sábado, fevereiro 28, 2009
Figuras de estilo - José Saramago
quinta-feira, fevereiro 26, 2009
Antologia Improvável #359 - Cecília Meireles (3)
4.º MOTIVO DA ROSA
Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.
Rosas verás, só de cinza franzida,
mortas intactas pelo teu jardim.
Eu deixo aroma até nos meus espinhos,
ao longe, o vento vai falando em mim.
E por perder-me é que me vão lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.
Mar Absoluto / Antologia Poética
(desenho de Arpad Szenes)
Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.
Rosas verás, só de cinza franzida,
mortas intactas pelo teu jardim.
Eu deixo aroma até nos meus espinhos,
ao longe, o vento vai falando em mim.
E por perder-me é que me vão lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.
Mar Absoluto / Antologia Poética
(desenho de Arpad Szenes)
Pois assino
A mim, falta-me a pachorra para comentar o dia-a-dia deste país idiota, da idiotia de alguns dos seus líderes políticos e do oportunismo dos restantes, do analfabetismo dos magistrados e dos polícias, da falta de vergonha duns banqueiros-larápios (olha, que engraçado, "larápio", um substantivo que fica bem nas caras de fuinha desses banqueiros, uns já dentro, outros por enquanto ainda fora). Enfim, não tenho cu, como dizia Fernão Lopes.
Mas estimo uns quantos que se dão ao trabalho, nomeadamente João Paulo Guerra. É um prazer ouvir a sua revista da imprensa nas manhãs da Antena 1.
quarta-feira, fevereiro 25, 2009
caderninho
terça-feira, fevereiro 24, 2009
Figuras de estilo - Maria Gabriela Llansol
segunda-feira, fevereiro 23, 2009
Antologia Improvável #358 - Carlos Nejar (6)
ADÃO DEPOIS DA QUEDA
A paz me amava.
E o paraíso era
gozar a fonte
e a larva da criação.
Eva e eu estávamos
vestidos na palavra.
E desobedeci.
O conhecimento do mal
eu quis. E sou um odre
de carne e dúvidas,
um odre de pó, som,
úmidas fendas pela alma.
Um odre, um odre
que se esconde:
ora no côncavo da rocha,
ora no bosque, ora neste
vazio de quem se achando
rico, é pobre, pobre.
E Deus me chamou e indagou:
"Por que te ocultas?"
Mas Ele sabe e sua pergunta
aumenta esta vergonha
de ser homem e desterrado,
esta peçonha que a serpente
inoculou e ainda ressonha,
letal, com o sofrimento
que me agarra, o suor,
o braço do agravo.
Em Deus aguardo.
Pelos séculos, aguardo,
com meu odre quebrado.
Arca da Aliança
A paz me amava.
E o paraíso era
gozar a fonte
e a larva da criação.
Eva e eu estávamos
vestidos na palavra.
E desobedeci.
O conhecimento do mal
eu quis. E sou um odre
de carne e dúvidas,
um odre de pó, som,
úmidas fendas pela alma.
Um odre, um odre
que se esconde:
ora no côncavo da rocha,
ora no bosque, ora neste
vazio de quem se achando
rico, é pobre, pobre.
E Deus me chamou e indagou:
"Por que te ocultas?"
Mas Ele sabe e sua pergunta
aumenta esta vergonha
de ser homem e desterrado,
esta peçonha que a serpente
inoculou e ainda ressonha,
letal, com o sofrimento
que me agarra, o suor,
o braço do agravo.
Em Deus aguardo.
Pelos séculos, aguardo,
com meu odre quebrado.
Arca da Aliança
domingo, fevereiro 22, 2009
clube de leitura - O Dilúvio, de Assis Esperança
Assis Esperança, O Dilúvio, Sociedade Contemporânea de Autores, Lisboa, 1932. Inclui as narrativas breves «O senhor Morgado-Martins», «Uma aventura peregrina», «Três aspectos e uma só personagem», «O homem que perdeu o passado» e «O dinheiro».
