sexta-feira, novembro 02, 2018

O LIVRO DOS AMORES INÚTEIS - I

amo a abertura interminável do primeiro concerto para piano do brahms à época mal recebido
amo a capitu
amo as capas da antologia do conto moderno da atlântida de coimbra concebidas pelo victor palla
amo a casa centenária da minha avó zé no estoril
amo a casa do balzac em paris longa caminhada à beira-sena para lá chegar
amo a casa do dickens em londres
amo a englishness dos genesis em selling england by the pound
amo a obstinação do meu pai militante activo do pcp aos oitenta e sete
amo a força de braço do john bonham a fustigar as peles
amo a lembrança da minha filha joana dizendo a estranhos chamar-se 'marta isabel'
amo a lembrança do meu filho antónio dizer a estranhos chamar-se 'antónio búfalo'
amo a lenda de despojamento e libertinagem do meu avô joão, da qual me sinto divertidamente herdeiro
amo a loucura do antero de quental da viagem à américa até a um banco de jardim em ponta delgada
amo a aguda lucidez do orwell
amo a memória celta da minha avó celeste
amo a minha mãe
amo a safadeza não-erótica do carlos drummond de andrade
amo a serra do caldeirão atravessada num rolls nos idos de setenta
amo os ângulos da escultura do antónio duarte
amo as mães que fazem porno
amo as mansardas das casas centenárias lembrando a casa centenária em que vivi sem mansarda
amo andarmos em mãos dadas
amo o adagietto da 5.ª sinfonia do thomas mann perdão do gustav mahler
amo o badalo benzo personagem criada pelo meu filho antónio
amo o badminton jogado pela minha filha capi
amo o delírio do sir john tenniel no país das maravilhas
amo o desenlace inesgotável da quinta de tchaikovsky
amo o esgar do pirata barba ruiva a bordo do 'falcão negro'
amo o gabinete de guerra do churchill ao som de londres bombardeada
amo o humor rugoso do goscinny aparentemente para todos
amo o kropotkin anarquista geógrafo príncipe revolucionário encarcerado evadido
amo o leite de vasconcelos de burro pelo país fora pesquisando um passado que no país era ainda presente
amo o leite vigor de odrinhas
amo o loiro dos teus cabelos grisalhos
amo o grisalho nos teus cabelos loiros
amo o rasgo da escultura do cutileiro
amo o sangue africano do meu avô zé
amo o toque na minha da tua pele
amo os combatentes na guerra civil de espanha, pela república
amo os dois volumes da correspondência do eça de queirós editados pelo guilherme de castilho na imprensa-nacional e lidos nos velhos estofos da linha do estoril
amo os dois álbuns do tintin que possuo editados pela flamboyant
amos os papéis da minha filha teresinha
amo os riffs etílicos do rory gallagher
amo os telhados de bruxelas em linha clara
amo todas as mulheres grávidas
amo todos os anarquistas a) coerentes b) sinceros c) verdadeiros (riscar o que não interessa)
amo todos os meus blogues
amo os períodos intermináveis do saramago, a lembrarem as divagações do nemésio na televisão

4 comentários:

M,Franco disse...

Tantos, e tão Queridos Amores.
Gostei mui...to.

R. disse...

Ainda bem
Abraço :)

Rui Luís Lima disse...

Não há palavras para comentar este post.
Apenas votos de um bom domingo,
(por aqui a chuva chegou em força).
Um abraço!

R. disse...

Obrigadíssimo, caro amigo.
Também por aqui, à beira-Atlântico, como é de uso e convém...
Abraço!