Staatsgalerie, Estugarda
terça-feira, outubro 31, 2006
segunda-feira, outubro 30, 2006
Relatório
Houve tempo em que julguei não ter tempo para ler.
E a minha máxima ambição foi então a de dispor de tempo para ler.
Uma página por dia.
Uma página de boa prosa.
Uma pauta de sinfonia aquiliniana, um fresco dum vasto painel de Paço d'Arcos (Joaquim).
Ler, ler, ler -- era só o que eu queria.
Na paragem da Carris, podia ser.
Foi nessa altura que ganhei o hábito de fugir ao almoço.
Para ler, ler, ler.
Voltado para a parede, para não aturar chatos e ler a sós com o meu livro.
Depois, deixei de saber falar.
Cada encontro um contratempo, uma irritação, um aborrecimento.
Ler, ler, leer!
Mas pouco para dizer, e nada para escrever.
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Joaquim Paço d'Arcos
domingo, outubro 29, 2006
Antologia Improvável #174 - José-Alberto Marques
COMO AS MÃES
Invoco musas, as mulheres minhas músicas.
Do silêncio invoco o estertor do som quando fala.
Percebo o essencial da música dodecafónica.
Exijo um bar para meter dentro dos cadernos da memória
Sonoridades, textos, agressões, olhos, mundividências, ossos.
Estou repartido, quando a noite cresce, entre bebedores de lume
Ácido
E a minha entrega aos reais bebedores
Matinais.
São diferenças de textos e de almas, de serenidades
E longos percursos de leituras.
Em sorte nada cabe.
Pela tarde eu hesito nos ápodos, nas formas, nos tailleurs.
Nos lábios que aquecem a ternura.
Há vestidos loucos e bâtons
Que avermelham o rosto à procura de lábios tintos.
Prefiro os teus olhos. É o caminho que persigo.
Sísifo.
Dói de mente,
Destrói-se o insignificante.
Que morrer é a metáfora do olhar.
Como as mães.
Para a violência do silêncio.
Hiperlíricas
Invoco musas, as mulheres minhas músicas.
Do silêncio invoco o estertor do som quando fala.
Percebo o essencial da música dodecafónica.
Exijo um bar para meter dentro dos cadernos da memória
Sonoridades, textos, agressões, olhos, mundividências, ossos.
Estou repartido, quando a noite cresce, entre bebedores de lume
Ácido
E a minha entrega aos reais bebedores
Matinais.
São diferenças de textos e de almas, de serenidades
E longos percursos de leituras.
Em sorte nada cabe.
Pela tarde eu hesito nos ápodos, nas formas, nos tailleurs.
Nos lábios que aquecem a ternura.
Há vestidos loucos e bâtons
Que avermelham o rosto à procura de lábios tintos.
Prefiro os teus olhos. É o caminho que persigo.
Sísifo.
Dói de mente,
Destrói-se o insignificante.
Que morrer é a metáfora do olhar.
Como as mães.
Para a violência do silêncio.
Hiperlíricas
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José-Alberto Marques
sábado, outubro 28, 2006
Se vem depois dos males a ventura, / Vem depois dos prazeres a desgraça.
Tomás António Gonzaga
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Tomás António Gonzaga
Correspondências #65 - Alexandre Herculano a José Estêvão
(Enviando-lhe um presente de gallinhas e doce)
Amigo José Estevam
Descobri cá essas 6 filhas de Jephté que servem para o sacrifício. São nubeis e conservam a sua virgindade. Já a choraram com as outras companheiras, não nos montes da Palestina, mas no Monsanto. Podem offerecel-as em holocausto, começando pelas mais gordas. O Deus d'Israel gosta das victimas gordas, testemunhas Samuel e o rei Agag.
Vão também esses seis covilhetes de gila: achei cá ainda uma abobora do anno passado, mas só uma; por isso vae tão pouco. Os entendedores prohibem que se faça d'este doce com abobora do mesmo anno; e eu não estou para perder a minha reputação por amor de você.
