Mister Blueberry -- Dust
domingo, dezembro 31, 2006
Correspondências #73 - Leite de Vasconcelos a António Tomás Pires
Ex.mo Sr. Por indicação do meu amigo A. de Sequeira Ferraz soube que V. Ex.ª emprehendeu em folhetins da Sentinella a colheita dos cantos pop. do Alemtejo; permitta-me que eu, como enthusiasta por estes estudos, o felicite muito cordealmente; ao mesmo tempo aproveito a occasião para lhe pedir a distinta graça de me enviar um artigo (inedito) contendo algumas superstições ou certos versos, como para talhat doenças, adivinhas, etc. porque tenho no prélo um Annuario das trad. pop. port. onde desejo reunir, como já reuni, com excepção de V. Ex.ª, todos os que em Portugal se occupão de Folklore.
Este art. deve ser muito pequeno, porque o Annuario já está quasi cheio, e alem d'isso deve ser-me enviado por estes dias. Estou nesta terra a passar ferias; assim que fôr para o Porto remetterei a V. Ex.ª algum pequeno trabalho meu. Eu desejava possuir todos os folhetins de V. Ex.ª Num livro que agora publiquei, e de que estou a escrever o 2.º vol., Trad. popul. de Portugal (XVI-320 pag.) inclui vários costumes e cantos d'essa prov., mas não tanto com eu queria. Uma cousa recommendo a V. Ex.ª, e desculpe-me a confiança: conserve fielmente a linguag. do povo, como andi = andei, geôlho, etc..
Guimarães, R. de D. Luiz, -3 Set. 82
J. Leite de Vasconcellos
Cartas de Leite de Vasconcellos a António Tomás Pires
(edição de Eurico Gama)
sábado, dezembro 30, 2006
Uma leitura da «presença» #3
A presença verberou a literatura falsificada e a inanidade aflitiva do jornalismo; mas o seu combate tomou também, e essencialmente, uma feição afirmativa. Ao procurarem a autenticidade de artistas na realidade interior, ao pugnarem pelo primado da arte relativamente aos poderes formais e informais, ao defenderem a independência do autor em face de todas as pressões e ao cultivarem um saudável, mas de sua natureza instável, cultura de liberdade e inclusive de contradição, desencadearam uma tempestade que viria a escapar-lhes ao controlo, levando ao afundamento da revista -- essa «catástrofe» de que falou Casais Monteiro (10) --, cujos náufragos emergiriam como grandes solitários («Havia muito já que Robinson vivia / sozinho na sua Ilha; / era um Robinson só, não tinha Sexta-feira.» (11)). Pois se a arte esteve na génese da presença, algo porventura igualmente complexo e mais poderoso contribuiria decisivamente para o seu fim: hoje já é História; ontem era a política, de que alguns nem queriam ouvir falar. Razão porque, em meu entender, o trajecto da presença como fenómeno cultural, e não apenas literário, só poderá ser apreendido se não afastarmos desse percurso as contigências que lhe estiveram sempre a par: ditadura militar, advento e consolidação do Estado Novo, Guerra Civil de Espanha, II Guerra Mundial.
(10) Carta a Alfredo Pereira Gomes, Lisboa, 1 de Maio de 1940, in JL-Jornal de Letras, Artes e Ideias, Lisboa, 25 de Janeiro de 1994, pp. 9-10.
(11) Francisco BUGALHO, «Fábula», presença, n.º 49, Coimbra, Junho de 1937, p. 10.
(continua)
Este ano, um bom ano que nos livrou de alguns indesejáveis, foi incrivelmente mau para a justiça que se lhes devera ter feito. Milosevic morto a meio do processo em Haia, sem que o defunto Tudjman fosse, postumamente embora, responsabilizado pela barbárie balcânica. Houve também o Pinochet, essa fresca enguia. Quanto ao Saddam, compreende-se que os americanos, entre outros..., não estivessem muito interessados em revolver o passado comum.
