quinta-feira, janeiro 31, 2013

Q


«Clorofila e Minimum» (1954), dois dos meus ratos de infância,
já para não falar do Antracite...
criações do maravilhoso Raymond Macherot


index e opus dei? olha que porra!

imagem do santinho, daqui.

Anda praí tudo choquado porque o Opus Dei tem um index de livros para os seus membros. E depois? A grande arte não é feita para taralhocos; e ser indexado por aqueles gajos é uma medalha para qualquer escritor. 
Se eu fosse escritor (hélas...) exigiria estar no index daquela malta; era uma questão de brio intelectual. Ser queimado em efígie, então, como fazia a santa inquisição -- isso sim, isso seria quase o Nobel...

terça-feira, janeiro 29, 2013

papel de mosca

Andava cheio de vontade de o ler. Novidades, novidades, não dei por elas, a não ser o que tem que ver com politicalha, a alta roda da União Europeia (oh, o tutear dos estadistas...), as reuniões entre os líderes, os jantares confidenciais, etc.
Mas parece ser um trabalho competente de David Dinis e Hugo Filipe Coelho, papel de moscas em reuniões à porta fechada, seguindo a-par-e-passo aquele período do pec IV e do pedido de resgate.
Sócrates obstinado, Cavaco calculista, Portas malabarista, Passos ávido e empurrado para a frente, Teixeira dos Santos saco de pancada, Pedro Silva Pereira ministro adjunto, Durão Barroso, o nosso homem na Europa (como se tivesse feito alguma diferença).
O livro não responde, nem lhe cumpria, à pergunta se o pec IV, com o aval alemão, teria chegado. A avidez pelo pote de Passos e apaniguados não permitiu sequer assistir ao eventual falhanço desse pec. 
Apesar de tudo muito fresco, é útil relembrar alguns episódios de pouca grandeza.

David Dinis e Hugo Filipe Coelho, Resgatados -- Os Bastidores da Ajuda Financeira a Portugal, 3.ª ed., Lisboa, A esfera dos Livros, 2012.

si voy remando / siento que el río ríe / a carcajadas
Mario Benedetti

nazis, estalinistas e direitos dos animais


Tenho visto umas aventesmas (ou abantesmas, para os mais puristas) em transe de indignação com aqueles que defendem os direitos dos animais. Houve até uma luminária que nos chamou directa ou indirectamente nazis, que não sabíamos nada de história, dizia a criatura, e cujo post foi muito convenientemente limpo da blogosfera... O que muita desta gente (não todos é claro) tem em comum é que à sua repulsa pelo cão que terá morto a criança, e para o qual exigem a eliminação -- o que os congregará (não todos, é claro) será a frase do querido líder que tanto os inspirou e para cuja bondade doutrinária nos quiseram converter à força. Dizia o Zé Estaline, por estas ou outras palavras: "a morte de um homem é uma tragédia; a morte de um milhão é estatística"...
Pois fiquem-se lá com a vossa igreja, fiéis ou agnósticos do stalinismo (que também os há, e são crentes maricas), fiquem-se lá com o vosso fervor beato, a vossa mentalidade totalitária,a preto e branco e abissalmente estúpida (como a História o comprovou) e não venham chamar nazis a quem pensa de outra maneira.

DJANGO LIBERTADO

Quentin Tarantino, Django Libertado (2012). Já li tanto sobre o filme, escrever o quê? Apenas que é um filmaço, de cinéfilo para cinéfilos, e para todos.



segunda-feira, janeiro 28, 2013

Carmen McRae


Sarah Adamopoulos -- O Adeus aos Feijões Verdes

Um dia mudou tudo. Ela enchia-lhe a vida de sonhos e recebia on the road em troca. Ele enchia-lhe a vida de loucura e recebia aventura em troca. Era mais ou menos assim. Era fair enough. Era bom. Era partir. Ela gostava disso. De partir. Partia por vocação. O problema era quando o caminho chegava ao fim. Mesmo quando a estrada continuava. O fim do caminho era quando ele decidia que o melhor era transportar os sonhos para casa. O problema era que ele não sabia o que fazer com eles em casa. Por isso, havia sempre um dia que ele os empilhava em cima dos livros  e ela os deitava então para o lixo. Ela deitava os sonhos fora para que eles não ficassem a apanhar pó. É que mesmo que ele limpasse o pó e os acariciasse relembrando os dias em que os resgatara, de nada servia porque ela não gostava de os ver amontoados entre livros, catálogos de exposições e objectos vários a amarelecer.

