingo, outubro 19, 2025

Borges Coelho, o último dos grandes

Quando comecei a estudar História, um grupo de historiadores de largo espectro, cujo conhecimento e amplidão de estudo iam além da "mera" especialização, impunha-se. Eram eles António José Saraiva (1917-1993), Luís de Albuquerque (1917-1992), Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011), Joel Serrão (1919-2008), Jorge Borges de Macedo (1921-1996), José-Augusto França (1922-2021), Joaquim Veríssimo Serrão (1925-2020), A. H. de Oliveira Marques (1933-2007), José Mattoso (1933-2023) -- e, claro, António Borges Coelho (1928-2025), a cuja defesa da tese de doutoramento assisti e que entrevistei, no século passado, para o JL, além de nos termos encontrado algumas vezes no nosso comum concelho (ABC vivia na Parede). 

Era um historiador do contra, e isso fez toda a diferença.

sábado, outubro 18, 2025

«Everybody's Song» (Robert Plant com Suzi Dian e Saving Grace)

eu vou


 

burcas -- ou o veneno do populismo de taberna

Sou, obviamente, contra o uso da burca e de outras formas de subjugação das mulheres e sou por princípio contra o relativismo cultural, quandfo atentatório dos direitos humanos;

Não desvalorizo a circunstância de o número de mulheres obrigadas a usá-lo seja entre nós relativamente baixo, conclusão a que chego por mera observação;

Não faço de conta que não percebo que na maioria dos casos (se não todos) usar uma aberração como a burca não depende da livre autodeterminação das mulheres que são obrigadas a usá-lo;

E não me alheio da complexidade que a sua proibição pode levantar a essas mulheres, confinando-as, tornando-as duplamente vítimas: do marido ou da família e do Estado;  

Não me posso esquecer -- como salientou e bem o deputado do PS Pedro Delgado Alves que o contexto e quem apresentou esta proposta ser o desqualificado André Ventura, um tipo que subiu na vida a pôr as pessoas umas contra as outras.

É aceitável uma mulher usar burca ou niqab? Não, é degradante e profundamente ofensivo. 

É aceitável, em nome de princípios inegociáveis, votar ao lado de desqualificados? Não, é profundamente ofensivo e degradante.

quinta-feira, outubro 16, 2025

Peter Gabriel, «Solsbury Hill»

4 versos de Afonso Lopes Vieira

«O pastor vai para a serra, / vai para a serra sozinha, / que, lá do céu tão vizinha, / parece longe da Terra...» 

Animais Nossos Amigos  (1911) - «O Cão»

quarta-feira, outubro 15, 2025

o que está a acontecer

«I-EXPERIÊNCIA / Uma das coisas discutidas no Café Martinho era a virgindade de Antero. / Havia rumorejos quando ele entrava. / Já então um pouco obeso, mas empertigado por aquela volúpia do próprio mérito, que é sugestiva como um cartaz, -- principiava a usar o seu famoso chapéu preto de grandes abas, que implantava um pouco à banda, com audácia, sobre penugens dizimadas pela seborreia.» Tomás Ribeiro Colaço, A Calçada da Glória (1947)

«Esqueceram os mil pormenores da instrução de comando, as forças não chegavam para tudo, mas a arma, essa ficou ali à mão de semear... Tiraram lentamente as mochilas de cima dos ombros e morderam os lábios com a dor dos músculos dormentes cortados pelas correias de lona.» Carlos Vale Ferraz, Nó Cego (1983)

«Dali à entrada da quinta corria um muro de pedra solta onde espreitavam trepadeiras, e só a uns vinte metros se erguia uma parede nobre com o grande portão verde de padieira grossa, que ao abrir bem até atrás, devido a uma posição mal calculada, batia na borda da sineta arrematada do naufrágio de um veleiro.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)

O(s) Egipto(s) de Eça de Queirós e Ferreira de Castro

 

 


O Egipto, civilização eterna fundada há cinco mil anos (!), que continua a suscitar tanto interesse em todo mundo, deixou também um legado ao estado que continua a ostentar o seu nome -- o Egipto contemporâneo, que, como ainda hoje mesmo as notícias nos recordam, persiste como um dos países mais importantes à escala global, por várias razões.

Eça de Queirós e Ferreira de Castro visitaram-no com décadas de intervalo e em séculos diferentes (1869 e 1935). Romancistas diferentes, com idades diferentes, tal como diversas foram as circunstâncias em que por lá andaram, deixaram o testemunho escrito, tanto acerca do tempo dos faraós, como aquilo que os seus olhos puderam observar no terreno.

