domingo, novembro 23, 2025

o que está a acontecer

«Ramon Berenguer de Cabanellas y Puigmal já era célebre, quando, por fusão de duas turmas, passou a ser meu colega no 6.º ano dos liceus. As suas calmas e sonhadoras extravagâncias, o seu ar de senhor de idade, o mistério de adulto de que rodeava a sua figura pequena e atlética, a sua profunda convicção de que, desde o século XII ou XIII, a Espanha devia à sua família o condado de Barcelona, as perguntas absurdas feitas com o ar mais convicto e ingénuo do mundo, com que ele era o terror dos professores inseguros, e o seu famoso sistema filosófico que tudo explicava e o dispensava, "graças ao controle das energias do cérebro", de estudar as lições (salvo em casos de última emergência), tudo isto não fazia dele um ídolo nem um chefe, mas um ente respeitadíssimo, apesar da ironia com que todos o apontavam.» Jorge de Sena, Sinais de Fogo (póst. 1979)

«Por estes lados, o viajante só vê montes. Desertos, amarelados, pedregosos, às vezes com uma ermida no alto, outros coroados de espinhos. Nalgumas encostas os sulcos dos campos lavrados. Aqui e além bocados de vinha, casebres perdidos, rochedos cobertos de musgo, aldeias tão longínquas que são apenas manchas brancas na paisagem.» J. Rentes de Carvalho, A Amante Holandesa (2003)

«E a que foi acontecendo aos outros -- é a História que se diz? abro a porta do quintal. É um portão desconjuntado, as dobradiças a despegarem-se. Há muito tempo já que aqui não vinhas. Sandra era da cidade, gostava da capital, detestava a vida da aldeia. Lá ficou.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983)

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«Não se sabe se é nestes ou noutros que entronca Luís de Camões. Como se apagam na estirpe Perez e Tenreiros e brotam Vazes?
O Padre José Agostinho de Macedo, zoilo não destituído de senso crítico, escreve: ..."Este testemunho faz-me crer que o soldado chamado Luís de Camões que, como diz Couto, veio morrer em Lisboa de pura pobreza, não é aquele cuja genealogia é tecida por Manuel de Faria e Sousa e começada em Vasco Pires de Camões, no reinado de D. Fernando, em 1370, até Simão Vaz de Camões, casado com Ana de Macedo. Um homem tão ilustre, entroncado com as mais nobres famílias, chegaria a tanta miséria como a com que morreu, e não teria uma casa, nem uma renda, uma fazenda em Alenquer ou em Santarém? Seus pais nada teriam que lhe deixar, sendo filho único? O assento que se achou na Casa da Índia com a conta de 2000 réis que deram para embarcar como soldado plebeu e um dos alistados por aquele insignificante estipêndio, talvez prove a minha lembrança."
Em verdade, pouco se sabe sobre a justa linhagem de Luís de Camões. O próprio, porque fosse superior a embófias ou por outro motivo que ficou secreto, nunca se referiu aos pais, que os genealogistas retingiram do melhor sangue suevo. Basta o trabalho ímprobo a que se têm entregue, no propósito de lhe urdirem a linhagem, para nos capacitarmos do terreno ingrato que pisavam.»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões - Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)