»»»»»»»»»»»»»»»»»»

Ele queria um filho. Ele queria um filho. Ele queria um filho. Ele queria um filho. Ele queria um filho. Vou fazer-te um filho. Mas eu não quero um filho. Mas eu preciso dum filho. Então manda vir. Mas eu quero um filho teu. Ou contigo. Ou qualquer coisa assim. Eu quero um filho. Então faz um. Mas um filho não se faz sozinho. Pois não. Faz-se com uma mulher que quer ter um filho. Dá-me um filho. Não. Então ele começou a beber. Quer dizer, a beber mais do que o habitual.. Bebia vodka pura gelada. Quando ela chegava, punha uma voz e uns trejeitos de Jack Nicholson e perguntava-lhe se era ela ou a cona dela que o tinha ido visitar. E depois começou a pintar filhos. Pegava em telas minúsculas e desenhava uma espécie de feijões verdes, ou camarões, ou talvez fosse mais parecido com cavalos marinhos. O atelier ficou cheio de telinhas, com aqueles filhos em começo de gestação. Parecem uns feijões verdes. mas não são verdes. pois não, são pretos. Pois, mas é que têm a forma dos feijões verdes. São os meus embriões. Só têm oito semanas. Adeus, vou-me embora. Não vás. Fica. Porquê? Porque eu gostava que ficasses. Adeus. Adeus! / Não afastes os teus olhos / dos meus !

Sarah Adamopoulos, A Vida Alcatifada, Lisboa, Fenda, 1997.

quarta-feira, janeiro 23, 2013

lista

Melo Antunes -- Uma Biografia Política, de Maria Inácia Rezola (Âncora Editora). Figura central do 25 de Abril e também do 25 de Novembro. Mal amado à esquerda, pela independência e moderação, a direita ajustou contas quando pôs a cabecinha de fora.
A Grande Fome de Mao, de Frank Dikötter (Dom Quixote). Mais uma catástrofe do comunismo. Era cool ser-se maoísta, não era?
Acta Est Fabula -- Memórias I -- Lourenço Marques (Opera Omnia). Um grande cronista e ensaísta, um dos meus escritores preferidos, pela lucidez, pela coragem, pelo estilo. Conheço-o e gosto.

Blogues do ano II

Concluo as votações no Aventar (apenas alumas categorias):
Ruin'Arte, desta vez na categoria Fotografia e fotoblogues; A Bola É Redonda, Futebol; Bibliotecar, Geek / Tecnologia; Almanaque Republicano, História; Come chocolates, pequena;, Livros, literatura, poesia; Pensar Lisboa, locais; O Alfaiate Lisboeta, moda (e eu nem gosto de moda...); Planeta Pop, Música; Ilhas Selvagens, Natureza/Animais/Ambiente; Pedagogia do Terror, Pais/Filhos; Os Caminhos de Ferro, transportes.

terça-feira, janeiro 22, 2013

Já o Camarneiro...

Ao contrário do que sucede com a narrativa de José Rodrigues dos Santos, essencialmente reportagem, e sem grande estilística, «Cada homem é aqui», texto publicado esta semana na "Revista" do Expresso, de Nuno Carmaneiro (um desconhecido até há semanas, quando recebeu o Prémio Leya), é verdadeira literatura a cada parágrafo. De tal modo verdadeira, que se permite desdenhar de alguma literatice: «A literatura já me estragou viagens que cheguem. Há cidades que rebentaram de tanto serem lidas: Praga, Dublin, Veneza, Barcelona. Não se pode confiar nos escritores para viajar, é preferível seguir os filmes, são enganos que os olhos aceitam.» Nada mau.