Contos contra a quietação e a indiferença, o egoísmo e a pulsão interesseira: «Pertencem ao número dos inconscientes que se entregaram à mercê da corrente, as personagens destas novelas.» (da «Introdução»). Desfile de caracteres a quem a vida interpela: simples e ingénuos caídos nas armadilhas urdidas por outrém, fura-vidas que tiram partido da cupidez dos que com eles interagem, hipócritas prontos a trocarem os alegados padrões morais por bens bem mais materiais, preconceituosos que sacrificam à conveniência social a felicidade possível, derrotados que em vez do impulso libertário e libertador se quedam pela resignação amarga.
Personagens como o Sebastião Rodrigo de Melo e Castro, o fidalgo algarvio de velha cepa de «Uma aventura peregrina», ansiando pela tranquilidade que lhe permitem os rendimentos da venda das terras na província natal e no Alentejo para se dedicar ao estudo do árabe, o verdeiro interesse da sua vida; ou Rui de Albuquerque, ausente no estrangeiro por seis anos, vindo a encontrar família e amigos outros que não os deixados quando da expatriação, introduzindo nele próprio um factor de estranhamento, são figuras psicologicamente encorpadas. Estamos no mesmo ano do Elói ou Romance numa Cabeça, de João Gaspar Simões e na década do Jogo da Cabra Cega (1934), de José Régio. Ver-lhes as aproximações e as distâncias seria um exercício curioso.
A capa, com um Noé macróbio e bicharada da criação em arca de proa bem lusitana, é de Roberto Nobre e ilustra a magnífica introdução de Esperança.
sábado, fevereiro 21, 2009
caderninho
sexta-feira, fevereiro 20, 2009
quinta-feira, fevereiro 19, 2009
Figuras de estilo - Cyro dos Anjos
quarta-feira, fevereiro 18, 2009
Antologia Improvável #357 - Bernardo de Passos
O BAILARICO
P'las tuas mãos bebi água,
Mas vê que coisa, Maria!
A minha sede aumentava
Quanta mais água bebia
A minha sede aumentava,
Cada vez era maior,
Que a água não mata a sede,
quando essa sede é de amor.
Truz que truz, bati à porta,
Já meia noite era dada.
E a neve sempre a cair,
E a porta sempre fechada.
Adeus... / Obra Poética
(edição de Joaquim Magalhães)
P'las tuas mãos bebi água,
Mas vê que coisa, Maria!
A minha sede aumentava
Quanta mais água bebia
A minha sede aumentava,
Cada vez era maior,
Que a água não mata a sede,
quando essa sede é de amor.
Truz que truz, bati à porta,
Já meia noite era dada.
E a neve sempre a cair,
E a porta sempre fechada.
Adeus... / Obra Poética
(edição de Joaquim Magalhães)
terça-feira, fevereiro 17, 2009
caderninho
Desonra-te, desonra-te, oh minha alma! E não mais terás tempo para te tratares com estima! Breve é a vida humana! E quase acabada está a tua, sem que ao menos te respeites a ti próprio, pois fazes depender a tua felicidade do que se passa na alma dos outros! Marco Aurélio
Pensamentos para Mim Próprio (tradução de José Botelho)
segunda-feira, fevereiro 16, 2009
Figuras de estilo - Vergílio Ferreira
Ah, viver-se exilado no seu país. De um lado o fascismo, do outro o comunismo, ou seja, outro fascismo. São iguais entre si com mudança de sinal -- de rótulo. Uma reflexão a fazer: antes de sermos o que quisermos em política, somos os pacóvios que a tudo confere pacovice. É-se entre nós fascista, comunista, democrático; mas antes disso é-se poruguês, ou seja, pascácio. O resto que se segue já não interessa à conversa.
Conta-Corrente 1
domingo, fevereiro 15, 2009
clube de leitura - Funâmbulos, de Assis Esperança
Assis Esperança, Funâmbulos, Lisboa, Livrarias Aillaud & Bertrand, 1925. Inclui quatro novelas: «O rebanho», «Ruínas», «A inimiga» e «O vencido».
Dedicatória impressa: «Para /Ferreira de Castro / o grande amigo / estas novelas de símbolos».
Dedicatória impressa: «Para /Ferreira de Castro / o grande amigo / estas novelas de símbolos».