Amigo
Herculano
In 1810-1910 -- Herculano -- Homenagem da Cidade do Porto
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sexta-feira, outubro 27, 2006
À atenção dos dâmasos
Não li o Equador; não sei se alguma vez o lerei. Nunca corri atrás dos best-sellers, tenho até um reflexo condicionado que me impede de ler um livro ou de ouvir um disco exposto e comentado em demasia. Mas não tenho nada contra o romance de Miguel Sousa Tavares -- comentador que admiro --, e até admito tratar-se duma excelente narrativa que me esteja a passar ao lado. O que li hoje no DN sobre o alegado plágio é de tal forma canhestro que nem sei se valerá a pena o MST descarregar duas pauladas nos caluniadores, uma vez descobertos. Para canalha desta, para estes cobardes que se acobertam do anonimato para impunemente dar vazão ao despeito, recomendo que se use o método Carlos da Maia diante do Dâmaso: cruzando-nos com lixo humano que procurou causar-nos dano, cuspa-se-lhe no focinho.
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Miguel Sousa Tavares
quinta-feira, outubro 26, 2006
Caracteres móveis - Dmitri Shostakovich
Ou dizemos a verdade sobre o passado, ou calamo-nos.
«Sinfonias de Guerra»
(documentário da ZDF, 1997)
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Dmitri Shostakovich
quarta-feira, outubro 25, 2006
Antologia Improvável #173 - Jorge Reis-Sá
A MINHA MÃE ESTÁ SENTADA NO ALPENDRE
à minha mãe, advérbio de estar
A mãe está sentada no alpendre a ver os advérbios passar:
serenamente, completamente, em paz. Como se a paz fosse
um advérbio de modo de estar, um orgulho. A mãe está sentada
no alpendre olhando em frente o campo, o cemitério, a igreja,
o padre celebrando a missa, celebrando os mortos. A mãe vê
a serenidade completa da paz atravessar-lhe o corpo e deitar-se
sob o mármore, sob as lápides, sob as flores e o ar que as esvoaça.
A mãe vê os advérbios passar, levando-lhe a paz. E uma vez
mais o padre, na igreja, dizendo: Senhor, dai-nos a paz.
Biologia do Homem
à minha mãe, advérbio de estar
A mãe está sentada no alpendre a ver os advérbios passar:
serenamente, completamente, em paz. Como se a paz fosse
um advérbio de modo de estar, um orgulho. A mãe está sentada
no alpendre olhando em frente o campo, o cemitério, a igreja,
o padre celebrando a missa, celebrando os mortos. A mãe vê
a serenidade completa da paz atravessar-lhe o corpo e deitar-se
sob o mármore, sob as lápides, sob as flores e o ar que as esvoaça.
A mãe vê os advérbios passar, levando-lhe a paz. E uma vez
mais o padre, na igreja, dizendo: Senhor, dai-nos a paz.
Biologia do Homem
terça-feira, outubro 24, 2006
Dylan rock & folk
Dylan electrificado deu a polémica que se conhece, há pouco revisitada por Martin Scorsese no excelente «No direction home». Muito contestado pelos militantes do folclore, o músico pretendeu, nessa altura, agradar a gregos & troianos nos seus espectáculos: uma primeira parte mais folk e acústica, a outra mais rock e eléctrica. É o que se vê neste «George Jackson», tema nunca editado em álbum de originais: só que aqui -- imposições do mercado... --, a «Big band version» vinha no lado A e o Bob Dylan dos puristas, no outro.
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segunda-feira, outubro 23, 2006
Caracteres móveis - James Joyce
A suprema questão sobre uma obra de arte é saber qual a profundidade de vida de onde emerge.