Blogues do ano I

Já votei nalgumas categorias do simpático concurso do Aventar:
Delito de Opinião, blogue político colectivo; Der Terrorist, actualidade política -- blogue individual (conheci-o agora, e fiquei freguês); Ruin'Arte, arquitectura (discutível a classificação, mas o blogue é óptimo); Leituras de BD, artes visuais (a escolha aqui foi mais difícil, os outros também são muito bons); As Leituras do Pedro, bd; Ditadura do Consenso, blogue estrangeiro em língua portuguesa; Receitas de Sedução, blogue revelação, também para mim; Dias com árvores, botânica, etc.; De Rerum Natura, ciência; O Informador, comunicação e média; Cinco Quartos de Laranja, culinária / gastronomia (há outros também esplêndidos); Heavenly, cultura; Direito, por Linhas Tortas, Direito e Justiça (acabado de consultar); Pedro Lains, economia; 77 palavras, educação; E Deus criou a Mulher, erotismo (a veterania premeia-se). 
Amanhã, mais.

domingo, janeiro 20, 2013

Voo nocturno


Kathryn Bigelow, Zero Dark Thirty (EUA, 2012). Não é um grande filme, como The Hurt Locker. Não é fácil contar a história de uma caça ao homem por pesquisa de dossiers e outras actividades pouco atraentes de serviços secretos. De qualquer modo, cumpre. Há momentos muito bons, em especial o arranque da missão de captura, o voo silencioso dos helicópteros a partir de Jalalabad pelas gargantas de ninguém daquela porosa fronteira afegano-paquistanesa. Lembrei-me logo, pelo contraste, da carga wagneriana de Apocalypse Now. O futuro o dirá, mas creio que a cena ficará para a história do Cinema.


sábado, janeiro 19, 2013

FEMME ET CHATTE

Elle jouait avec sa chatte,
Et c'était merveille de voir
La main blanche et la blanche patte
S'ébattre dans l'ombre du soir.

Elle cachait -- la scélérate! --
Sous ces mitaines de fil noir
Ses meurtier ongles d'agate,
Coupaints et clairs comme um rasoir.

L'autre aussi faisait la sucrée
Et rentrait sa griffe acérée,
Mais le diable n'y perdait rien...

Et dans le boudoir où, sonore,
Tintait son rire aérien,
Brillaient quatre points de phosphore.

Paul Verlaine, Poèmes Saturniens

plossu2

foto: Bernard Plossu (daqui)

O Vale do Riff - Jonathan Wilson, «Desert Raven»


(aceitam-se ofertas, que a vida está cara)

Agora e na Hora da Nossa Morte, de Susana Moreira Marques (Tinta da China). Pelo que tenho lido na imprensa, o fim, tratado com sentidos de repórter e profundidade de escritor.

O Coleccionador de Mundos, de Ilija Trojanow (Arkheion). Digamos que tenho sentimentos misturados em relação a biografias romanceadas. Tratando-se de Sir Richard Burton (não é o actor), tradutor do Kama Sutra, de As Mil e Uma Noites ou... Os Lusíadas, orientalista e aventureiro (ou aventureiro por que orientalista?), talvez mereça vencer resistências...

Utopias em Dói Menor -- Conversas Transatlânticas com Onésimo, de Onésimo Teotónio Almeida  e João Maurício Brás. Há anos que me regalo nos jornais com o humor inteligente e culto e a ironia benigna de OTA. Nunca calhou ler-lhe um livro, falta a colmatar, mesmo este digerido.

rondas da noite & do dia

Uma capa de John Byrne, aqui.
Livros da Anita, aqui.
Manuel Bandeira, como o adoro! Aqui.
E reencontro o Alan Parsosn projecto, aqui.

acordes nocturnos

Seven Compositions (Trio) 1989 (1989)

