«Não falo sequer da orquestra, que é excelente; limito-me a mostrar-lhes uma cabeça branca, a cabeça desse velho que rege a orquestra, com alma e devoção. / Chama-se Romão Pires; terá sessenta anos, não menos, nasceu no Valongo, ou por esses lados. É bom músico e bom homem; todos os músicos gostam dele.» Machado de Assis, «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884)
«Depois, morre a erva, já pouca, queimada pelo gelo, seca o leite das fêmeas, e cresce a fome dos pastores. / Manuel Libório era homem rico, senhor de terras e de muitas cabeças. Melo Bichão era pastor velho e pobre, a quem já ninguém confiava o gado.» Mário Braga, «Balada», Serranos (1949)
«Agarrou numa camisinha de seda, diáfana, com rendas. Quem diria que aquela senhora, sempre de preto, ar inconsolável de viúva, usava por dentro coisas tão supérfluas? / Começou a lavar. A Alice conhecia pelas manchas da roupa a vida do freguês e o seu carácter.» Miguel Barbosa, «A dança», Retalhos da Vida (1955)
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«Mas não tugia, que a magana mais asseada na maroteira não alumiava a rosa do sol. Naquelas noites de encontro, seroava como sempre, e, ao romper da manhã, mal o padre tangia o sino, a tamanquinha dela era a primeira a acordar as ruas adormecidas. Assim fosse esperta a não conceber como era a encobrir! Mulher de perdição, ao pé, a sua patroa era uma cavaca, uma perfeita carga de ossos com a pele a arregoar sobre as jogas, sempre de espinhela caída e a gemer-se do soventre depois que sofrera o desmancho. Louvores a Deus, os dois moleques eram rijos e tesos, pouco herdados do lençol de baixo.»
Aquilino Ribeiro, "Terras do Demo". Romance. (1919)
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