Ulisses
(tradução de João Palma-Ferreira)
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domingo, outubro 22, 2006
Correspondências #64 - Alfredo Pimenta a Joaquim de Carvalho
[12-11-26]
5.ª feira
Ex.mo Snr: -- V.ª ex.ia ha de fazer-me a justiça de acreditar q. eu não publicaria cartas da senhora D. Carolina Michaëlis q. não pudessem ser publicadas. De todas ellas só uma aparece com um corte -- o corte de uma phrase, -- não pela auctora da carta, mas por mim -- e porq. se refere a um incidente m.to intimo da minha vida particular com q. o publico nada tem. De resto, todas as cartas daquella illustre Senhora são publicaveis. E se alguma o não fosse, eu seria o primeiro a furtal-a á publicação. No entanto, para respeitar os excessivos escrupulos de V.ª ex.ia, como ellas antes de compostas na typographia vão ás suas mãos, V.ª ex.ia emittirá o seo parecer, pois q. previamente as lerá. Com m.to prazer escreverei ao Dr. Joaquim de Vasconcellos, a preveni-lo da edição deste trabalho, por uma questão de delicadeza e deferencia m.to merecidas -- e por mais nada. Pois q. tanto o trabalho erudito como as cartas são meos -- e só eu sou juiz da sua publicação ou da sua divulgação. Um dia destes enviarei a V.ª ex.ia os originais. Na copia, ha algumas faltas, ou porq. o copista leo mal, ou porq. não soube reproduzir. As provas, revejo-as eu -- e assim corrigirei os defeitos do copista.
De. V.ª ex.ia m.to ad.or grato
A.P.
Cartas de Alfredo Pimenta a Joaquim de Carvalho
(edição de Maria do Rosário Azenha e Olga de Freitas da Cunha Ferreira)
sábado, outubro 21, 2006
Antologia Improvável #172 - Rui Lage
CÉU ABERTO
Diz-se
que em certas noites
dorme no monte junto ao cavalo;
que bebe muito e cai pela terra
em redondo o pensamento,
que a sua cama não tem lençóis
e que a suportam quatro tijolos;
que nunca lava as escadas
e que nunca lava a roupa
embora permaneça preso ao ribeiro
muito depois
de as mulheres terem partido.
As árvores, que se saiba,
não se lavam
e dormem ao relento
encostadas ao cavalo do estio
(se assim não fosse não amaria
o que já não seriam árvores).
Berçário
Diz-se
que em certas noites
dorme no monte junto ao cavalo;
que bebe muito e cai pela terra
em redondo o pensamento,
que a sua cama não tem lençóis
e que a suportam quatro tijolos;
que nunca lava as escadas
e que nunca lava a roupa
embora permaneça preso ao ribeiro
muito depois
de as mulheres terem partido.
As árvores, que se saiba,
não se lavam
e dormem ao relento
encostadas ao cavalo do estio
(se assim não fosse não amaria
o que já não seriam árvores).
Berçário
sexta-feira, outubro 20, 2006
Caracteres móveis - Blaise Pascal
Condição do homem: inconstância, tédio, inquietação.
Pensamentos
(tradução de Américo de Carvalho)
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quinta-feira, outubro 19, 2006
choque de esculturas
Quando Picasso comprou a primeira estatueta africana, deu-se um choque de esculturas na arte ocidental.
quarta-feira, outubro 18, 2006
Antologia Improvável #171 - Jaime Ferreri
EMBARQUE
Não sei se moço
se menino ainda
senti-me embarcado
rumo à morte, à morte...
Quis o destino que com ela me cruzasse
E com raiva duas vezes desdenhasse
Da vontade que mostrava em me apanhar
Não sei se de Deus
se dos Meus que foram
ecoou por África o grito que ouvi
a dizer à morte para me poupar
Não por ser bondoso
ou por ter virtude
mas porque era moço
um menino ainda
que contra vontade
tive d'embarcar...
Pecúlio
Não sei se moço
se menino ainda
senti-me embarcado
rumo à morte, à morte...