O julgamento e rápida execução do «Carniceiro de Bagdad», com base em apenas uma das suas muitas atrocidades, embora das mais hediondas, é revelador da prontidão com que os americanos se quiseram ver livres deste empecilho, outrora aliado. Saddam Hussein não foi julgado por todo o seu consulado de terror. E sabemos, infelizmente, que os criminosos que em Washington podiam exibir no cadastro o massacre de milhares de vidas inocentes, não terão o julgamento a que deveriam ser sujeitos, em nome da decência.
sexta-feira, dezembro 29, 2006
Antologia Improvável #190 - Eugénio de Castro (2)
NOCTURNO
Je suis cellui ao coeur vestu de noir.
Ch. d'Orléans
Na viuvez da alameda
Andam bailes de folhas secas...
Paisagem vaga como o avesso duma seda...
O crepúsculo põe veludo nas charnecas...
Como Princesas desfloradas,
Numa floresta, p'los ladrões,
As altas árvores magoadas,
Que o vento abraça aos repelões,
Choram num coro de aflições,
Hirtas, medrosas, despenteadas...
Tudo cinzento, tudo cinzento...
As fontes chamam umas pelas outras...
Como lanças hostis, ao vento,
Tremem as canas do canavial...
E as fontes chamam umas pelas outras,
Como cegas perdidas num pinhal...
Como esbeltas Imperatrizes
Barbaramente destronadas,
As grandes árvores magoadas
Choram hirtas, despenteadas...
Estalam no chão suas raízes,
Cortam-lhe a alma sete espadas...
-- Pobres Rainhas que o vento humilha.
Rainhas de golpeado peito,
De qual de vós há-de ser feito
O berço estreito da minha filha?
Ergue-se a Lua de cabelos brancos...
Ao luar, as montanhas são grisalhas...
Ao luar, os mortos põem a secar suas mortalhas...
E a Lua penteia seus cabelos brancos...
Pelas desertas avenidas,
Longas, tristíssimas, profundas,
As altas árvores doridas
São como santas moribundas...
-- Árvores negras, cuja voz
Me enche de espinhos o coração,
De qual de vós, de qual de vós
Há-de ser feito o meu caixão?
Calou-se o vento... Um céu de ouros macios...
Como uma doce, afável enfermeira,
A Lua põe-se à cabeceira
Das águas doentes nos pauis sombrios...
Morto, cansado dos seus giros,
O vendaval foi-se deitar,
E os arvoredos, ao luar,
Não choram já, só dão suspiros...
-- Ó sequiosas da manhã,
Ó sequiosas de luz nova,
Onde estará a vossa irmã
Que há-de dar sombra à minha cova?
Silva / Eugénio de Castro -- Poeta do Amor e da Beleza
(edição de Ana Maria Costa)
Je suis cellui ao coeur vestu de noir.
Ch. d'Orléans
Na viuvez da alameda
Andam bailes de folhas secas...
Paisagem vaga como o avesso duma seda...
O crepúsculo põe veludo nas charnecas...
Como Princesas desfloradas,
Numa floresta, p'los ladrões,
As altas árvores magoadas,
Que o vento abraça aos repelões,
Choram num coro de aflições,
Hirtas, medrosas, despenteadas...
Tudo cinzento, tudo cinzento...
As fontes chamam umas pelas outras...
Como lanças hostis, ao vento,
Tremem as canas do canavial...
E as fontes chamam umas pelas outras,
Como cegas perdidas num pinhal...
Como esbeltas Imperatrizes
Barbaramente destronadas,
As grandes árvores magoadas
Choram hirtas, despenteadas...
Estalam no chão suas raízes,
Cortam-lhe a alma sete espadas...
-- Pobres Rainhas que o vento humilha.
Rainhas de golpeado peito,
De qual de vós há-de ser feito
O berço estreito da minha filha?
Ergue-se a Lua de cabelos brancos...
