
Afirmação categórica não impediu que, alguns anos depois, durante o período de Krushtchev, ao se abrir uma pequena brecha no obscurantismo soviético, ao despontar de uma pequena luz no meio das trevas, o autor de Degelo publicasse sete tomos de memórias, sete, nada menos: no sétimo Zélia e eu figuramos, simpáticos personagens. E isso não é tudo, pois Irina me contou, em 1988, estar pondo em ordem os papéis do pai com o fim de editar vários volumes de memórias inéditas que ele não consegui publicar sequer durante a abertura de Krushtchev: Ilya sabia de mais.
Durante a minha trajectória de escritor e cidadão tive conhecimento de factos, causas e consequências, sobre os quais prometi guardar segredo, manter reserva. deles soube devido à circunstância de militar em partido político que se propunha mudar a face da sociedade, agia na clandestinidade, desenvolvendo inclusive acções subversivas. Tantos anos depois de ter deixado de ser militante do Partido Comunista, ainda hoje quando a ideologia marxista-leninista que determinava a actividade do Partido se esvazia e fenece, quando o universo do socialismo chega a seu triste fim, ainda hoje não me sinto desligado do compromisso assumido de não revelar informações a que tive acesso por ser militante comunista. Mesmo que a inconfidência não mais possua qualquer importância e não traga consequência alguma. Mesmo assim não me sinto no direito de alardear o que me foi revelado em confiança. Se por vezes as recordo, sobre tais lembranças não fiz anotações, morrerão comigo.
Jorge Amado, Navegação de Cabotagem -- Apontamentos para um Livro de Memórias que Jamais Escreverei (1992), Mem Martins, Publicações Europa-América, 1992,
2 comentários:
E eu que pensava serem silêncios destes verdadeiras cumplicidades!
Abraço
O pior é se as cumplicidades pesam na consciência.
Outro
Enviar um comentário