Quis o destino que com ela me cruzasse
E com raiva duas vezes desdenhasse
Da vontade que mostrava em me apanhar
Não sei se de Deus
se dos Meus que foram
ecoou por África o grito que ouvi
a dizer à morte para me poupar
Não por ser bondoso
ou por ter virtude
mas porque era moço
um menino ainda
que contra vontade
tive d'embarcar...
Pecúlio
terça-feira, outubro 17, 2006
Caracteres móveis - José Lins do Rego
A sociedade que [Eça de Queirós] procurou castigar com um látego, que ele achava mesquinha e estúpida, tão convencionalmente parva, tão grotesca e tão pulha, dá-lhe motivo para o maior romance de sua literatura. Porque uma sociedade que é capaz de Afonso da Maia, espécie de rei Lear, da grandeza de Shakespeare, nobre, e terra a terra, másculo e terno, profundo e manso, não é uma sociedade de «porcos», é um mundo de homens com o vigor, a tenacidade e a loucura daqueles que foram muito além da Taprobana.
«Eça de Queiroz e as influências provincianas»,
Livro do Centenário de Eça de Queiroz
(edição de Lúcia Miguel Pereira e Câmara Reys)
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segunda-feira, outubro 16, 2006
baboseira
Se o bêbedo bebe
o bêbado beba?
Bêbedo com a bebedeira
bêbado com a bebadeira.
Bebo-lhe?, beba-lhe?
Bebe-lhe!
o bêbado beba?
Bêbedo com a bebedeira
bêbado com a bebadeira.
Bebo-lhe?, beba-lhe?
Bebe-lhe!
domingo, outubro 15, 2006
Antologia Improvável #170 - João Miguel Fernandes Jorge (2)
CASTELO DE SANTA MARIA DO BOURO
O claustro caiu há muito. O abade seguiu o partido
do Mestre, levou 600 homens para a defesa da fronteira.
Arcos de volta perfeita, as colunas
resistem.
Bernardo, peregrino, visita as casas de Cister.
Está sentado, ao fim
do dia de janeiro, numa das lajes
que ladeiam a levada. Os pés em balanceio no
fio dessa água que divide
a quadra antiga -- fetos
e avencas. O laranjal inscreve no granito um ritmo que se desdobra
no ocre da parede, na esquadria de ferro do tecto.
No extremo do longo corredor, Bernardo, o monge, o vencedor [do duque de Aquitânia
um dos seus dedos segue o rosto limpo, a ossatura de um
crânio, o azul de vazada órbita
os pêlos da barba a espaços
impresso o lábio vagaroso
a água percorre o rigor, outrora, do claustro -- e o fogo
lume de janeiro.
Castelos -- I a XXV
O claustro caiu há muito. O abade seguiu o partido
do Mestre, levou 600 homens para a defesa da fronteira.
Arcos de volta perfeita, as colunas
resistem.
Bernardo, peregrino, visita as casas de Cister.
Está sentado, ao fim
do dia de janeiro, numa das lajes
que ladeiam a levada. Os pés em balanceio no
fio dessa água que divide
a quadra antiga -- fetos
e avencas. O laranjal inscreve no granito um ritmo que se desdobra
no ocre da parede, na esquadria de ferro do tecto.
No extremo do longo corredor, Bernardo, o monge, o vencedor [do duque de Aquitânia
um dos seus dedos segue o rosto limpo, a ossatura de um
crânio, o azul de vazada órbita
os pêlos da barba a espaços
impresso o lábio vagaroso
a água percorre o rigor, outrora, do claustro -- e o fogo
lume de janeiro.