LÁZARO

Estava de pé, em frente da barraca, meio embrutecido, amortalhado num fato de malha sujo, que se lhe rugava nas barrigas das pernas esqueléticas; fitava o campo lívido, taciturno, entristecido pelas poucas árvores despidas de folhagem, que se erguiam esguias por baixo dum dossel de nuvens pardacentas, humedecidas pela neblina. Fitava o campo lívido e o clarão sinistro da fome incendiava-lhe o negrume dos olhos. A barraca, coberta de lona encharcada pela chuva, assemelhava-se na penumbra a enorme animal, todo ossos e pele flácida.
Passaram um dia sem comer; os últimos bocados de pão havia-os devorado naquela manhã o filho, esse pequeno monstro humano, de crânio calvo e separado como esférica abóbora. Ele, porém, o mísero, tinha o ventre mais vazio do que o tambor no qual rufava, para atrair os curiosos e exibir o horrível fenómeno a troco dalguns cobres. Não se enxergava, porém, alma viva e a criança jazia dentro da barraca, deitada num montão de velhos farrapos, as pernas contorcidas, o busto deformado, matraqueando os dentes num acesso de febre, enquanto o rufar das baquetas na pele do tambor lhe produzia espasmos dolorosos nos temporais.
Do céu escurentado tombava uma chuva miudinha, persistente, raivosa, que, por toda a parte se infiltrava, encharcava até à medula, gelava o sangue.
rufar do tambor perdia-se sem eco na tristeza do crepúsculo outona; e Lázaro rufava, rufava de pé, lívido, triste, cravando o olhar angustiado na sombra como para descortinar nela algo que devorasse, apurando o ouvido a cada momento na ânsia de ouvir as vaias de alguns borrachos que se aproximassem. Por duas ou três vezes se voltou para examinar o ignóbil farrapo de carne viva, que arquejava estendido por terra, e, de todas, os olhos do mísero fixavam outros onde se lia a suprema dor.
Não se avistava vivalma. A sombra dum cão surgiu duma viela negra, passou com rapidez em frente de Lázaro, cauda entre as pernas, e parou por detrás da barraca para esburgar um osso encontrado Deus sabe onde. O tambor calava-se; rajadas de vento faziam turbilhonar folhas secas arrancadas dos galhos das carvalheiras. Pairou seguidamente pávido silêncio, silêncio apenas quebrado de vez em quando pelo rosnar do cão, o surdo rumor das cordas de água fustigando a lona branca e o estertor da criança -- um estertor que parecia sair duma garganta mutilada.

Gabriele d'Annunzio, Terra Virgem, trad., M. L., Lisboa, Editorial Minerva, 1955.

sexta-feira, janeiro 18, 2013

a propósito do escândalo Armstrong

Estou farto de pensar nos tipos que ficaram em segundo naquelas 7 Voltas à França.

quinta-feira, janeiro 17, 2013

BD e Eças de Campos Matos (lista de compras)

Fun Home, de Alison Bechdel (Contraponto). Adoro a bd auto-referencial, desde o Robert Crumb, passando pelo grande Art Spiegelman até à princesa Marjane Satrapi (e estou em ânsia para ler o Cyril Pedrosa). Por isso há anos acompanho o blogue de Marco Mendes. Este parece bom.

Eça de Queiroz. Silêncios, Sombras e Ocultações (Colibri) e Sexo e Sensualidade em Eça de Queiroz (ed. do Autor), de A. Campos Matos. Se é de Campos Matos, não há palha nesta queirosiana -- o que nem sempre se pode dizer acerca desta e doutras Anas. Quanto ao segundo, haverá alguma referência a uma alegada inclinação homoerótica – que certos gays gostam de insinuar, mas que me parece grotesco wishful thinking da sua parte? A ver.

rondas da noite & do dia


Aguarda-se a defenestração, pelo menos simbólica. Aqui.
Da incerteza do real (ou como gostaria eu de saber especular assim), aqui.
Magarefe, cornudo e bedéfilo, aqui.
Ler o Livro das Horas de Nélida Piñon, aqui.

