O «Caso Dreyfus» mexeu com a opinião pública francesa e ocidental na última década do século XIX. Do lado do oficial do exército francês, vítima da maquinação de um canalha, da pestilência anti-semita e do espírito de corpo sem alma ou um patriotismo enviesado, estiveram as pessoas de bem (um conceito que faz rir), ultrajadas com a perfídia; do outro lado do escândalo, os racistas e a extrema-direita católica ultramontana, refocilavam gozosos e nada interessados pela sorte de um inocente que fora desonrado e condenado: era um judeu, não se perderia grande coisa, mesmo se injustiçado. Com ele e a sua família, que nunca desistiu de o salvar e ilibar, em sua defesa, as pessoas decentes, como foi o caso de Eça de Queirós e, obviamente do grande Zola, que com a carta ao presidente da República desmascara toda a ignominiosa fraude.
O J'Accuse…!, de Zola seria sempre algo que enobreceria o seu autor. O romancista de Germinal era rico e respeitadíssimo -- uma força da natureza. Ao comprar uma guerra com a tropa, o governo, a Igreja e a opinião pública fanatizada, tirou-se de cuidados e obedeceu ao ímpeto ético de homem livre. Esta carga de obus disparada para o centro da conspiração foi decisiva para acabar com uma degradante injustiça, como todos os dissabores que causou ao escritor, a morte inclusive (segundo alguns autores, Zola, encontrado com a mulher morto no quarto, intoxicados durante a noite, foi assassinado em consequência do Caso Dreyfus, já que as saídas de fumo da chaminé estavam tapadas).
Já agora, existe uma edição na Guimarães, com um bom estudo prévio de Jaime Brasil, também seu biógrafo, com várias edições.
O filme teve para mim o mérito de lembrar o coronel Georges Picquart, numa memorável interpretação de Jean Dujardin, um desses homens íntegros para quem o bem e o mal não existe conforme as conveniências. Sem ele, e o seu sacrifício, não teria havido o panfleto de Zola.
Polanski, grande Polanski, um dos meus realizadores, que como Woody Allen e Martin Scorsese, não sabe fazer filmes maus. É um prazer ver-lhe a câmara apaixonada pela mulher, Emmanuelle Seigner.
Produção apoiada financeiramente por judeus, não há nada de reprovável em tal. O que me repugna é que se utilize o drama dos judeus na Europa para que se iniba de condenar a política criminosa do estado de Israel em relação aos palestinos, veja-se o que aconteceu com o cartoon de António…
Uma palavra paras as peruas do #metoo à francesa, ou lá o que é: ver aquelas insignificâncias a ladralhar quando o 'César' foi atribuído ao filme é absolutamente degradante -- aliás o Polanski nem sequer apareceu para não ser linchado, por elas e pela voragem merdiática. Isto tem tudo e não tem nada a ver com o filme; é um sinal dos tempos.
Já agora, existe uma edição na Guimarães, com um bom estudo prévio de Jaime Brasil, também seu biógrafo, com várias edições.
O filme teve para mim o mérito de lembrar o coronel Georges Picquart, numa memorável interpretação de Jean Dujardin, um desses homens íntegros para quem o bem e o mal não existe conforme as conveniências. Sem ele, e o seu sacrifício, não teria havido o panfleto de Zola.
Polanski, grande Polanski, um dos meus realizadores, que como Woody Allen e Martin Scorsese, não sabe fazer filmes maus. É um prazer ver-lhe a câmara apaixonada pela mulher, Emmanuelle Seigner.
Produção apoiada financeiramente por judeus, não há nada de reprovável em tal. O que me repugna é que se utilize o drama dos judeus na Europa para que se iniba de condenar a política criminosa do estado de Israel em relação aos palestinos, veja-se o que aconteceu com o cartoon de António…
Uma palavra paras as peruas do #metoo à francesa, ou lá o que é: ver aquelas insignificâncias a ladralhar quando o 'César' foi atribuído ao filme é absolutamente degradante -- aliás o Polanski nem sequer apareceu para não ser linchado, por elas e pela voragem merdiática. Isto tem tudo e não tem nada a ver com o filme; é um sinal dos tempos.
5 comentários:
Faz todo o sentido que este caso seja lembrado agora que o anti-semitismo está de volta. Não sei se o facto de ser pela mão de mestre de Polanski é uma boa notícia...
Quanto ao #MeToo, cabe lembrar que graças ao movimento, um predador sexual em série foi condenado e irá para a prisão. Outro, o próprio Polanski, foi condenado e fugiu. Pode ser um génio, não é um homem honrado. Querer comparar-se com Dreyfus é, isso sim, absolutamente degradante...
Perante isto, o protesto é coisa pouca.