Castelos -- I a XXV
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João Miguel Fernandes Jorge
sábado, outubro 14, 2006
Correspondências #63 - Eça de Queirós a Emília de Castro
Brístol, 14 Setembro, 1885
Minha Senhora
Agora que recebi, com que reconhecimento e alegria escuso de o dizer, o consentimento de sua mãe, como tinha recebido o seu, -- creio que posso escrever-lhe directamente. Desejava mesmo fazê-lo intimamente; -- e é à mon coeur défendant que digo ainda minha senhora por um resto de hesitação e de embaraço. Mas a nossa situação é tão original! Há meses apenas, separávamo-nos meros amigos, aparentemente. (Digo aparentemente porque, do meu lado, os meus sentimentos, fosse qual fosse a reserva que eu lhes impunha, não podiam decerto ser definidos por essa grave e regelada palavra amizade). E eis que, quase de repente, e sem transição como nos sonhos, nos encontramos com os nossos destinos ligados um ao outro para sempre! Faltou pois nas nossas relações esse lento desenvolvimento e transformação que faz com que se passe insensivelmente das formas de simples simpatia às formas mais carinhosas da perfeita união de corações. E aí está como eu me acho a dizer-lhe, como outrora -- minha senhora. Creio que nestas circunstâncias originais, o que temos a fazer já é tratar alegremente de briser la glace. E esta carta não tem mesmo outro fim. É como se eu em pessoa me adiantasse para si, com um bocadinho de embaraço naturalmente, e lhe dissesse estendendo-lhe a mão: Bem, está tudo arranjado, conversemos! E Deus sabe o longo, longo desejo que eu tenho de conversar! Estou-me mesmo reprimindo heroicamente para não encher páginas por aí além com as coisas infinitas que tinha a dizer-lhe! Verdadeiramente infinitas, sentimentos, esperanças, perguntas, dúvidas, mil coisas!... Mas, como disse, esta carta é apenas um primeiro encontro -- um desses primeiros encontros, encantadoramente embaraçados, em que o muito que se sente é sobretudo expresso pelo pouco que se diz. Da sua parte espero que venha também um pouco ao meu encontro mandando-me algumas linhas com a pressa que o seu coração lhe pedir. Assim a glace sera toute à fait brisée. E eu mesmo começo, abandonado o cerimonioso minha senhora -- e pedindo-lhe, minha cara amiga, para me dizer todo seu, e para sempre, com a mais perfeita, absoluta afeição.
Queiroz
Correspondência Epistolar
(edição de A. Campos Matos)
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Emília de Castro
sexta-feira, outubro 13, 2006
Orhan Pamuk: outras boas razões
O novo Prémio Nobel da Literatura, o turco Orhan Pamuk, foi apresentado pelos telejornais desta noite como um «escritor político», defensor da causa arménia e curda, atitude que já lhe causou alguns amargos de boca no seu país natal. Se esse posicionamento é respeitável, não se segue que esta postura humanista faça obrigatoriamente dele um assinalável escritor. Uma literatura só de boas intenções é, geralmente, uma literatura má -- como má é a que se autojustifica e esgota nela própria. Pamuk, na peça televisiva que vi, reage muito bem, dizendo o que se espera de um premiado desta envergadura, originário de um país sem tradição nobelitável: «Entendo este prémio como uma homenagem à literatura, à língua e à cultura turcas.» A forma, porém, como mediaticamente ele nos é apresentado, deixaria aquela sensação desagradável -- como já sucedeu em vários outros casos -- de esta ser uma distinção atribuída por razões eminentemente políticas, pouco tendo que ver com a arte literária de que ele deverá ser um dos mais assinaláveis cultores na actualidade, exactamente pelo galardão que acaba de ser anunciado. Ciente disto, Orhan Pamuk assumiu-se como um «escritor literário», alguém que pesquisa, que experimenta, que corre riscos quando escreve; isto é, um verdadeiro escritor, um artista da palavra e da narrativa com a excelente vantagem de não estar alheado do contexto epocal que lhe coube viver. Fiquei, por isso, muito curioso e com vontade de comprar os seus livros.
foto
foto
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Orhan Pamuk
quinta-feira, outubro 12, 2006
Antologia Improvável #169 - José Manuel Travado
GATO
Nureyev
em spargatta
ao sol
Cruzamentos
Nureyev
em spargatta
ao sol
Cruzamentos
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José Manuel Travado
quarta-feira, outubro 11, 2006
terça-feira, outubro 10, 2006
Caracteres móveis - Eduardo Lourenço
A única actividade humana criadora de sentido, por ser aquela através da qual os homens buscam determinar um sentido para o que são e fazem, não é nem pode ser alheia à política, mas só ela lhe confere dignidade e finalidade: é aquilo que habitualmente se chama Cultura.
