Marcelo Rebelo de Sousa proferiu uma declaração política sem mácula para o momento que se vivia, justificando plenamente as funções que exerce e a existência do próprio cargo na forma como é moldado pela constituição. Talvez tenha de recuar ao mandato de Ramalho Eanes para encontrar momentos tão substantivos da actuação presidencial. Nem Soares nem Sampaio, que me recorde, tiveram um momento com estes contornos, pelo menos em público. (Nem vale apena falar de Cavaco, um indivíduo que nunca teria dimensão para ir além de secretário-de-estado, e cuja investidura como chefe de governo e do estado exibe a indigência das elites políticas.).
O governo de António Costa merece censura? Merece-a toda, neste particular. São dois anos de executivo, é inútil argumentar com a pesada herança de Passos, que, tendo governado contra os portugueses, não se lhe podem ser assacadas responsabilidades pela balbúrdia na Protecção Civil.
Merecendo ser censurado, a reprovação já foi feita pela opinião pública, que felizmente tem cada vez menos pachorra para deixar-se iludir. Daí que seja também com justificado asco que as pessoas olhem para o oportunismo político de uma Assunção Cristas, anterior ministra da Agricultura -- a tal que recorria à 'fé' para enfrentar a seca, fé certamente emponderada (para usar uma palavra horrível) com muitas orações e genuflexões. Portanto, não será por aqui que o governo cairá, só se o PCP e o BE não tiverem também eles pudor.
Finalmente, sem ter pretensões a conselheiros político, será bom que a escolha do próximo MAI recaia em alguém com arcaboiço político suficiente para enfrentar a matilha da direita parlamentar. Esta faz lembrar aqueles documentários do David Attenborough: os chacais rodeando a manada de búfalos, à espera que uma mãe se distraia com a cria ou que um indivíduo velho ou doente fique para trás, esgotando-o pela fadiga. Tentaram-no com os ministros das Finanças, da Economia e da Educação, que chegaram bem para eles, cada um com o seu estilo; estão-no a fazer com o da Defesa, que tem também cabedal, mas que talvez não consiga resistir à enxurrada. Isto não é para ministros sem experiência política (lembremo-nos do desastre da ministra de Passos, que, sabe-se lá porquê, foi buscá-la à Universidade de Coimbra e, apesar da fachada de màzona, saiu trucidada), não é para carne tenra, é para ursos como, por exemplo, Carlos César ou outros do mesmo tipo, com experiência e peso político. Aliás, se há coisa que me dá gosto ver é quando o líder parlamentar do PS, com a brutalidade, sempre necessária mas nunca vulgar, para os que não têm vergonha, deixa knockout a direita parlamentar.