Sobre as diferenças e semelhanças dos dois olhares irá constar minha conversa,  nesta sexta-feira, 17 de Outubro, às 18 horas, no Museu Ferreira de Castro.


 

4 versos de José Régio

«Entre os dois, eu sentia-me pequeno e miserando, / Vibrando todo, tumultuando, soluçando, / Com olhos meigos, lábios torpes -- indeciso / Entre um inferno e um paraíso!» 

Poemas de Deus e do Diabo (1925) - «Painel»

terça-feira, outubro 14, 2025

David Benoit, «Christmas Time Is Here»

2 versos de Pedro Tamen

«Por sobre os ombros me caio, / de sob as ervas me luzes;» 

Os Quarenta e Dois Sonetos (1973)

segunda-feira, outubro 13, 2025

4 versos de José Carlos Ary dos Santos

«Caminharemos de olhos deslumbrados / E braços estendidos / E nos lábios incertos levaremos / O gosto a sol e a sangue dos sentidos.» 

A Liturgia do Sangue (1963) - «A liturgia do sangue»

P. T. Anderson: ninguém sai vivo dos manicómios da América, ou o melhor do mundo (ainda) são as crianças




sábado, outubro 11, 2025

Bruce Springsteen, «Cadillac Ranch»

o que está a acontecer

«-- Se eu te tivesse conhecido recém-nascida, teria odiado em ti o rosto incaracterístico da criança, balofo, sem vontade, que ri como um ébrio: -- esse rosto divino que 18 anos mais tarde eu havia de amar pela perversidade do seu sorriso, pela voluptuosidade que dele se desprende e voa até aos meus sentidos.» Eduardo Frias e Ferreira de Castro, A Boca da Esfinge (1924)

«Os homens pararam. Alguns, mais cansados, sentaram-se imediatamente, outros ainda procuraram árvores para aproveitarem a sombra e o encosto dos troncos. Abriram os camuflados, aspirando o cheiro ácido de suor que saía do peito, para se refrescarem.» Carlos Vale Ferraz, Nó Cego (1983)

«Estavam quase ao alcance da respiração um do outro: ela debruçada num muro de pedra de lava; ele na rampa de terra que bordava a estrada ali larga, acabando com a fita de quintarolas que vinha das Angústias até quase ao fim do Pasteleiro e dava ao trote dos cavalos das vitórias da Horta um bater surdo, encaixado.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)

sexta-feira, outubro 10, 2025

seis poemas de Liberto Cruz, na sua morte (1935-2025)


Quem a morte sentiu

Da vida não foge

(Livro de Registos / Última Colheita, 2022)


***


Tenho a idade

deste plátano 

e desta tília.


Todavia sei

que não vamos

envelhecer juntos.

(Sequências, 2000)


***


Uma só vida não chega

Nem outra nem outra ainda

Para dizer que te amo

Meu amor meu só amor.


E quando a morte vier

Inevitável e certa

Que seja eu o primeiro

A ficar no livro inscrito.


Que ali discreto seja

E feliz por ter amado

A mulher por que morri


Vivendo. Nada mais quero.

Se de meu amor morri

Morrendo volto a viver.

(Caderno de Encargos, 1994)


***


Como defender a Pátria falando outra língua,

Se outra língua ouvindo sei que esta terra

Minha Pátria não é?

(Jornal de Campanha, 1986)


***


Em Portugal haver mocidade portuguesa

é um pleonasmo a evitar

(Gramática Histórica, 1971)


***


SÓ PORQUE ÉRAMOS PUROS

Só porque demos as mãos

E gritámos bem alto 

O nome da amizade,

Só porque trocámos carícias

Sem o prazer dos sexos

E fomos amantes Como o luar e o rio,

Chamaram-nos devassos

E refugiaram-se no mundo 

Torpe, em que não caímos.