Ao luar, as montanhas são grisalhas...
Ao luar, os mortos põem a secar suas mortalhas...
E a Lua penteia seus cabelos brancos...
Pelas desertas avenidas,
Longas, tristíssimas, profundas,
As altas árvores doridas
São como santas moribundas...
-- Árvores negras, cuja voz
Me enche de espinhos o coração,
De qual de vós, de qual de vós
Há-de ser feito o meu caixão?
Calou-se o vento... Um céu de ouros macios...
Como uma doce, afável enfermeira,
A Lua põe-se à cabeceira
Das águas doentes nos pauis sombrios...
Morto, cansado dos seus giros,
O vendaval foi-se deitar,
E os arvoredos, ao luar,
Não choram já, só dão suspiros...
-- Ó sequiosas da manhã,
Ó sequiosas de luz nova,
Onde estará a vossa irmã
Que há-de dar sombra à minha cova?
Silva / Eugénio de Castro -- Poeta do Amor e da Beleza
(edição de Ana Maria Costa)
quinta-feira, dezembro 28, 2006
Uma leitura da «presença» #2
Porque razão continuamos a folhear a presença com um interesse e um deleite que não esmorece, passadas oito décadas sobre a publicação do primeiro número? A resposta reside naturalmente nos traços distintivos que a caracterizaram -- inovação e rebeldia, espírito crítico e acção doutrinária --, na qualidade de muitos dos colaboradores e, acima de tudo, dos quatro directores, que souberam interpretar o seu momento histórico -- e ser modernos. Como escreveria o maior deles, sobre outro assunto: a presença continha em si «a parte do futuro que já exist[ia] no presente.» (2)
E justo é que os individualizemos: José Régio (1901-1969), poeta, dramaturgo, romancista e ensaísta (sem esquecermos o memorialista, o diarista e também o artista plástico) revelou-se nesta dispersão fecunda um dos escritores mais completos do seu século; e seria sempre um autor de primeiro plano se houvesse cultivado apenas um daqueles géneros. João Gaspar Simões (1903-1981), apesar de novelista, foi o crítico por antonomásia, tantas vezes menosprezado enquanto tal, mas cuja obra é um monumento à persistência e ao ludismo literário ensaístico (literatura, literatura, literatura), pesem embora as parcialidades e os ódios de estimação mal disfarçados que lhe tolhiam por vezes a clarividência e granjearam alguns inimigos. (3) Branquinho da Fonseca (1905-1974), não apenas contista de excepção, como poeta muito apreciável sob o o semi-heterónimo António Madeira (4), um príncipe da cultura portuguesa (são concepção sua as Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian, ensaiadas em Cascais, na década de quarenta, quando foi conservador do Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães (5)) que deixou a marca do seu bom gosto expressa no grafismo da folha. Adolfo casais Monteiro (1908-1972) -- que assumiria a partilha da direcção em 1931 (7) --, poeta sofrível, crítico assertivo, importante ensaísta, docente universitário no seu exílio brasileiro.
À aventura iniciada em 10 de Março de 1927, materializada em oito páginas de papel pardo, vendida não se sabe a quem pelo preço de um escudo, agregaram-se jovens condiscípulos de Coimbra (Edmundo de Bettencourt, Francisco Bugalho, Saul Dias, Fausto José, António de Navarro, Alexandre d'Aragão e, marginalmente, Vitorino Nemésio e Miguel Torga, usando ainda o nome civil), ao lado da figura tutelar de Afonso Duarte, poeta mais velho (1885-1959), «colaborador da Águia e vagamente saudosista» (8), com um largo ascendente sobre quase todos eles (9), e, um pouco mais tarde, um jovem poeta portuense, dos maiores do segundo modernismo talvez aquele que ainda não foi reconhecido enquanto tal: Alberto de Serpa; a ela aderiu gente do primeiro modernismo: desde logo Fernando Pessoa -- que começou por ter como elo de ligação o presencista de Lisboa Carlos Queirós, sobrinho de Ofélia --, com colaboração abundante e significativa, Almada Negreiros, Luís de Montalvor, Raul Leal, Armando Cortes-Rodrigues, Gil Vaz, Mário Saa e António Botto; até ela chegaram os poetas da «novíssima geração», neo-realistas como Joaquim Namorado, Mário Dionísio, Fernando Namora e João José Cochofel.
