Sempre vivi com o turismo. Com dias, fui para casa dos meus avós maternos, no centro do Estoril. Há 53 anos no concelho de Cascais, estou habituado e gosto.
Em 1964, o Estoril não tinha nada que ver com o resto do país; era, como escrevera Jaime Cortesão oito anos antes, um mundo fora do mundo num país parado no tempo. No entanto, nada que ver com esta avalancha infernal que muito contribuiu para nos tirar da lixeira da Standard & Poor's, uma das muitas organizações mafiosas da finança que jogam com a vida das pessoas, com a cumplicidade de agentes políticos, a cobardia de outros e uma certa determinação combinada com uma finura cágada, como a do nosso Primeiro.
Bom, mas quanto tempo vai durar esta vida quasi petrolífera? Um ano?, uma década? (sabemos lá o que vai ser do mundo daqui a dez anos); um século? Aguenta-se a civilização mais um século? Aqui ou na Lua?, em Marte?...
É bom, como muitos têm alertado, que saibamos preparar-nos para o pós-turismo de multidões, para depois não ficarmos com cidades-fantasma nos braços nem de mãos nos bolsos, sem saber o que fazer e por onde começar, como quando, no outro dia, acabaram as especiarias do Oriente e o ouro do Brasil, especados a olhar para um país a fazer.
12 comentários:
Sem dúvida, será bom que nos preparemos para o dia em que os turistas se lembrem de ir para outro lado ou quando uma nova crise económica lhes retirar o dinheiro do bolso e passarem a ser bem menos. Acho triste que seja preciso percorrer seca e meca para encontrar uma drogaria no centro do Porto, ou que a única livraria dedicada exclusivamente à música se tenha transformado num restaurante de tapas. Mas também sei que sem o turismo, esse centro seria ainda uma cidade-fantasma povoada de edifícios a cair, vazios de gente (e a dita livraria fechou muito antes de se transformar num restaurante). Por isso, bem dito o turismo enquanto dura e espero que não vejamos nele mais uma árvore das patacas que serve para gastar à tripa forra até ao dia em que não há dinheiro (e aí não vale a pena culpar os estrangeiros). É preciso que saibamos conceber uma estratégia para o desenvolvimento, mas infelizmente diria que aí quase ninguém tem uma ideia de senso na cabeça. Não a Direita, que nos quer ver transformados numa espécie de Singapura onde abundam os baixos salários e a precariedade, e não a Esquerda à esquerda do PS, que sonha com o regresso da indústria pesada dos anos 70, o que não vai acontecer, até porque nesse campo há quem faça melhor ou mais barato do que nós...
Quando oiço o Jerónimo, é nisso que penso. Atribuo, porém, a retórica para militante ouvir, mais talvez do que a um atavismo de classe, que aliás muito respeito. Creio que o PCP tem massa crítica e sangue novo que baste que o sabe.
Quanto tempo vai durar este tipo de civilização? Boa pergunta.
Por muitas e variadas razões muita coisa tem de acontecer, e mudar.
Em Lisboa, na Baixa andamos a tropeçar literalmente em rebanhos
de turistas aparvalhados. Deixam dinheiro, mas será que o mesmo
vai ser aplicado para bem dos nacionais?
Até na Alemanha, poderosa economia, a degradação está a ser contestada.
Não acho nada disso. Se alguém tem senso dentro do PCP, essa pessoa é Jerónimo de Sousa que foi capaz de admitir que precisamos tanto de rigor nas contas públicas como de um perdão parcial da dívida (assino por baixo). O sangue novo do PCP não vê nada para além do dito atavismo de classe. Olha para a Economia como um mero instrumento para melhorar as condições de vida de quem trabalha, quando, infelizmente, tem que ser bem mais do que isto. Qual a estratégia que o País precisa para inovar, por exemplo? Em que indústrias e serviços deve investir (o PCP abomina o turismo porque a taxa de sindicalização é baixa e a precariedade alta), sendo que não são certamente aquelas que restaurariam o proletariado industrial sindicalizado, bem pago e altamente especializado que constituía a base tradicional dos comunistas nas cidades. Este mundo acabou e os intelectuais que gravitam à volta do PCP parecem incapazes de o reconhecer (a única pessoa que tem os pés bem assentes na terra é o Ricardo Paes Mamede que é independente, segundo penso).