O Complexo de Marx
segunda-feira, outubro 09, 2006
Antologia Improvável #168 - Manuel de Freitas (3)
STABAT MATER IV
A luz fria de Dezembro consentiu
que erguesse a mão, a que nada
tinha para dizer. No dia em que fazia anos.
"Tudo morreu" -- voltou a dizer Aurora, Dona
Aurora, última sobrevivente de um bairro
em que pretos e ucranianos procuram como ela
comprar mais barato tudo aquilo que nos mata.
A quem deixará, não sabe, tantas bonecas,
coisas de perder concretas, de Espanha
ou de longe trazidas. O tecto -- reparem --
caiu um pouco mais. O frigorífico está desligado.
São poucos os clientes que lhe suportam
a miséria, panela de couves sem lume.
Com a poesia, bem sei, é a mesma coisa.
Mas eu prefiro esta taberna a todos os poemas
que já li. Não foram muitos, de resto.
Encostamos a porta -- uma caixa de bolachas,
pelo dia dos seus anos, dirá a ninguém
que estivemos ali. Dois dias antes do Natal,
à espera de que tudo finalmente morra.
A Flor dos Terramotos
A luz fria de Dezembro consentiu
que erguesse a mão, a que nada
tinha para dizer. No dia em que fazia anos.
"Tudo morreu" -- voltou a dizer Aurora, Dona
Aurora, última sobrevivente de um bairro
em que pretos e ucranianos procuram como ela
comprar mais barato tudo aquilo que nos mata.
A quem deixará, não sabe, tantas bonecas,
coisas de perder concretas, de Espanha
ou de longe trazidas. O tecto -- reparem --
caiu um pouco mais. O frigorífico está desligado.
São poucos os clientes que lhe suportam
a miséria, panela de couves sem lume.
Com a poesia, bem sei, é a mesma coisa.
Mas eu prefiro esta taberna a todos os poemas
que já li. Não foram muitos, de resto.
Encostamos a porta -- uma caixa de bolachas,
pelo dia dos seus anos, dirá a ninguém
que estivemos ali. Dois dias antes do Natal,
à espera de que tudo finalmente morra.
A Flor dos Terramotos
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Manuel de Freitas
domingo, outubro 08, 2006
State of democracy
Na Rússia liderada por um agente do KGB, uma jornalista altamente incómoda aparece morta nas vésperas de publicar uma reportagem sobre a tortura na Tchetchénia; nos Estados Unidos presididos por um incapaz rodeado por um punhado de bandidos, Bob Woodward publica State of Denial, um livro com perspectivas sombrias para o desenrolar da guerra no Iraque e que causará grandes dores de cabeça à camarilha presidencial. Apesar de tudo, Woodward não terá a mesma sorte da sua infeliz e corajosa colega russa.
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George W. Bush,
Vladimir Putin
Correspondências #62 - Gomes de Amorim a Almeida Garrett
Ilmo Snr.'
Não he sem tremer que me atrevo a pegar na pena para me deregir a V. Exca a quem amo com o mais profundo respeito: mas que fazer Senhor? quando a nececidade bate a porta. Já teve a ouzadia de vos escrever outra carta na qual vos pintava a minha mizeria, a vós Senhor a vos que sabereis avaliar as desgraças de nossa mizeravel vida. emfim Senhor a minha he tál, que vo-la naó pintarei. a oito annos nesta terra sempre infeliz pobre e mizeravel tenho tragado a longos tragos a taça da dizesperação.
