terça-feira, julho 30, 2013

"Uma noite destas..."

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.

Machado de Assis, Dom Casmurro, 1900

figuras de estilo - Raul Brandão

Vi não sei onde, num jardim abandonado -- Inverno e folhas secas -- entre buxos do tamanho de árvores, estátuas de granito a que o tempo corroera as feições. Puíra-as e a expressão não era grotesca mas dolorosa. Sentia-se um esforço enorme para se arrancarem à pedra. Na realidade isto é como Pompeia um vasto sepulcro: aqui se enterraram todos os nossos sonhos...

Húmus (1917)

sexta-feira, julho 26, 2013

figuras de estilo - Agustina Bessa Luís

«Um dos seus prazeres consistia em analisar-se como conteúdo de todo um passado, elemento onde reviviam as cavalgadas das gerações, onde a contradança das afinidades vibrava uma vez mais, aptidões, gostos, formas que, como um recado, se transmitem, se perdem, se desencontram, surgem de novo, idênticos à versão de outrora.»

Agustina Bessa Luís, A Sibila

quinta-feira, julho 25, 2013

a democracia e os seus carrascos

Um artigo de Maria João Tomás, investigadora e directora da Casa Árabe em Lisboa, no último JL, elucida sobre o que foi o breve consulado da Irmandade Muçulmana no Egipto. Além da extrema incompetência governamental, traduzida pela degradação das condições de vida da população, cortes de energia intoleráveis, abandalhamento do espaço público no que respeita às condições de higiene e problemas afins, os irmãos muçulmanos entretiveram-se não apenas a perseguir as egípcias, como as turistas que não trajavam segundo os critérios considerados decentes pelos mentecaptos de serviço -- o que deve ter deixado muito satisfeitos os milhares (milhões?...) que vivem do turismo e respectivas famílias... Isto sem contar com discussões importantíssimas visando tapar as Pirâmides e a Esfinge (para evitar a idolatria) ou  as partes pudibundas da estatuária clássica.
A estupidez, exponenciada pelo fanatismo, não podia deixar de ter o efeito que se viu, numa sociedade tutelada desde sempre pelo poder militar. Milhões (36, ao que parece) exigiram o derrube de Morsi. Como escreve a autora, de forma lapidar, «Rapidamente, o povo que neles havia votado, e que podia ser analfabeto mas não era estúpido, se apercebeu que era necessário acção, e que ser um bom muçulmano não dependia de apoiar as decisões atabalhoadas de Morsi [...] Afinal os analfabetos tinham mais sabedoria que os seus professores.»
Para mim, há uma fina linha em que o sistema demo-liberal não pode pactuar com os seus carrascos. Foi um problema com que a Argélia se deparou, já nos longínquos anos 90, quando a Frente Islâmica de Salvação venceu as primeiras eleições democráticas do país. Aí, nem chegaram a tomar posse, por pronta acção das forças armadas.
É claro que isto acarreta um problema de legitimidade democrática. Mas pode a democracia liberal permitir-se fornecer a corda com que a irão enforcar?...

quarta-feira, julho 24, 2013

Maria Eduarda, Margarida Clark Dulmo & Leonor

No JL de hoje, José-Augusto França considera a Maria Eduarda de Os Maias (1888), "[...] a heroína do romance português, por excelência sua, do seu autor e no que dramaticamente pode ser entendido no Portugal (ou na Lisboa) do Romantismo [...]" («Maria Eduarda for ever!»)
Em matéria de personagens femininas, o Eça... (Já agora, n'Os Maias, nada me parece tão elevado e dramático como o velho Afonso ou tão seriamente divertido como o Ega, qualquer deles com lugar cativo na nossa pequena memória culta colectiva. A Maria Eduarda? Bah!, humana, demasiado humana -- como deveu ser...
Eu, confesso-me mais transportado pelo que não chafurda, por uma certa idealidade quase etérea, que compreende carácter, nobreza, abnegação -- na lama ou em berço de ouro. Daí a minha paixão por mulheres como a Margarida Clark Dulmo, de Mau Tempo no Canal (1944), de Vitorino Nemésio, ou a Leonor de Servidão (1946), de Assis Esperança.

O Vale do Riff - Eagles, «Victim Of Love»

terça-feira, julho 23, 2013

«Sofri demais para poder mentir.»

As Memórias da Grande Guerra (1919), de Jaime Cortesão -- obra-prima absoluta pela densidade poética que empresta ao testemunho vivido e sofrido, e pelo altíssimo valor literário. Oficial-médico voluntário na Flandres, tomou parte na sangrenta Batalha do Lys (na qual viria, aliás, a perder os apontamentos para estas memórias, reconstituídas com recurso a cartas e às reminiscência desta experiência-limite). Relato impressionante e inesquecível, apesar de alegremente desconhecido da maior parte dos leitores portugueses, o centenário que se avizinha é um bom pretexto para a reedição; embora não devêssemos necessitar de efemérides para ler, fruir e cultivar o que de melhor a nossa literatura tem.
«Direi apenas o que vi e ouvi. Sofri demais para poder mentir.»

segunda-feira, julho 22, 2013

depois do "triunvirato", o "protectorado" -- ou da parvoíce portenha

(...ou esperteza saloia, o que vai dar no mesmo) 

os poltrões

...entretanto, com verdadeiro enlevo, vejo notícia dos motins num subúrbio de Paris, porque um selvagem impediu que a mulher retirasse o véu, como a polícia  intimara. Resultado: o selvagem na choça; bandos ululantes de jovens deformados por fanatismo pseudo-religioso, destroem. Se calhar consideram-no mártir, o poltrão, os poltrões.

