sexta-feira, janeiro 05, 2007

Uma leitura da «presença» #6

Casais Monteiro
Ora a presença foi também combatida pelo alegado psicologismo e individualismo exacerbado dos seus mentores, por parte dos que não contemplavam outra forma de expressão que não reflectisse a realidade exterior. Régio dirá que «a realidade humana é muito mais rica do que a fazem quaisquer espécie de fanáticos; principiando pelos fanáticos do real.» (22) Mas tal não comovia os adversários da pedagogia regiana, que procurava significar o individualismo de cada criador, não como alheamento, senão como a sua «contribuição individual à humanidade» (23); ou, como escreveria Casais dez anos mais tarde, com um enunciado vigoroso e polemicamente dirigido:
«Exprimir a vida inteira, quando o que é expresso se revela comum a muitos homens, só por absurdo sofisma pode ser designado como atitude a-social; e é por isso mesmo que nunca abordam esse aspecto aqueles que querem o poeta profeta social -- para não falar nos que o quereriam vulgarizador e agente publicitário.» (24)
Esta lúcida postura individualista era condição essencial para tentar assegurar à partida tanto a liberdade como a frágil independência do artista, posta em causa pelas doutrinas autoritárias e totalitárias que iam vingando por quase toda a Europa. Se, para Régio, a liberdade era o bem mais precioso do criador, era também o mais incerto, pelo incómodo ou pelo aproveitamento que podia suscitar. (25) E declarava, por isso mesmo, a sua «repugnância» por todo o dogmatismo (26), cuja rejeição se constituía para os presencistas como único dogma. (27)
(22) [José RÉGIO], «presença reaparece», presença, série II, n.º 1, Lisboa, Novembro de 1939, p. 3.
(23) José RÉGIO, «A lição inútil ou carta a um juvenil individualista», presença, n.º 14-15, Coimbra, 23 de Junho de 1928, p. 9.
(24) Adolfo Casais MONTEIRO, A Poesia de Jules Supervielle, 2.ª ed., s.l., Confluência, s.d., p. 35.
(25) Ver José RÉGIO, «Li te ra tu ra», presença, n.º 45, Coimbra, Junho de 1935, pp. 16-17.
(26) José RÉGIO, «Lance de vista», presença, n. 6, Coimbra, 18 de Julho de 1927, p. 8.
(27) «O dogma modernista é não permitir nenhuns.» João Gaspar SIMÕES, «Tendências e individualidades da moderna poesia portuguesa» [1930], apud José Régio e a História do Movimento da «presença», Porto, Brasília Editora, 1977, p. 319.


(continua)

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