Se minhas inflecidades vos comoverem póssa eu contar que a vossa generozidade me faça voltar a minha patria, a minha patria!... ah! que este nome e a lembrança de que póssa lá voltar consoláo a minha existençia: também já emigra[s]tes Senhor, já vivestes longe de Portugal, deveis conheçer quanto isso custa. porem para que ser mais estenço, se vos condoerdes mandar me heis ir para lá; tenho dezoito annos, poderei ser o minimo de vossos criados, apezar que o meo maior dezeijo era instruirme, mas servindo vos será a mesma coiza.
perdoai Senhor o temerario arrojo de a vós me derejir e apelo o meo perdaó para a vossa generozidade, rogo-vos que queirais ter o incomodo de me responder e fazer me saber qual a vossa vontade aqui me ingeitarei sem replicar.
Oxalá me seija a minha sorte tao favoravel qe póssa ao menos dizer como Camóes «Patria ao menos junto morremos» palavras sublimes que sahiraó de vosso peito porque vós milhor que ninguem as comprendeis.
Adeos Snr' dezejo que gozeis a mais perfeita saude e todo quanto vos pertença. perdoai de ir enterromper com couzas frivolas o quadro de vossa felecidade.
Cidade do Pará 27 de Julho de 1845
De VExca mtº attº Vor. Cr.º
Francisco Gomes de Amorim
In Costa carvalho, Aprendiz de Selvagem -- O Brasil na Vida e na Obra de Francisco Gomes de Amorim
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Francisco Gomes de Amorim,
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sábado, outubro 07, 2006
Caracteres móveis - Máximo Gorki
Todo o homem que fala de si, mente fatalmente. Mente no infortúnio para despertar a compaixão... Mente também quando é feliz, para excitar a inveja. E, em suma, porque mentindo é o único meio que tem de conseguir que os outros se interessem por ele.
O Vagabundo Filósofo
(tradução de Alice Ogando)
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sexta-feira, outubro 06, 2006
Antologia Improvável #167 - José Emílio-Nelson
MAJESTIC CAFÉ
No Majestic meninos (e meninas)
Alargam orelhas
Inclinados no estuque.
Azedam natas.
Bebe-se café à chávena.
Majestic Café.
Vidro lapidado agreste
Incita à entrada
E dentro dos espelhos a cismar
Já não se cospe.
Cuspiu-se na latrina.
Mesmo assim gris
Do sopro saturado do café e
Das risadinhas das almas.
Vida Quotidiana e Arte Menor / A Alegria do Mal -- Obra Poética I
No Majestic meninos (e meninas)
Alargam orelhas
Inclinados no estuque.
Azedam natas.
Bebe-se café à chávena.
Majestic Café.
Vidro lapidado agreste
Incita à entrada
E dentro dos espelhos a cismar
Já não se cospe.
Cuspiu-se na latrina.
Mesmo assim gris
Do sopro saturado do café e
Das risadinhas das almas.
Vida Quotidiana e Arte Menor / A Alegria do Mal -- Obra Poética I
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José Emílio-Nelson
quinta-feira, outubro 05, 2006
Hoje é feriado?
Não me apetece nada celebrar a mudança de moscas do 5 de Outubro. Ainda por cima para acabar em chavascal no horrendo 28 de Maio. Para mim, só faz sentido comemorar o 25 de Abril, que nos libertou do estado policial, liquidou o império e nos deu da Europa uma perspectiva de cidadania, onde antes havia exportação disfarçada de mão-de-obra barata.
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da história,
da impaciência
quarta-feira, outubro 04, 2006
Figuras de estilo - Alexandre Babo
Por vergonha minha, de heróico em mim só havia a falta de coragem de voltar atrás.
Recordações de um Caminheiro
terça-feira, outubro 03, 2006
Antologia Improvável #166 - Luís Filipe Cristóvão
os homens conversam na soleira da porta.
lá fora os cães, as crianças correm.