sou eu, e o Pernalonga...


sim, sou de esquerda; sim, sou liberal

O socialismo (liberal) é uma ética e uma estética. O resto é umbiguismo rapace e mesquinho, ou ressentimento invejoso. Quer um quer outro inferioridades para que não tenho grande paciência (imagem do fb).

quinta-feira, julho 18, 2013

partidoecologistaportuguês"osverdes"

Essa fraude política aberrante que dá pelo nome de Partido Ecologista "Os Verdes" (!) -- o partido barriga de aluguer, como bem lhe chamou Augusto Santos Silva -- conseguiu a proeza de dar um balão de oxigénio a um Governo mais moribundo que  Mandela. O PC (pois é dele que se trata) que já tinha sido indispensável para colocar Passos & Portas no poder, conseguiu até proporcionar esta tarde um grande discurso a Portas -- a Portas!, cuja credibilidade está pelas ruas da amargura... Que bonito, que bonito que é o PC. O que vale é que os topamos à distância, desde os tempos do camarada Zé Estaline.

lembro-me do Rascar Capac

Um panorama geral nocturno do Museu Nacional de História Natural, em Paris, por baixo a galeria de paleontologia. Hoje, 2013, um museu dentro do museu. (Eu já lá estive, e até me deparei com a vera efígie da especiosa Adèle Blanc-Sec). Estamos, porém, a 4 de Novembro de 1911. São onze e quarenta e cinco da noite. O ambiente é soturno. Tardi aproxima-nos, vinheta após vinheta, de um «Ovo de pterodáctilo (Fim do Jurássico) 136 milhões de anos». Ovo que começa a apresentar fissuras, para irromper na segunda prancha, dentro de uma vitrine que, ao quebrar-se nos prega um susto e faz lembrar uma outra, do arrepiante Rascar Capac (As Sete Bolas de Cristal). Adèle e o Monstro, pranchas 1-2.

quarta-feira, julho 17, 2013

E, se o Não-Ser é tudo, o Nada é um Mistério...
José Duro

ontem foi dia de filminho

Mais Disney que Pixar, mas pelo menos não adormeci...

terça-feira, julho 16, 2013

o PS como "último reduto de responsabilidade patriótica"

Aqui.

Entretanto, o Bloco não anda a dormir. O PC está chateado.

(actualização: o PC já pode ser menos ríspido para com o BE, embora eu não acredite que este desça à condição de Partido Ecologista Português - "Os Verdes" ou lá o que é, ou de ID. A propósito: para ser-se membro da ID é preciso ter mais de 65 anos? A politiquice pateta segue dentro de momentos, com a moção de censura d'Os Verdes ou lá o que é).

domingo, julho 14, 2013

do sentimento trágico da vida

Manuel da Fonseca é, sempre foi, o meu escritor de eleição da geração neo-realista de 40. Os romances, os contos, os poemas surgiram como se não fossem trabalho literário de um iniciante (como, ao tempo, notou João Pedro de Andrade). As suas personagens, os seus ambientes têm os contornos épicos e trágicos que lhes dá não apenas a desgraça da extrema pobreza alentejana, mas também um porte digno de muitos desses desvalidos, que lhes alimenta a propensão para a revolta. Revolta contra o que é mais forte do que eles, revolta, por vezes, nem sabem bem contra quê:
«Seca e breve como uma chicotada, a praga rompe dos lábios azedos da velha: /-- Raios partam este vento!/ Por instantes, as duas mulheres entreolham-se. A velha de punho no ar, a boca ainda aberta pelo grito. [...]» Seara de Vento (1958).

quarta-feira, julho 10, 2013

Cavaco: Passos e Portas, rua!

Para além doutras interpretações, Cavaco diz: Passos e Portas, rua. Mas acautela a sua própria posição na previsível eventualidade de tudo ficar na mesma. Mas com esta moção de desconfiança ao governo, será que este aguenta até Junho?

estampa CLXV

Gian Lorenzo Bernini, Auto-Retrato, c. 1623
Roma, Galeria Borghese

quinta-feira, julho 04, 2013

da dignidade, e da falta dela

Além desta coreografia mimosa com que Portas & Coelho brindam o país, o MNE ainda conseguiu tornar-se protagonista dum grave incidente diplomático com a Bolívia e, por extensão, com a América do Sul, pela postura acocorada do governo. (E atenção que eu não sou antiamericano. Nada me irrita mais do que o antiamericanismo primário e bacoco. Para ser antiamericano, teria de ser, antes disso e ainda mais, anti-russo, antichinês ou antialemão...). 
Morales, que parece ter mais dignidade que os governantes portugueses, não vai deixar passar o caso em claro.

terça-feira, julho 02, 2013

Portas: a jigajoga do chico-esperto

Portas, chico-esperto, acha que se pode limpar da porcaria que fez nestes dois anos a pretexto de Maria Luís Albuquerque. Ora, Passos Coelho e o PSD não vão querer ir ao fundo sozinhos e farão tudo para lembrar os eleitores da jigajoga de hoje. E muito bem, porque o que importa é que se afundem os dois.

O Vale do Riff -- Johnny Cash & Joni Mitchel, «The Long Black Veil»


suavemente


Suavemente libertador e feminista, o filme. Esplêndida Rachael Harris.