segunda-feira, abril 05, 2021

a arte de começar

 «Manuel Portugal, meu saudoso e muito amado pai, no princípio dos anos setenta do século passado numa despedida em Lisboa, que por lástima haveria de descobrir ser a derradeira, entregou-me um extenso acervo de fotografias, documentos, cartas velhas esmaecidas e dois livros gordos de capa rígida ao tempo utilizados nos registos de caixa de comércio: assentamentos de deve e haver. Em linhas direitas numa letra redonda, certa, apontando ligeiramente para a frente, com as certezas absolutas em que sempre viveu, anotou e percorreu as muitas estações da sua vida e da família. Recuou na busca e colecção de memórias até ao meu trisavô paterno: o anspeçada Josué Cristina, um homem de costados e olhares levantados e direitos, o que lhe acarretaria bons dissabores e uma mão cheia de sustos.»

Mário Silva Carvalho (1948), Regresso a Quionga (2019)


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