Histórias de títeres, de figuras na corda bamba para quem a vida é demasiado grande para que a possam dominar. Vimo-lo n' O Rebanho, que aqui é republicado com alguns retoques. Nestas quatro novelas, Assis Esperança lança um olhar sombrio não apenas sobre a organização social que produz desaustinados como o Pedro de «O rebanho», mas também sobre a célula familiar e o casamento em particular. Em «Ruínas», um ser autoritário e hipócrita inflige terror ao filho, um jovem adulto demasiado débil, física e emocionalmente, para se lhe opor, e também ao velho caseiro, usurpado de um pedaço de terra que lhe fora prometido , de boca, pela antiga patroa, sogra do actual senhor. Filho e criado vergam-se ao despotismo e à insolência, sentindo-se aliados diante do inimigo comum. A oportunidade de suprimi-lo, que um deles cria, não será aproveitada pelo outro. As desinteligências entre ambos resultam num desfecho trágico. Em «A inimiga» como em «O vencido», o consórcio entre pessoas de ideias ou extracções diferentes produzirá vítimas. Num, o marido cerebral e todo devotado à obra intelectual tem nas mãos a vida da mulher -- criatura fútil e dissimulada --, quando esta se apresta a dar à luz; no outro, a ociosidade da mulher, doméstica culta e instruída que se acomoda à preguiça, sustentada pelo marido, propiciará preversões de desfecho fatídico, quando aquele traz para casa um meio-irmão, entretanto órfão, que padece de atraso mental congénito. O tédio da mulher encontra um escape na possibilidade divertidamente embriagante de seduzir o idiota.
Em relação ao romance anterior, Viver! (1919), Assis liberta-se do ouropel estilístico, bem como da minudência naturalista que o afectava. Zola e Abel Botelho estão indo, e surge-me aqui, porventura, a nova referência espectral de Raul Brandão, caso singularíssimo da literatura portuguesa -- ainda hoje, quanto mais ontem!...
Roberto Nobre, na sua capa, interpreta o título literalmente, aliás com acerto, pois Funâmbulos é isso mesmo: um desfile de bufões no circo da existência.
sábado, fevereiro 14, 2009
sexta-feira, fevereiro 13, 2009
Antologia Improvável #356 - Helder Macedo
A meio do caminho
a mais de meia vida já vivida
reencontrei-me só na selva escura
da vida indecifrada
e não sei de que lado está a morte
e não sei se é o amor quem a sustenta
no tempo
que chegou
de destruir
para ver o que seja o que me sobra
no certo entendimento
de que as vidas são feitas
no perdê-las
ou nisso só existem
porque há vida somente quando há morte
e porque toda a selva
por mais cerrada e escura
contém o tempo já no seu deserto
na fértil luz difusa que a penetra
para nela executar o seu amor.
Viagem de Inverno
a mais de meia vida já vivida
reencontrei-me só na selva escura
da vida indecifrada
e não sei de que lado está a morte
e não sei se é o amor quem a sustenta
no tempo
que chegou
de destruir
para ver o que seja o que me sobra
no certo entendimento
de que as vidas são feitas
no perdê-las
ou nisso só existem
porque há vida somente quando há morte
e porque toda a selva
por mais cerrada e escura
contém o tempo já no seu deserto
na fértil luz difusa que a penetra
para nela executar o seu amor.
Viagem de Inverno
quarta-feira, fevereiro 11, 2009
caderninho
Tzipi Livni
Acabo de ver e ouvir o discurso vitória de Tsipi Livni. Um alívio este resultado, pelas suas qualidades pessoais e de liderança. Percebe-se que é feita de outra massa, diferente da dos Olmerts e dos Nethanyaus. A fibra e a inteligência que tem demonstrado na sua curta, mas triunfal, vida política não são de somenos para dirigir os destinos desse país fantástico que é Israel, num cargo que, depois do de presidente dos Estados Unidos, será o mais difícil de ocupar neste tempo incerto.
terça-feira, fevereiro 10, 2009
Caracteres móveis - Octave Mirbeau
segunda-feira, fevereiro 09, 2009
Antologia Improvável #355 - Cecília Meireles (2)
Explicação
A Alberto de Serpa
O pensamento é triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.
Deus não fala comigo -- e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce...
-- espero a minha própria vinda.
(Navego pela memória
sem margens.
Alguém conta a minha história
e alguém mata os personagens.)
Vaga Música / Antologia Poética
A Alberto de Serpa
O pensamento é triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.