Maria, creio que nunca como hoje vivemos com tantas oportunidades para o ser humano e, simultaneamente, nunca o abismo esteve tão próximo. Tudo dependerá de como olhamos para o copo...
Jaime, nunca subestimar nem o Jerónimo nem o próprio PCP. O Jerónimo, aliás, não decide nada sozinho, e eles sempre tiveram essa massa crítica, independentemente das gerações. É anticapitalista, tal como o Bloco, mas certamente já perceberam que o capitalismo é uma portentosa de avanço, em vária áreas, mas não podem ou não querem admiti-lo. Claro que terá de ser um capitalismo domesticado e não esta selvajaria predatória, esta economia de casino, este gangsterismo, este faroeste que tem de ser posto na ordem. Infelizmente, os outros partidos, PS incluído, mais não são do que serventuários desta crápula. Penso, aliás, que esta fase Costa é passageira, e que o PS rapidamente regressará ao caminho de venerador, atento e obrigado do financismo imperante.
Será uma moda, Portugal, como tantas outras que atravessam os tempos. Quando a moda passar a ver vamos como nos saímos!
Bom dia
Costa, meu caro, é um liberal centrista, como se vê pelas suas políticas e pelas pessoas que o rodeiam, digo eu. O que não tem é a admiração parola pelo capitalismo e pela tecnologia de um Sócrates, por exemplo (para além de ter outras qualidades que faltavam a este último, para nossa desgraça). E ainda bem que é um liberal centrista, digo eu. Em segundo lugar, os comunistas sempre reconheceram o papel progressista do capitalismo, basta ver as loas que Marx lhe tece no 'Manifesto'. Simultaneamente, fazem dele um diagnóstico muito mais lúcido do que quem está por dentro, tenho que o reconhecer (eu próprio incluído, claro está). O problema é que a alternativa que propõem é uma absoluta desgraça, como o empilhar dos corpos ao longo da História bem demonstrou e demonstra (olhe-se para a Venezuela, Cuba ou a Coreia do Norte). Continuam a advogar um sistema que só copia o que o capitalismo tem de pior, ou seja, o monopólio (de Estado). Evidentemente, a sua plataforma política hoje em dia é a que um Partido Social-Democrata teria há 40 anos, mas mesmo essa não tem nada a ver com a realidade. Como vamos manter (se é que podemos) níveis mínimos de bem-estar num mundo que não aguenta mais crescimento? A isto, os comunistas dizem nada e sonham com a recuperação da grande indústria, condição ideal para o seu crescimento eleitoral. Há talvez vias alternativas que passam pelo cooperativismo, mas sobre essas os comunistas não dizem nada (se é que tiveram alguma vez algum interesse por isso). E é pena, porque se BE e PCP não pensarem nisto, não estou nada a ver o PS a fazê-lo (se bem, que, creio, o Socialismo de Oliveira Martins e Antero se aproximasse mais da via cooperativa, mas não sei quase nada sobre isso). Mas leia um Louçã. que até está livre para não ter que falar com a cassete partidária e ele próprio não é apenas anti-capitalista, parece ainda fervorosamente pró-Estatista...
Paula, veremos...
Eu também digo: ainda bem que o Costa é um liberal! E é um reformista. Também não há condições para ser muito mais do que isso.
A alternativa histórica é uma desgraça -- não há como discordar; mas, lembrando que o mundo não é só Ocidente, é uma desgraça que se opõe ao imperialismo. Duas desgraças, portanto.
Pois, é isso mesmo: o mundo não aguenta mais crescimento, e portanto, a continuar por este caminho vamos estoirar. Qualquer político decente deveria falar disto. valha-nos o PAN, ao que parece.