Daqui: https://www.thejc.com/news/world/roman-polanski-compare-my-case-to-alfred-dreyfus-1.488087
Em desacordo, meu caro, e aliás já falámos sobre isto.
O que se passa com o caso americano nada tem que ver com justiça. Ainda que outros motivos ponderosos não houvesse, um homem não pode ser perseguido por um crime que certamente cometeu, creio que ele próprio o admite, que num país normal, haveria atenuantes a considerar. Meio século de perseguição, quando a vítima, que o foi primeiro da própria mãe, já pediu para acabarem com isto, é aberrante.
Aliás considerar o Polanski um predador sexual à luz desse crime é forçar a realidade. Mas nem era a isso que me referia, mas ao novo caso de que ele é acusado, ao qual, para ser isento devo dar 50% de possibilidade de culpa ou inocência, embora não me apeteça nada estar com isenções.
Quanto ao outro escroque, não foi por causa do movimento, são as próprias vítimas que criam a comoção geral que leva ao movimento. Ele estaria sempre tramado.
O problema é quando a partir daí se começam caçadas. O que se passa com o Polanski é miserável e ele tem toda a minha simpatia, independentemente de ser umm grande cineasta, isso é outra questão. O mesmo com o Woody Allen.
E não querendo comparar o problema do anti-semitismo e o Caso Dreyfus ao que se está a passar com o Polansli, é óbvio que ele está a ser vítima dumas criaturas que se promovem á custa dele. A palhaçada da coisinha cujo nome nem conheçoi na atribuição dos Césares não passa disso, uma performance -- assim caracterizo para não ser acintoso.
Não tenho informação sobre as denúncias recentes sobre Polanski (para além da leitura fugaz de uma ou duas notícias na imprensa), por isso não me vou pronunciar sobre elas. Não sei se são verdade ou mentira.
Acho que as diferentes instâncias (refiro-me às associações cinematográficas) há muito que deveriam ter tomado uma atitude relativamente à condenação de Polanski, e considero uma grande hipocrisia que só agora o façam sob pressão da opinião pública, com 40 anos de atraso...
Se não tivesse havido uma mudança de atitude, as vítimas de Weinstein e outras teriam certamente ficado caladas por medo. Há aproveitamentos e falsa vitimização? Certamente que haverá.
Mas passa-se aqui algo de semelhante à pedofilia e aos abusos na ICAR. Só depois de um conjunto grande de pessoas ter começado a falar é que as hierarquias, desde a judicial à da própria ICAR, foram obrigadas a perseguir os abusadores.
Corre-se o risco de um regresso ao puritanismo em que as pessoas são impedidas sequer de expressar os seus sentimentos? Pois, corre-se, em tempos de Reforma há sempre o risco de uma Contra-Reforma. Agora, para quem, como eu, acredita na autonomia das pessoas, homens e mulheres, só posso congratular-me com o que está a acontecer...
E nem sequer tenho, note-se, nestas matérias como em outras, uma postura securitária (acho detestáveis as posições de um Ventura, cuja proposta legislativa recente também
descriminalizava o abuso de maiores de 14 anos, pelos vistos era lapso, já são muitos). Mais do que a dureza de penas, o que importa é apanhar os culpados e puni-los, sobretudo os poderosos. Isso deverá meter algum medo aos restantes...
Gostei imenso do filme e fiquei a saber um pouco mais sobre o coronel Picquart que, como se vê no filme, nem morria de amores por judeus. Depois de ter conhecido a cadeia, etc., por querer fazer justiça, deve ter mudado a sua perpetiva.
Quanto ao #MeToo, nunca percebi se o asqueroso Harvey Weinstein obrigou as mulheres que agora se queixam a meterem-se com ele na cama. Uma coisa é isto se assim aconteceu, outra é assédio sexual. Desculpem este palavreado.
Boa semana!
Jaime, sim, todos os abusos têm de ser denunciados e todos os crimes punidos. Quanto aos perigos de que fala, pois: há que haver vigilância no meio de toda esta turbulência. Será sempre uma situação instável.
MR, sim o Picquart, um justo, um homem decente -- dos que fazem a diferença, quase um 'herói anónimo' no palco da História. O Weinstein pertence aquela categoria de homúnculos que se fazem valer da sua posição para obter benefícios. Neste caso, o sexo (nunca percebi estas cabecinhas deformadas que tiram prazer da coacção; a criatura deve ter crescido a olhar-se demasiadas vezes ao espelho, e ficou assim…). Quanto ás mulheres, percebo o que diz, e até concordo; a verdade é que se tratava duma questão de sobrevivência, como parece indicar o caso da Mira Sorvino, que após um Oscar obtido num filme do Woody Allen, praticamente despareceu, por não ter cedido aos avanços do outro porcalhão. Espero bem que o dinehro não o safe.
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