Deus não fala comigo -- e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce...
-- espero a minha própria vinda.
(Navego pela memória
sem margens.
Alguém conta a minha história
e alguém mata os personagens.)
Vaga Música / Antologia Poética
domingo, fevereiro 08, 2009
sábado, fevereiro 07, 2009
caderninho
Caracteres móveis - Tenzin Gyatso, o Dalai Lama
Penso que há uma importante distinção a fazer entre religião e espiritualidade. Considero que religião diz respeito à crença numa forma de salvação específica a cada tradição, um aspecto dessa religião consiste na crença numa realidade metafísica ou sobrenatural que inclua, por exemplo, a noção de céu ou de nirvana. Ligam-se a ela os ensinamentos religiosos ou dogmas, os rituais, a oração, etc. Considero que a espiritualidade diz respeito ao cuidado a ter com as qualidades do espírito humano como o amor e a compaixão, a paciência, a tolerância, o perdão, o contentamento, o sentido da responsabilidade e da harmonia, que trazem felicidade para si e para os outros. O ritual e a oração, bem como o nirvana e a salvação, estão directamente ligados à fé religiosa mas estas qualidades interiores não. Por conseguinte, não há razão para que um indivíduo não as desenvolva, mesmo num grau elevado, sem depender de qualquer sistema religioso ou metafísico. É a razão pela qual afirmo, por vezes, que talvez possamos dispensar a religião. Mas o que não podemos é dispensar estas qualidades espirituais básicas.
Ética para o Novo Milénio
(tradução de Conceição Gomes e Emília Marques Rosa)
quinta-feira, fevereiro 05, 2009
quarta-feira, fevereiro 04, 2009
terça-feira, fevereiro 03, 2009
Antologia Improvável #354 - Torquato da Luz
AMOR / ÓDIO
Umas vezes floresta, outras deserto,
umas vezes cetim, outras cotim,
umas vezes veludo, outras estopa.
Umas vezes de longe, outras de perto,
umas vezes princípio, outras fim,
umas vezes piranha, outras garoupa.
Umas vezes de noite, outras de dia,
umas vezes silêncio, outras ruído,
umas vezes o amor que me alumia,
outras vezes um ódio sem sentido.
Ofício Diário
Umas vezes floresta, outras deserto,
umas vezes cetim, outras cotim,
umas vezes veludo, outras estopa.
Umas vezes de longe, outras de perto,
umas vezes princípio, outras fim,
umas vezes piranha, outras garoupa.
Umas vezes de noite, outras de dia,
umas vezes silêncio, outras ruído,
umas vezes o amor que me alumia,
outras vezes um ódio sem sentido.
Ofício Diário
segunda-feira, fevereiro 02, 2009
caderninho
O filósofo deve preparar-se para ver que o abandonam aqueles mesmo que o aconselhavam a dizer toda a verdade -- quando essa verdade sai afinal mais verdadeira do que a eles lhes convinha. José Bacelar
Revisão 2
domingo, fevereiro 01, 2009
clube de leitura - O Rebanho, de Assis Esperança
A mulher -- que o autor não nomeia -- manda o filho chamar o pai, Pedro, à taberna. Filha de operário, um acidente de trabalho do progenitor lançou-a desde cedo na «Rua», como cauteleira, na companhia de um irmão mais novo, o Joãozinho. Vida de pobreza e promiscuidade, continuada na condição de mulher maltratada e mãe de prole excessiva -- «viver é um delito -- o grande delito dos pobres» (p. 28). Quando a cada noite, regressa a casa com o marido ébrio a enchê-la de insultos, a mulher diz-se, como que perplexa pela existência de sofrimento que leva: «não é pelo prazer de rilhar miséria» que ele vai assim, tosco, miserável, zangado com ela e com a vida: «deve haver um culpado» (p. 30).
Incipit -- Pae! -- e com olhares a ressumarem medo, a voz rastejando em tom humilde, o garotelho, oito anos cobertos de farrapos, prosseguia: -- A mãe diz que é tarde!, -- e não recebendo resposta, na lenga-lenga lamurienta dos que imploram misericordia! -- Pae! pae!
A capa, de um minimalismo expressionista muito conseguido, é de Roberto Nobre.
Subscrever:
Mensagens (Atom)