quarta-feira, janeiro 16, 2013

Antologia Improvável - João Carlos Pádua

ENIGMA

A brasa do cigarro não perturba o teu sono
Nem o resfolegar surdo da cidade
Não perturbam o teu sono o relógio
E os bêbados na rua
Penso em tirar do silêncio
A coragem para não te acordar

in Heloisa Buarque de Hollanda, 26 Poetas Hoje

terça-feira, janeiro 15, 2013

serve, mas não chega

A "Revista" do Expresso, convidou dez escritores a publicar uma curta narrativa de viagem, e abriu com José Rodrigues dos Santos. Nunca lera nada dele, não tanto por preconceito, mas porque a minha vida não vai chegar para as obras-primas que me faltarão -- sem contar com outras primas & conhecidas que terei de ler por obrigação. Dito isto, «Twilight Zone na Antártida» -- assim se intitula o texto -- é interessante. Como reportagem, serve; para literatura, não chega.

livros a comprar (de preferência nos saldos)

Novembro, de Jaime Nogueira Pinto (A Esfera dos Livros). É um dos intelectuais da(s) direitas(s) que aprecio ler e ouvir. Resistente ideológico ao 25 de Abril, é com inteligência e elegância que se move no espaço público da democracia, que não foi o seu. Por isso, a leitura deste romance autobiográfico suscita-me curiosidade.

Miramar, de Naguib Mahfouz (Civilização). Nunca li nada do Nobel egípcio. Dizem-no formidável. Alguma vez terá de ser a primeira.

A Diplomacia de Salazar (1932-1949), de Bernardo Futscher Pereira (Dom Quixote). Salazar ocupou os Negócios Estrangeiros no perigoso período da Guerra Civil de Espanha e da II Guerra Mundial, sendo um habilíssimo político. A sua acção durante a Guerra Civil de Espanha é magistral no cumprimento dos objectivos políticos e estratégicos que perseguia. A entrevista ao autor que li no Expresso, aguçou-me o interesse.

P.S. Onde estão os grandes capistas (refiro-me aos livros de ficção, embora o do Salazar pudesse trazer uma imagem menos batida...)? As fotos são boas, mas a literatura precisa dum revestimento que não se compadece com capas de magazine ilustrado. 

Novembro

ronda da noite & do dia

A Europa grávida, aqui.
Fico a saber de Keiji Nakazawa, aqui.
"muito bem feito", aqui.
Mentalidade totalitária, aqui.

segunda-feira, janeiro 14, 2013

domingo, janeiro 13, 2013

ronda da noite & do dia

Os nus femininos de Egon Schiele, aqui.
Brendel & Beethoven, aqui.
Mais Genesis, aqui.
Free-bop, ou o free mais bom para que não gosta do free, aqui.
Sobre a justa má fama internacional da política portuguesa dirigida por vigaristas & mais ladrões, com precioso link, daqui.
Eros e sonho, aqui.

Ontem, a música de amanhã

Não sei dizer qual dos álbuns dos Genesis prefiro. Talvez o Selling England by The Pound (1973), por ter sido o meu primeiro... Mas The Lamb Lies Down In Broadway (1974) estava tão à frente dentro do chamado rock progressivo, que, após a saída de Peter Gabriel, os que ficaram, embora assinassem mais dois discos excelentes (A Trick Of The Tail,  Wind And Wuthering, ambos de 1976), recuavam para a sonoridade mais genèsicamente canónica do Selling England; mesmo a solo, Gabriel ensaiará alguma forma ruptura com os padrões estéticos do seu mítico grupo, mas creio que só o conseguindo com o terceiro disco a solo, de 1980. De qualquer modo, "ruptura" deve ser expressão a utilizar com cautelas, porque Gabriel está até ao pescoço no disco de 74, que, por sua vez, é Genesis cem por cento, não se devendo secundarizar o papel dos restantes elementos. 
(De alguma forma Face Value (1981), de Phil Collins, também faz um corte com o som da formação, indo para paragens mais negro-americanas, vindo a ser um degrau para uma carreia solista de enorme sucesso comercial que arrastaria os Genesis consigo para uma certa superficialidade popular, sem escamotear alguns bons momentos, em especial o álbum de 1983, significativamente sem outro título que não o epónimo, Genesis, como que significando um regresso às origens, infelizmente fugaz.) 
Eles foram tão longe com The Lamb Lies Down On Broadway -- escrevo agora, que me preparo para virar o disco no prato para o lado D --, que tiveram de voltar para trás.... 
E eu, a ouvi-los hoje: música enganadoramente de ontem; música de amanhã e de sempre, tal como sucede com a Nona de Beethoven...