é sábado de tarde, sopra uma brisa.
os homens falam dos seus assuntos,
ligeiros, as crianças inventam os seus jogos,
cada vez mais sérios. dentro das casas,
as mães sopram o vapor dos bolos acabados de cozer
e a televisão canta músicas muito calmas.
os homens conversam na soleira da porta.
Registo de Nascimento
lá fora os cães, as crianças correm.
é sábado de tarde, sopra uma brisa.
os homens falam dos seus assuntos,
ligeiros, as crianças inventam os seus jogos,
cada vez mais sérios. dentro das casas,
as mães sopram o vapor dos bolos acabados de cozer
e a televisão canta músicas muito calmas.
os homens conversam na soleira da porta.
Registo de Nascimento
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Luís Filipe Cristóvão
segunda-feira, outubro 02, 2006
Pinheiros
pinheiro devastado
arrancado à infância
arrancada às raízes
pinheiros meus árvores
arrancadas à devastada
infância em flor
arrancado à infância
arrancada às raízes
pinheiros meus árvores
arrancadas à devastada
infância em flor
domingo, outubro 01, 2006
Correspondências #61 - Carlos Lobo d'Ávila a Oliveira Martins
Cascais 29 de Setembro 85
Meu caro Oliveira Martins
Há bastantes dias que estou com tenção de lhe escrever. Mas esta mofina vida de praias é esterilizador até para a epistolografia. De resto, tenho tido as Novidades quase sempre às minhas costas, o que é um verdadeiro pesadelo para a m.ª preguiça em vilegiatura. Enfim, passons au déluge!
Escrevi ao Navarro uma larga carta depois da conversa que tive em Lisboa com o meu amigo. A m.ª carta foi a Buarcos, cruzou-se com o Navarro no caminho, e só o veio apanhar de novo em Lisboa, onde ele esteve alguns dias. É claro que eu me referia à polémica entre a Província e o Popular, ao conflito inevitável criado por ele, e que lhe perguntava o que pensava a tal respeito.
O Navarro respondeu-me franco e claro. Não quer sacrificar-se pelo Mariano, mas não quer identificar-se com a guerra que lhe fazem. A sua fórmula foi esta: por ora só sei para onde não quero ir. O meu amigo compreende o caso; é para o José Luciano. Sabe também como eu penso a tal respeito, e percebe portanto a flutuação, a incerteza, a anódina reserva em que paira por isso a orientação das Novidades.
De resto não insisto em comunicar-lhe o meu modo de pensar pessoal sobre as coisas e os homens. O meu amigo de sobejo o conhece. Sabe também como eu admiro o seu talento, prezo o seu carácter e estimo a sua pessoa. Tenho fé em que a vida nova há-de afinal triunfar; mas a nossa suprema dificuldade, neste momento, além da febre de ganância que oblitera os carácteres políticos, é a pouca robustez do nosso bom e querido Braamcamp, sobre cuja morte descontam já as suas letras todos os magnates do partido progressista. Garantam ao Braamcamp dez anos de vida, e o partido une-se, porque se acaba com a luta de ambições, que internam.te o devora, e porque o futuro certo faz esvair todas as miragens de futuros imaginários.
Até para o nosso caso, o Navarro deixaria de ter um José Luciano de Damocles suspenso sobre a sua cabeça, como um eterno cauchemar, e havia de marchar mais direito e resoluto.
Como, porém, não é possível fazer um contrato com o Criador relativamente à vida do nosso insubstituível chefe, resta ir boiando nestas águas turvas, em que vários pescam negócios, enquanto nós só apanhamos sensaborias no nosso anzol.
Escreva-me o meu amigo sempre que puder, na certeza de que as suas cartas são sempre m.to apreciadaspor quem é deveras
Seu am.º e adm.or certo
Carlos Lobo d'Ávila
P. S. Recados ao Barros e ao Luís. É inútil que eu diga que esta carta é só para nós. Falo-lhe como a um amigo, em quem muito se confia.
In F. A. Oliveira Martins, D. Carlos I e os «Vencidos da Vida»
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