O Antero era um proudhoniano, aliás como todos os principais da Geração de 70. Não sei qual seria a sua evolução, se não se suicidasse ainda novo: o Oliveira Martins, em ódio ao burguês capitalista, enveredou por um cesarismo, muito acarinhado por cá pelos corifeus do Estado Novo; o Eça, supremamente inteligente e de finíssimo espírito crítico, nunca pôs de parte o seu Proudhon, mantendo-se um liberal democrata e antijacobino.
Pois, o Louçã: não o leio, mas ouço-o com atenção. Como, nas actuais condições, não há possibilidade de acabar com o estado e criarmos as nossas comunas livres, talvez devamos ser todos um pouco pró-estatistas, pois a alternativa é alimentar a vampiragem (no sentido afonsino) ou pormo-nos nas mãos das potências estrangeiras, como a China.
Eu não tenho absolutamente nenhuma simpatia pelo Estatismo 'tout court'. Gostaria que tivéssemos mantido a ANA e a REN nas mãos do Estado, e defendo que a CGD aí permaneça, mas ainda me lembro do tempo em que a banca era maioritariamente pública e não tenho saudades (o serviço era de fugir, ainda o é na Caixa, mas menos) e acho que ganhamos alguma coisa com a concorrência no setor da eletricidade e das telecomunicações (bendita Vodafone) mas certamente que não da privatização da EDP ou da PT, que já não existe (e recorde-se que o sarilho remonta aos tempos de Guterres que achava imprescindível a internacionalização das nossas empresas e foi o que se viu). E basta ver a falta de qualidade dos serviços nos STCP ou na CP para se perceber que há algumas virtudes nas privatizações. Os serviços públicos devem servir o público e não os sindicatos da função pública. E se há empresas públicas, devem dar lucro ou fecham ou se vendem (claro, o Estado tem sistematicamente subfinanciado muitos dos serviços prestados por elas). Em resumo, a Economia estatizada é um desastre pelo menos tão grande como a privatizada, mas por razões diferentes e ainda é preciso aturar a pesporrência do funcionalismo público de antanho...
Os Ecologistas são conservadores no melhor sentido do termo. Os auto-proclamados Conservadores normalmente só querem conservar os seus privilégios,ou mesmo aumentá-los, o que faz deles de facto reacionários. E também me parece que existe uma profunda desconfiança relativamente ao progressismo no próprio socialismo libertário. O progresso pode trazer o fim do estado de necessidade da humanidade, mas se o preço a pagar é acorrentar os homens à servidão do salário (wage-slavery) e a destruição do meio ambiente, o que ganhamos realmente?
Parece-me que Eça não andaria longe dessa visão conservadora, pelo que conheço da sua obra (não conheço de todo o seu pensamento fora da criação literária). 'A ilustre casa de Ramires' é um hino a uma aristocracia wig generosa e iluminada (que provavelmente nunca existiu em Portugal, os aristocratas de antanho eram sobretudo miguelistas, se não estou em erro).
Sim, fazem-nos falta mais bons liberais. Nunca houve muitos, exceto talvez algumas velhas glórias do PSD daqui do Porto (como o saudoso Miguel Veiga), porque infelizmente os do PS são todos uns vendidos ao capital... Nos tempos que correm, resta o Pacheco Pereira. Os 'liberais' a la Passos Coelhos, que têm orgasmos quando pensam em Singapura, são ainda piores do que os do PS... Dá vontade de pegar no chicote e expulsá-los a todos, como Cristo fez aos vendilhões do templo...
Convém não esquecer que vária empresas públicas foram convenientemente sabotadas, exactamente para mostrar que o público era mau e o provado bom. Ou então para vendê-las barato.
Pois, não ganhamos, perdemos. Excepto, eventualmente, uns quantos que fiquem aquartelados em condomínios ou reservas defendidas por mercenários...
O Eça era de facto politicamente um liberal (uma tradição familiar, de resto) e que via Portugal um país doente e a saque. Na guerra civil, houve vários aristocratas de primeiro plano que abraçaram o liberalismo.
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