sábado, janeiro 12, 2013

«Man»

Man, Steve Cutts (2012)
(visto aqui)

acordes diurnos

Muse, Absolution (2003)

A PRINCESA E A ERVILHA

Era uma vez um príncipe que queria casar com uma princesa -- mas tinha de ser uma princesa verdadeira. Por isso, foi viajar pelo mundo fora para encontrar uma, mas havia sempre qualquer coisa que não estava certa. Viu muitas princesas, mas nunca tinha a certeza de serem genuínas; havia sempre qualquer coisa, isto ou aquilo, que não parecia estar como devia ser. Por fim, regressou a casa, muito abatido, porque queria uma princesa verdadeira.
Uma noite houve uma terrível tempestade; os trovões ribombavam, os raios rasgavam o céu e a chuva caía em torrentes -- era apavorante. No meio disso tudo, alguém bateu à porta e o velho rei foi abrir.
Deparou com uma princesa. Mas, meu Deus!, o estado em que ela estava! A água escorria-lhe pelos cabelos e pela roupa e saía pelas biqueiras e pela parte de trás dos sapatos. No entanto, ela afirmou que era uma princesa de verdade.
-- Bem, já vamos ver isso -- pensou a velha rainha.
Não disse uma palavra, mas foi ao quarto de hóspedes, desmanchou a cama toda e pôs uma pequena ervilha no colchão. Depois empilhou mais vinte colchões e vinte cobertores por cima. A princesa iria dormir nessa cama.
De manhã perguntaram-lhe se tinha dormido bem.
--Oh, pessimamente! Não preguei olho em toda a noite! Só Deus sabe o que havia na cama, mas senti uma coisa dura que me encheu de nódoas negras. Foi horrível.
Então ficaram com a certeza de terem encontrado uma princesa verdadeira, pois ela tinha sentido a ervilha através de vinte edredões e vinte colchões. Só uma princesa verdadeira podia ser tão sensível.
Então o príncipe casou com ela; não precisava de procurar mais. A ervilha foi para o museu; podem ir lá vê-la, se é que ninguém a tirou.
Aqui têm uma bela história!

Hans Christian Andersen, Contos de Fadas, trad. Ribeiro da Fonseca, Lisboa, Círculo de Leitores, 1989.

sexta-feira, janeiro 11, 2013

bichos

Quando passarem a abater os condutores alcoolizados que matam pessoas inocentes nas estradas do país, estarei disponível para considerar a possibilidade de debater o tema dos abate dos cães das chamadas "raças perigosas" -- desde, claro está, que abatam também os animais negligentes que passam por donos daqueles. Debater, apenas; pois como sou contra a pena de morte dos que sabem o que fazem, por extensão também me insurjo contra a execução dos irracionais. A sociedade que se organize. É simples, mas dá trabalho.

Anna Netrebko, «Quando m'en vo»

de La Bohème (Puccini)

adorável

Anna Netrebko

Q

Hergé, Tintin na América (1932)

quinta-feira, janeiro 10, 2013

Sempre que do portão...


Sempre que do portão se avizinhava mero turista ou descobridor de mistérios e o sino ficava longo tempo a retinir pela ribeira, ouviam-se pesados bate-lajedos de caseiro em movimento.

Ruben A., início de A Torre da Barbela (1964), introdução de José Palla e Carmo, Lisboa, Círculo de Leitores, 1988.

O Vale do Riff -- J. J. Cale, «Crazy Mama»


O QUE PASSA


Um sol morno que perfura as nuvens e te aquece
Uns seios que apetece trincar
O cheiro molhado da terra
O cão que te abana a cauda
O encontro no chegar a casa
A ilusão de óptica nas jantes dum carro inglês
Aquela frase que te saltou do livro
O verso que veio ter contigo
Um looping de avioneta no céu de cascais
Um vestido curto de fêmea
Uma bica com café do nabeiro
Um sax que não se sabe de onde vem.

