domingo, março 21, 2010

Mais vale ser pardal na rua / que rouxinol na prisão.

Um amigo enviou-me um excerto de «Sicko», em que o extraordinário Michael Moore faz o contraponto entre a política de saúde dos EUA e a da negregada Cuba. O mail vinha acompanhado das maiores diatribes contra o capitalismo e um elogio do sistema da ilha de Fidel.
O serviço de saúde que o estado cubano proporciona aos seus cidadãos é de altíssima qualidade, como o serão outros. Mas faz-me espécie a exaltação das virtualidades do regime em detrimento das defeituosas democracias liberais, tão odiadas pela mentalidade totalitária.
Eu recuso que para ter um estado dimensionado à medida do cidadão, em que os impostos são aplicados em benefício geral, tenha de abdicar doutros direitos humanos básicos, como o da tal liberdade. Abomino o capitalismo selvagem, e gostaria muito de poder tratar-me decentemente num hospital suportado pelos impostos, em vez de ter de recorrer a seguros de saúde; mas já me chateia que me tratem bem do corpo e depois me encarcerem o espírito.
É claro que isto sou eu a falar de barriga cheia. Acredito que se as minhas preocupações, após o pão de cada dia, se limitassem à vileza do escrutínio dos erros do árbitro contra o meu clube, ou saber as últimas calhandrices sobre a vida íntima duma figura qualquer da tv, vileza em que pasta a enorme maioria dos portugueses, tenho a certeza de que me estaria nas tintas para essa coisa comezinha que é a liberdade, sem tutela do estado e dos seus pides, sem consciência, porém, de que os meus direitos e a minha dignidade estavam sequestrados por uma clique que, para além de deter o poder, se arvorava como detentora de uma ética que a realidade estaria longe de demonstrar, como se viu noutras paragens.
Que ainda se defenda um sistema político para-soviético, um embuste inviável mesmo com recurso à mais iníqua opressão e manipulação, eis o que não cessará de me espantar.
Nem de propósito: vinha há pouco a ouvir no carro a «Balada do Estudante», do grande Adriano Correia de Oliveira, cantando o poema de Manuel Alegre: «Mais vale ser pardal na rua / que rouxinol na prisão.»

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