(2) José RÉGIO, «Da geração modernista», presença, n.º 3, Coimbra, 8 de Abril de 1927, p. 1. Todas as citações e referências serão feitas a partir da edição fac-similada compacta em três volumes, Lisboa, Contexto, 1993.
(3) Para a pequena crónica ficaram os trocadilhos que lhe aplicaram o bilioso Jaime Brasil, chamando-lhe «o nosso Sainte-Boeuf», e o impiedoso Tomás Ribeiro Colaço, que aludiu a uma alegada fixação do crítico como a «proustatite de Gaspar Simões»...
(4) Embora António Branquinho da Fonseca tenha recuperado um apelido materno (Madeira), não parece descabido falar em, pelo menos, semi-heteronímia, dada a circunstância de a presença, por algumas vezes, ter apresentado poemas de Branquinho e Madeira, cujas possíveis distinções -- evidentes no plano formal -- caberia definir.
(5) Ver Branquinho da FONSECA, Relatório do Conservador do Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães (1943), Cascais, Câmara Municipal, 1997.
(6) Basta folhear a colecção da presença e verificar como o entusiamante grafismo se desvaneceu com a saída de Branquinho. No seu espólio -- depositado no Arquivo Histórico Municipal de Cascais --, conservam-se desenhos e vinhetas que imediatamente evocam a revista.
(7) Estreara-se na revista com um pequeno ensaio «Sobre Eça de Queirós», presença, n.º 17, Dezembro de 1928, pp. 1 e 11.
(8) «[...] é um poeta que, pela expressão, se tem de considerar moderno». João Gaspar SIMÕES, «Defesa da poesia moderna contemporânea» [1937], Novos Temas, Lisboa, Editorial Inquérito, 1938, p. 93. Segundo Casais, terá «desempenha[do], entre a geração do Orpheu e a da Presença, papel idêntico ao que teve a [poesia] de Pessanha, entre a do simbolismo e a do Orpheu». Adolfo Casais MONTEIRO, «A poesia da Presença» [1972], O que Foi e o que Não Foi o Movimento da Presença, edição de Fernando J. B. Martinho, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1995, p. 127.
(9) «[...] nós os da Presença, descobridores do génio deste grande lírico.» João Gaspar SIMÕES, Retratos de Poetas que Conheci, Porto, Brasília Editora, 1974, p. 33.
(continua)
terça-feira, dezembro 26, 2006
Uma leitura da «presença» #1
O recente centenário do nascimento de Lopes-Graça fez-me ir à gaveta retirar um estudo com meia dúzia de anos destinado a uma colectânea de correspondência com os «presencistas», grupo a que, por direito próprio, o autor de Música e Músicos Modernos pertence. Ele aqui fica, em primeira mão.
Liberdade de criação e expressão, recusa de subordinação a tudo que não fosse a verdade do artista, consequente afirmação da sua independência em face dos poderes instituídos -- condição necessária para a autenticidade da criação como manifestação do que de mais genuinamente o artista traz em si --, rejeição do academismo, do formalismo e da contrafacção: este, a traços largos, o programa da presença, revista literária que se publicou em Coimbra, entre 1927 e 1938, com uma segunda série saída em Lisboa, em 1939 e 1940.