5 NOVEMBRO 2012

quarta-feira, janeiro 09, 2013

dois ou três lugares-comuns, a propósito duma obra maior


Primeira banalidade: a ficção realista é sempre ultrapassada pela realidade, trate-se de um ambiente concentracionário na floresta amazónica (A Selva, de Ferreira de Castro), uma migração colectiva na América da Grande Depressão (As Vinhas da Ira, de John Steinbeck) ou uma exploração mineira em França (Germinal, de Émile Zola).
Se Isto É um Homem, de 1947, é um relato verídico de um sobrevivente, escrito ao longo de mais de um ano, tão intensamente vivo como profundamente meditado. E, por isso, o horror pôde ser descrito com objectividade, a benefício da narrativa, que não se deixa seduzir pela magnitude do tema (a vivência do próprio autor no infame campo de Auschwitz, até à libertação pelas tropas soviéticas, em Janeiro de 1944), conduzindo a narrativa porventura com uma grandiloquência que só a prejudicaria. Como Levi é um grande escritor, serve o texto com absoluta mestria, num estilo contido e recurso frequente a frases curtas, remates de períodos que nos deixam k.o.
Se Isto É um Homem: a condição simultaneamente trágica e patética do bicho-homem que conhecemos de nós próprios, mas que aqui outrém -- o autor -- revela. E, embora revelando-se, apenas o faz parcialmente, pois o autor/narrador fala de um eu que só em determinados e ocasionais momentos o é, porque do que se trata é a confirmação à outrance, e pelos meios conhecidos, do desiderato dos alemães nesta perseguição insana: a de retirar os judeus da humanidade -- não apenas exterminando-os, mas, naqueles que não eram desde logo executados, esvaziando-os dessa mesma humanidade, como que para comprovar teorias rácicas tão dementes quanto extraordinariamente estúpidas (um racista biológico, quando não for um doido varrido, será sempre um cretino, ignorante e por vezes perigoso).
    

à margem, mas a propósito

Outro lugar-comum, que por o ser não é menos verdadeiro, é o da natureza excepcionalmente maligna do feixe de ideias imbecil e mal cozinhado que foi o nacional socialismo, pior do que o estalinismo, na medida em que este, entre outras coisas, pintava o despotismo com as cores do humanismo (como embuste, talvez nada lhe leve a palma); o nazismo, pelo contrário, não ocultou a sua natureza degeneradamente maligna: a da suposta e absurda existência de uma raça superior, doutras inferiores, e até de uma categoria que estava abaixo da humanidade e que havia que exterminar, não sem  antes ser sugada, metodicamente, pelo trabalho até à exaustão, com rigor e cultura germânicos.