(Momento, 1956)





2 versos de Alexandre Nave

«Rapazes enfezados no ventre da tarde / destroçam os pássaros no riso» 

Columbários & Sangradouros (2013)

quinta-feira, outubro 09, 2025

zonas de conforto

Jaime Brasil a Ferreira de Castro (1925): «Paris, 14/10 // Meu caro Castro, // Como vai isso? Bem? Não sei se já lhe escrevi ou não. Ando arrasado das viagens, hábitos alterados... o diabo. O M. Domingues já veio? / Estou na R. Richer, 26 Pension Home. Se  for necessário qualquer coisa escreva até ao dia 20. / Recomende-me à "Tertúlia". Abraça-o o am.º e camarada / Jaime» Cartas a Ferreira de Castro (2006) - ed. Ricardo António Alves § Vergílio Ferreira: «Fomos a Fontanelas, levámos o Lúcio, de Bolembre. Lúcio cresce, distancia-se. Não decerto no afecto -- no que no-lo marcou como criança. Com ele, também, a fuga do tempo. A casa do Rogério -- o jardim. Súbita melancolia, o espectro do passado, ou seja da morte.» Conta-Corrente 1 (1980) § José Duarte: «Em nome do Pai... / e do Filho... / e de John Coltrane» Cinco Minutos de Jazz (2000) § Machado de Assis: «É  preciso dizer que ele padecia do coração: -- moléstia grave e crônica. Pai José ficou aterrado, quando viu que o incômodo não cedera ao remédio, nem ao repouso, e quis chamar o médico. / -- Para quê? disse o mestre. Isto passa.» «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884) § Manuel Tiago: «Mas em todo o seu físico, na rigidez do tronco e no dispor das pernas, nos gestos e olhares, transparecia qualquer coisa que o distinguia de um vulgar lavrador, qualquer coisa de arrogante, ousado e impertinente. Cinco Dias, Cinco Noites (1975) § José Bacelar: «E pontos de vista todos eles igualmente admissíveis, todos eles dignos de atenção, todos eles justos. Assim, que, na complicada construção dum edifício, o carpinteiro considere tudo sob o ponto de vista da carpintaria, o pedreiro sob o ponto de vista da alvenaria, o pintor sob o ponto de vista da pintura, são realidades contra as quais o espírito livre nada tem que dizer. Nada mais natural -- e nada talvez mais necessário.» Arte, Política e Liberdade (1941) § Fialho de Almeida: «Duma ocasião, sozinho no meu quarto, eu considerava uma rosa branca que emurchecia num copo, tão triste! Disse-lhe assim: "Tu sofres!" Ela curvou-se mais sobre a haste, aquiescendo, e vi-lhe duas lágrimas nas pétalas. Nunca pude saber quem fosse esta mulher.»  O País da Uvas (1893) - «Pelos campos»

estes são quintas colunas de quem?

Estes acham que somos todos estúpidos, que ninguém está a ver a grosseira manipulação da opinião pública ocidental; a censura imposta aos media russos -- de propaganda, dizem, como se houvesse algum merdia que o não fosse; o fracasso da "política" (nem a designação merece...) europeia na Guerra da Ucrânia; a perigosa mediocridade da acção, com a falta de estratégia total da UE, a não ser a de ser cão dos Estados Unidos.

Acham estes idiotas que basta dizer que "houve um país que invadiu outro", como aconteceu mais uma vez com Pacheco Pereira há dias na televisão (o grau zero da análise) -- pois o público é basicamente constituído por crianças grandes -- por isso facilmente manipulável --, que basta dizer muitas vezes as mesmas parvoíces, como faz o Costa, que a malta engole. Engole, pois; mas não toda.

1 verso de Antero de Quental

 «O Amor que nome tem? real, jamais o teve...» 

Primaveras Românticas (1872)

cessar-fogo em Gaza, quem diria?...

Sem embandeirar em arco, a emoção é grande com o aproximar do termo desta carnificina.

A pressão sobre as partes foi certamente gigantesca, dos Estados Unidos, que são quem realmente manda em Israel, sobre Netanyahu; do mundo árabe e islâmico, não apenas os mediadores Qatar, Egipto e agora a Turquia (aliada do Hamas), sem falar da posição do Irão de apoio à proposta de acordo, nesta terça-feira. Ou seja: o início do diálogo estava assente -- o que não é pequena coisa.

A Cisjordânia e os colonatos ilegais é o caso mais bicudo -- penso nos judeus extremistas e nas ocorrências do passado; depende também muito da parte sã (laica) de Israel e do continuar da forte pressão sobre o Likud (os partidos religiosos são irrecicláveis e têm de ser controlados, pelo menos).

A situação de Marwan Barghouti, preso há 23 anos e que os radicais israelitas não querem libertar -- e todos sabemos porquê -- também ditará boa parte do caminho que agora poderá começar.

Sim, de facto não havia alternativa. Quem diria?... 

quarta-feira, outubro 08, 2025

Genesis, «Looking For Someone»

2 versos de Fernando Assis Pacheco

«não: era de noite àquela hora a alegria / das casas funde-se com um estalido cruel» 

Siquer Este Refúgio (1976)

terça-feira, outubro 07, 2025

3 versos de José Alberto Oliveira

«como pode alguém tão arrimado ao vulgar / ter o desplante de sugerir emoções / que lhe são desconhecidas?»  

