sábado, julho 21, 2007

A propósito do caso «Tintin no Congo»


A Comissão Inglesa para a Igualdade Racial recomendou o boicote à comercialização do Tintin no Congo, por conteúdo racista (link). Muitos se indignaram com mais este ditame do politicamente correcto, entre os quais alguns amigos e cofrades bloggers (que não linko porque dá trabalho, e este blogue é preguiçoso). Compreendo a indignação de vários tintinófilos, espécie de que faço parte, mas não sou insensível ao mal-estar que pode resultar da leitura deste álbum.

Vejamos: trata-se da segunda aventura de Tintin, datada de 1931. O seu interesse, mesmo com a nova versão feita por Hergé, é essencialmente documental. Estou até convencido de que se o o seu autor fosse vivo actualmente, mais depressa «renegaria» este trabalho juvenil do que o inicial Tintin no País dos Sovietes. Tintin destina-se a um público alargado, composto, portanto, por crianças e jovens -- muitos deles negros. Se um adulto, independentemente da etnia, tem distanciamento e discernimento para relativizar a caricatura, situando autor, mentalidade, época, o mesmo não se passa com os mais novos. É, quanto a mim, escusado adicionar mais um factor de humilhação, mágoa ou amargura nalgo que se quer recreativo. Pode até tornar-se cruel, dada a natureza particular de que se reveste: um dos grandes ícones mundiais da BD.
Por isso, sendo contra a censura, totalmente descabida, parece-me avisada a decisão do grande retalhista livreiro que decidiu colocar o livro na secção de adultos.


13 comentários:

N. disse...

Estou totalmente de acordo com a sua análise sensata, apesar de apaixonada. É preciso enquadrar a obra, o autor e o universo mental na sua época.

Ricardo António Alves disse...

Sem dúvida,e também não sermos insensíveis às razões dos outros.

O Réprobo disse...

Como é que explicas que seja a obra de Hergé mais vendida e popular no Congo?
Masoquismo? Iliteracia?
Abraço

vieira calado disse...

Penso que esse conceito de racismo, quando o texto foi escrito, pouco tem a ver com o que hoje temos.

Ricardo António Alves disse...

Rep: se é assim, acho que eles não valorizam a questão, o que é óptimo; o que não impede que haja quem o faça, e isso merece o meu respeito. Ab.

Vieira Calado: é como diz, embora não possamos evitar que determinadas pessoas possam sentir-se atingidas por ele. Cumprimentos.

O Réprobo disse...

Com a primeira parte concordo.
Com a segunda, não, não e não! Quem não tem sentido de humor merece o sofrimento, desde que nesta dose proporcionada, entenda-se.
Abraço

Ricardo António Alves disse...

Sim, castiguemos os enjoadinhos e os caras-de-pau! Só que isso não se aplica às crianças e jovens em formação, que são quem está na origem das minhas reticências... Ab.

JRP disse...

Tenho precisamente a mesma opinião. Aliás, deixei-o escrito no meu blog que acabou por originar uma disciussão com o Rogério Casanova do Pastoral Portuguesa. Abraço tintinófilo.

Ricardo António Alves disse...

jrp: obrigado pelo seu comentário. Li o seu post e verifiquei termos opiniões idênticas. Abraço tintinófilo também.

O Réprobo disse...

Essa pahaçada do esterótipo não faz parte da mentalidade de criança alguma, que não possui o conceito; é fruto evidente do cérebros de adultos desequilibrados e impositivos
Ab.

Ricardo António Alves disse...

Irmão em Cristo: Desde já me proclamo cerebralmente desiquilibrado e mesmo impositivo quando não estou para sancionar indecências. A minha questão não tem que ver com o estereótipo, mas sim com a possibilidadfe que se me afigura cruel e desnecessária duma autoidentificação da criança negra com a caricatura que é feita do "grupo étnico" a que pertence. Não propriamente a criança do Congo, mas a de Lisboa, de Madrid, de Paris ou de Londres, e até a que vive no Sabugal, minoritária em certos contextos e alvo de menoscabo, realidade com que os seus pais têm injustamente de lidar. Ora tudo o que possa contribuir para inculcar essa percepção tão injusta quanto falsa, podendo ser, portanto, factor de sofrimento, tem a minha oposição e a minha intolerância. No caso do «Tintin no Congo», obra menor de juventude de que o próprio Hergé se retractou, não sendo a censura admissível, não vejo inconveniente em pô-la no lugar em que aos pais caberá decidir se querem que os filhos leiam um livro eivado de preconceitos. Os meus lêem-na e lê-la-ão, até porque são educados contra o preconceito "racial". Não sei se a minha atitude seria a mesma se eles não fossem brancos. Suspeito que seria diferente. Ab.

O Réprobo disse...

Lá está, essa criança só se pode identificar com a caricatura ao ponto de a levar a mal por acção de mentes adultas ressabiadas: as que os excitam a assimilar-se aos estádios civilizacionais gozados e, em simultânro, a revoltar-se contra isso. A mentalidade revolucionária, enfim.
As crianças afro-europeias dessas capitais nunca se sentiriam visadas pelos desenhos se não lhes instilassem mecanismos de pertença a coisa diversa do que o apreendido da realidade quotidiana.
Os malefícios dos intelectuais, em suma.
Abraço deste trabalhador braçal

Ricardo António Alves disse...

Ah Ah Ah! Esmagas-me com a tua puericultura!Um amplexo.