"A MORTE E A MORTE DE QUINCAS BERRO D'ÁGUA", Vinicius de Moraes


Em dois tentos simples, Jorge Amado acaba de escrever o que para mim é o melhor romance e a melhor novela da literatura brasileira: Gabriela, Cravo e Canela e A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água, publicada, esta, no número de junho da revista Senhor. Para tirar teima, ainda andei pegando êsses últimos dias Dom Casmurro e Quincas Borba e uma série de contos do velho Machado; um mais fino estilista, sem dúvida, o escritor carioca, com a graça da sua silogística cinzenta e a sua paciente ordenação das personagens no tempo e no espaço. O baiano, apesar do apuro que, pouco a pouco, está também atingindo, ainda se espoja no sumo de sua linguagem, ainda brinca em serviço, como se diz. E felizmente o faz! Pois se é verdadeiro dizer que o estilo é o homem, temos que Machado é mais estilo que homem, e Jorge Amado mais homem que estilo. E esta é, em última instância, pelo menos a meu ver, a classe de escritores que realmente fecundam a língua que realmente libertam as personagens da sua própria teia psicológica e as fazem saltar, vivas e ardentes, para o lado de cá do livro. 
Não somos um país de grandes prosadores. Alguns dos melhores são, a meu ver, poetas como Bandeira e Drummond, ou poetas a ser, como Rubem Braga, que é para mim, neste momento -- em que pese a freqüente displicência que a obrigação da crônica diária lhe traz -- o melhor prosador do idioma. Digo prosa, entenda-se bem. Grandes romancistas nós os temos, alguns aliando à vocação qualidades ímpares de estilo; e, infelizmente, nesta linha, o maior dêles, na minha opinião, morreu: Graciliano Ramos. Mas a maioria dos que procuraram narrar com estilo, nas pegadas do velho Machado, ou por imperativo de sua própria condição de escritor, secaram a língua, fizeram dela não um saboroso pão, cheiroso e de sustância; produziram finos biscoitos quebradiços que se prova uma vez com delícia, mas cuja repetição resulta enjoativa. A êsses prefiro francamente a incúria estilística de um José Lins, de um Jorge Amado da primeira fase, de um Otávio de Faria, que se prejudica o prazer sibarita da leitura de sandálias, em nada lhes subtrai a capacidade de criar mundos de romance onde as personagens "vivem".
Eu acho francamente belo o crescimento de um escritor como Jorge Amado, que vem desde um livro cheio de defeitos como O País do Carnaval até essa obra-prima que é A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água. Um crescimento verdadeiro como a vida, que vem de baixo para cima e sem se recusar às torpitudes; não um crescimento decorativo de araucária, mas de árvore que dá fronde e que dá frutos de polpa, que dá parasitas e dá passarinhos: uma gorda e resinosa mangueira. E que melhor comparação, para o deleite da leitura dêsse baiano da peste, que o de comer mangas, os dentes mordendo fundo a carne da fruta, a terebentina escorrendo pelo queixo no seu amarelo pungente, a gulodice de enxugar o caroço até o fim...
Saí da leitura dessa extraordinária novela, eu que andava no maior fastio de literatura, com a mesma sensação que tive, e que nunca mais se repetiu, ao ler os grandes romances e novelas dos mestres russos do século 19, Pushkin, Dostoievski, Tolstoi, Gogol especialmente. Uma sensação de bem-estar físico e espiritual como só dão os prazeres do copo e da mesa, quando se está com sêde ou fome, e os da cama, quando se ama. Ela representa dentro da novelística brasileira, onde já há cimos consideráveis, um cume máximo. Um cume que todos os escritores jovens devem ter em mira, numa sadia inveja e num saudável desejo de ultrapassá-lo. E tanto pior se o não fizerem.



(Publicado inicialmente em Última Hora, Rio de Janeiro, 1959)

Jorge Amado Povo e Terra -- 40 Anos de Literatura, prefácio de José de Barros Martins, São Paulo, Livraria Martins Editora,
1971

Antologia Improvável - Dinis H. G. Nunes

VELHICE

depois de todas as tragédias
que resta para viver?
uma rotina doméstica
um amor tequila
uma paisagem ecstazy
uma praia de cães histéricos
recordações rememoradas vezes sem conta
por velhos amigos saudosistas relapsos e frouxos
em esplanadas com vistas para gajas que nos fodem os miolos
e depois? ah os aniversários, as festas e as comemorações banais
os casamentos acabados bestialmente em cornos bestiais
os eventos privados de suites bacanais
swings sodomitas e escapadelas amantes
as saídas de emergência apressadas de armários e guarda-fatos
fruto de longas insónias meditadas à mesinha de cabeceira
ou na net puta toda a tua imaginação rameira
deram lugar a distintos funerais e divórcios da vida
um dia estaremos impávidos e serenos na nossa missa de
corpo-presente
espreitando o sorriso do nosso cadáver triste
inaceitável e incrível: mas fica mal faltar, compreendes?

Dinis H. G. Nunes
(Sulscrito #10)


DOS RESTOS DE HUMANIDADE


Como sobreviver
À merda que nos sai
Ao peido nauseante?

Beethoven traquejava
Eu sei isso alivia-me
Misericórdia porém

Como esquecê-lo quando
O mesmo chanel passa
Uma e outra vez e entumece?

Como não rir do patriarca
Em massagem de natal
Do pr nos votos de ano bom?

É fodido.
23-XII-2012

terça-feira, janeiro 08, 2013

Regresso

Cansado daquela vida, regressei da casa pequena.