Peças Desirmanadas e Outra Mobília (2000)

segunda-feira, outubro 06, 2025

Cannonball Adderley, «African Waltz»

3 versos de Alberto de Lacerda

«Águas múrmuras: a fina / Repetição infinita / Do mesmo som sempre o mesmo» 

Elegias de Londres (1987)

zonas de confronto

Svetlana Alexievich: «Para nós tudo vinha daquele mundo horrendo e misterioso. Na nossa família, o avô ucraniano, pai da minha mãe, foi morto na frente de combate e sepultado algures em terra húngara, e a avó bielorrussa, mãe do meu pai, morreu de tifo enquanto estava com os partisans, os seus dois filhos estiveram no Exército e desapareceram nos primeiros meses de guerra, dos três só regressou um. O meu pai.» A Guerra não Tem Rosto de Mulher (1985) - trad.Galina Mitrahovich § Woody Allen: «Lembro-me de uma tarde em que estávamos sentados num alegre bar do Sul de França com os pés confortavelmente pousados em tamboretes do Norte de França, quando Gertrude Stein disse: "Estou agoniada." Picasso achou essas palavras divertidas, e Matisse e eu tomámo-las como a deixa para partirmos para África.» Getting Even / Para Acabar de Vez com a Cultura -- «Memórias dos Anos Vinte» - trad. Jorge Leitão Ramos § Mikhail Bakunin: «É preciso ser-se dotado de uma grande dose de estupidez, é preciso ser-se cego e surdo para não reconhecer importância a este movimento. E quem quer que tenha conservado uma réstia de vida e de bom-senso, que não tenha sido corrompido por interesses ou doutrinas, reconhecerá, como nós, que só um movimento se não traduz  por uma agitação ridícula e estéril, e que traz no seu seio o futuro, o movimento internacional dos trabalhadores.» O Socialismo Libertário, «O movimento internacional dos trabalhadores» - trad. Nuno Messias § Félix Cucurull: «Aqui te estou a escrever estas palavras de despedida neste cartão que perdi quando tinha vinte anos e do qual as chuvas apagaram o nome e a morada. Encontra-la-ás no bico de qualquer pardal. Ao leres as minhas palavras pensarás: "Sempre disse que este moço iria muito longe a escrever histórias divertidas." Entretanto, a rapariga que eu beijei quando ainda tinha gengivas e dentes deve ser já avó.» «Carta de despedida», Antologia do Conto Moderno - trad. Manuel de Seabra § Michael Gold: «Ao longe, na cidade, a noite é calma e silenciosa. Nas ruas dormentes homens e mulheres deslizam em idílios. Os agentes balouçam os bastões e bocejam sonolentos. / No sossego de suas casas, depois de um dia enervante nos tribunais, os juízes lêem versos às esposas. / No escuro dos cinemas, há pares de namorados que, em contacto furtivo, vibram de desejo.» Para a Frente, América -- «Cárcere» - trad. Manuel do Nascimento

domingo, outubro 05, 2025

o que está a acontecer

«Entrava em pormenores, Margarida ouvia-o agora vagamente distraída, de cabeça voltada às nuvens, como quem tem uma coisa que incomoda no pescoço, um mau jeito. O cabelo, um pouco solto, ficava com toda a luz da lâmpada defronte, de maneira que a testa reflectia o vaivém da sombra ao vento.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)

«Berenice silenciara-se também, nesse recanto deserto da popa do transatlântico: -- angustiada pela dor da partida: -- da partida do seu amante para um mundo que ela ignorava: -- e que só entrevia através duma neblina colorida, onde os seres e as coisas se revestiam de esplendores estranhos.» Eduardo Frias e Ferreira de Castro, A Boca da Esfinge (1924)

«I.A Primeira Operação / 1. Um comando não tem fome nem sede... Finalmente veio a ordem desejada, murmurada no passa-palavra, da frente para a retaguarda da companhia de comandos: / -- Parar para almoçar, meia hora, a última equipa monta segurança.» Carlos Vale Ferraz, Nó Cego (1983)

sexta-feira, outubro 03, 2025

agora a sério, o Putin tem um piadão, caraças!... - ahahah

Sem falar no entrevistador -- ainda mais, se pensarmos nos tristes que nos caem no prato com as suas tristes figuras de analfabetos funcionais.... E então se compararmos o Putin com, por exemplo, António Costa & os seus Patetas... (esgar)

