segunda-feira, julho 05, 2021

confundir cu e calças

 Às vezes acordo tarde, e como o chaço do meu despertador só ouve a Antena 1 (a emissão musical durante o dia está abaixo de cão, desde que saiu o António Macedo), acontece apanhar o "fala com ela", que me faz saltar logo da cama. Ora, neste sábado levantei-me  nauseado com as banalidades emitidas por um fulano que produziu um opúsculo sobre a "nova masculinidade". É tão nova que pôs do avesso um título célebre de Luís de Sttau Monteiro, com mais de sessenta anos, Um Homem não Chora. Então, Os Homens Também Choram mostra a diferença entre a virilidade de uma posição crítica num contexto de censura e repressão (Sttau foi preso pela Pide) e esta coisinha pífia e maricas da nova masculinidade. Eu, que sempre fui velho e me sinto cada vez mais antigo, sou um tipo de lágrima fácil, farto-me de chorar. 

É verdade: ainda há marialvismo, que é um tipo de masculinidade cretina; e machismo em barda, e é óbvio que a violência doméstica é um flagelo, mas isso tem que ver principalmente com educação e civismo, que, como sabemos não abunda no rectângulo. Se houver por aí algum homem abaixo dos cinquenta anos que se sinta beliscado na virilidade por pôr a mesa, lavar a loiça, engomar, tratar dos filhos, etc., internem-no numa ala psiquiátrica, por falta de empatia, ou num campo de reeducação maoísta como inimigo do povo, pois não se trata de um caso de masculinidade, mas de saúde mental ou iliteracia cívica. Aliás, não conheço nenhum homem de nenhuma idade para quem isso constitua qualquer espécie de problema. Mas admito que ainda exista por aí. Masculinidade e violência doméstica, ou até onde se pode ir no estereótipo. 

Nasci e cresci num meio moderadamente machista (o normal numa família alargada de classe média na década de 1960), como me lembro de ver o meu avô paterno coser à máquina e pendurar cortinados, tenho muito pouca paciência para generalizações fáceis. É como a história do racismo sistémico que para cá quiseram importar e que os novos analfabetos, masculinos e femininos, engolem sem dor.

Corria o programa ainda no início, e antes de fugir para a casa de banho, lá veio a lengalenga dos brinquedos para meninos e meninas: porque não se compravam bolas às raparigas (a sério?) ou um nenuco aos rapazes? Seria mesmo um nenuco que estaria na mente do cidad@o? A impressão com que fiquei é que na verdade o bom seria dar uma barbie aos rapazinhos ou luvas de boxe às meninas (sim, vi o Million Dollar Baby, grande filme como os outros do Clint Eastwood). Tentar à outrance contrariar a chata da biologia, efeminar rapazes, masculinizar raparigas, num glorioso encontro da espécie em que o sexo é anulado, um sonho em que Romualdo passa a Custódia, porque se fartava de chorar no banho. 

Já para aqui escrevi que dos meus quatro filhos, foi a minha mais nova quem comigo mais brincou com carrinhos da Matchbox. E, por falar, em roupinhas e bonecos, sou da geração do Action Man; eu e os meus amigos brincávamos com os fatos de astronauta, explorador, militares dos três ramos, etc. A costureira lá de casa até fez um fato de cozinheiro...

É o ar do tempo merdiático: confundir o cu com as calças. 

6 comentários:

PNLima disse...

Eu ainda trabalho com um senhor que me olha de lado quando digo que o rapaz cá de casa me ajuda imenso. Mas faço questão de falar e repisar o assunto... pode ser que seja tarde, mas vai ouvir educadamente que os homens em nada são diferentes das mulheres.
Quanto aos brinquedos, eu sempre quis e tive um "guelas", um pião... e pai para ensinar, mas a minha falta de jeito fê-lo desesperar. Dá-me vontade de mandar essa gente tão pouco esperta ir coser meias.
Bravo pelo texto 😊
Cumprimentos
Paula

R. disse...

Obrigado, Paula!
um abraço

Belinha Fernandes disse...

Todos os dias me sinto velha e rabugenta porque são tantas as mediocridades e tantos a apreciá-las que chego a duvidar se estarei bem da cabeça. Notícias a propósito de coisa nenhuma, programas com entrevistados sem mérito. E eu até me acho tão flexível, com margem para muita palermice. Apreciei o texto. É difícil navegar estes tempos!

R. disse...

Obrigado! O melhor é mesmo não os ver...

sincera-mente disse...

Excelente, Ricardo! A sua ironia mordaz é insuperável.
Publique isso num sítio mais visível, v.g., num jornal.
Esta moda já enjoa... E o acrónimo desse pessoal, que não pára de crescer? O último que vi vai já em sete letras e tem no fim o sinal +, que é como quem diz 'aceitam-se sugestões para mais géneros; está tudo em aberto': LGBTQIA+

R. disse...

Obrigado, meu caro. Eu não tenho problema com os nomes, mas com um activismo insensato, que corre o risco de tornar-se contraproducente, pois fará crescer a intolerância. Eu critico a mistura com a pedofilia, que foi o que parece que a Hungria fez, e, jeito provocatório; agora não me venham dizer que pôr crianças e jovens ao abrigo do carnaval do género é uma questão de direitos humanos, é forçar demasiado a nota. E não há paciência.
Abraço