2 versos de Fernando Jorge Fabião

«um gesto camponês / lavrando a solidão incendiando a terra» 

Na Orla da Tinta (2001)

era para ter ido ver o último P. T. Anderson, mas saiu-me isto, e foi bom




quinta-feira, outubro 02, 2025

King Oliver, feat. Louis Armstrong, «Mabel's Dream» (1st Take)

ucraniana CDIV - mais 220 000 000 € deitados ao lixo

E lá vamos nós outra vez na manada, dar dinheiro ao Zelensky, balões de oxigénio, bovinos alinhados na estupidez geral de prolongar uma guerra perdida provocada pelos americanos, e que por isso mesmo saltaram fora, Não sem que antes se assegurassem que os parolos da UE e da Nato continuariam a financiar o complexo militar-industrial americano a risco zero.

"A defesa da Ucrânia é a defesa da Europa" e outras frases lindas: mas quão estúpido pode ser-se?

Claro que, a continuarmos com este conjunto de dirigentes europeus, mistura letal de estupidez, oportunismo, inconsciência e ignorância, arriscamo-nos, um dia destes, a um par de galhetas da Rússia, pelo menos, e não é que eles não tenham avisado.

Mais 220 milhões de euros, "pelo menos"... Não me bastava o espertalhaço do Costa, ainda tenho de ouvir as histórias da carochinha do Montenegro.

2 versos de Dora Gago

«Sigo as pegadas da memória / inscritas na areia do tempo» 

«Início», Flores de Cinza (2025)

quarta-feira, outubro 01, 2025

ainda o plano de paz de Trump para Gaza, ou quando a paciência me falece

Como disse Gouveia e Melo na entrevista que deu à cnn-Portugal (só para esclarecer: não tenho o meu voto decidido para as presidenciais, a não ser numa eventual segunda volta: qualquer um que venha a defrontar o taberneiro oportunista), é melhor um mau plano de paz do que não haver plano nenhum.

Não é justo? Não é. E a sua maior falha talvez seja a ausência de um tal cronograma; mas mão diria que o plano é mau. Está aliás sustentadíssimo pela comunidade internacional, e desse ponto de vista não me lembro de uma possibilidade tão forte. E obviamente que as pressões sobre o Hamas devem ser muitas, o mesmo se passará com o degenerado Netanyahu.

Se houvesse justiça e o Direito Internacional fosse letra viva para quem detém a força (se calhar achavam que as violações do dito só ocorreram agora na Ucrânia...), as fronteiras seriam pelo menos as de 1967, e o p-m israelita, entre outros, estaria sentado no banco dos réus como genocida. Mas, como sempre, o que comanda a política internacional são os interesses e a força para os fazer valer. É da natureza humana -- digo eu, que sou um pessimista -- e da natureza dos estados. E pobres daqueles que no meio da voragem parecem não saber o que andam aqui a fazer (v.g. Portugal e a Guerra da Ucrânia).

Voltando a Gaza: o que deve orientar qualquer cúpula política que possa representar e servir um povo, para além do Direito e do Ideal -- e sem deixar de lado a ousadia -- nunca deve abandonar 1) o realismo na análise; 2) o pragmatismo na acção.

Qualquer acto que não imponha o opróbrio da submissão tem de ter em conta a correlação de forças. A força de Israel, suportada pelos americanos, é brutal, impiedosa, cruel -- e a passividade e a impotência da comunidade internacional diante do massacre, da limpeza étnica, do genocídio é inultrapassável. Resta a negociação, o direito, a contenção de danos. 

Resta, acima de tudo, a vida das pessoas, entre os quais a dos inocentes que estão a ser chacinados todos os dias. Por isso é com desprezo que vejo o comentariado crítico que classifica como submissão & etc. a aceitação deste plano, qualificado e muito bem por Leão XIV como "realista". Volto a perguntar: qual é a alternativa? O extermínio que os maluquinhos dos fanáticos religiosos fariam diligentemente entre duas orações?...

É muito fácil a intransigência de princípios com o sangue e a vida dos que estão para lá longe e não nos são nada.

P.S. - Não estou optimista, a começar pelo facto de o dito Bibi estar na equação.

2 versos de Rui Knopfli

«Servidor incorruptível da verdade e da memória / escrevo sentado e obscuro palavras terríveis»

«Proposição», O Escriba Acocorado (1978)

David Benoit, «Frieda»