Com a Seara Nova, de Raul Proença, Jaime Cortesão, Câmara Reis e António Sérgio, entre outros, iniciada em 1922 -- embora não descurando a literatura, procurava antes de tudo exercer um pedagogismo cívico que não cabia nos propósitos da folha coimbrã --, apresentam-se-nos ambas como as principais referências éticas da vida cultural portuguesa, no que a revistas culturais respeita, entre as duas guerras mundiais. Não por acaso, de resto, se constata a preeminência de ambas, cujas afinidades na respectiva área de intervenção teríamos gosto em explorar, não fosse tal confronto comprometer a razoabilidade das dimensões da apresentação deste epistolário. (1)
(1) Recorde-se a funda admiração que Régio consagrou a António Sérgio, e também a sua importante colaboração na Seara, com destaque para as «Cartas do nosso tempo», dadas à estampa na década de 30 (ver Isabel Cadete NOVAIS, «Colaboração de José Régio em publicações periódicas», Boletim, n.º 2, Vila do Conde, Câmara Municipal / Centro de Estudos Regianos, 1998, p. 5.)
(continua)
Antologia Improvável #189 - Daniel Maia-Pinto Rodrigues (2)
Ainda hoje me recordo
olha que foi mesmo engraçado
quando tu naquela festa de arromba
de rompante me mostras a pomba.
Malva 62
olha que foi mesmo engraçado
quando tu naquela festa de arromba
de rompante me mostras a pomba.
Malva 62
segunda-feira, dezembro 25, 2006
sábado, dezembro 23, 2006
sexta-feira, dezembro 22, 2006
quinta-feira, dezembro 21, 2006
Iabadabadu!!!
As imagens mais antigas que tenho dos desenhos animados da tv, então a preto e branco, estão aqui: não bem o Tom & Jerry da MGM, que esses via-os apenas no cinema, nas matinés infantis do Casino Estoril; nem os Schtroumpfs, BD do belga Peyo que negociou com aqueles dois que estão sentados à frente, a adaptação ao cinema de animação.
As minhas imagens remontam a umas tardes de sábado, com os Flintstones, eu sentado no chão da sala e encostado às pernas do meu Pai, há quase 40 anos, numa casa a dois passos de onde agora moro; e ficaram-me os nomes e as dobragens brasileiras: do Zé Colmeia e Catatau ao Pepe Legal e Babalu, do Bibo Pai e Bobi Filho ao Olho Vivo e Faro Fino, do Dom Pixote (Huckleberry Hound) ao Plic, Ploc e Chuvisco, mai-la 'Squadrilha Abutre do Dick (Dastardly) Vigarista e seu cão Pilantra (Mutley), e por aí fora...
Estas lembranças devo a Joseph Barbera, que morreu anteontem, e ao seu colega também já desaparecido William Hanna. Com Tom & Jerry estiveram entre os melhores; com os Flintstones & C.ª, entre os mais criativos.
quarta-feira, dezembro 20, 2006
terça-feira, dezembro 19, 2006
Caracteres móveis - Augusto de Castro
O mal da nossa literatura é o das revoadas. Tivemos a revoada Junqueiro, a revoada António Nobre, a revoada Cesário Verde, a revoada Fernando Pessoa... Depois vão todos, toc-toc, atrás. E o que pode ser, por vezes, fulgor do génio, sinceridade de um temperamento isolado, transforma-se, nos diminutivos que se seguem, em coro e em fífia.
Não é fácil tocar guitarra com um bombo.
Mestre Outono, Pintor
segunda-feira, dezembro 18, 2006
Antologia Improvável #188 - Ana Luísa Amaral
NAMORO DE ALDEIA
Duas horas e meia da manhã:
o trabalho que espera sossegado,
o cansaço do fogo na lareira,
a caneta riscando e o cantar do galo
estremunhado
Deve pensar que são seis horas, este galo,
e o meu trabalho em sono, o fogo que me fala,
uma unha roída,
um cigarro fumado,
o café a fazer e o poema desfeito
em só cadência
Que tema é este sério a esta hora
breve da manhã, com o trabalho à espera
e o fascínio do fogo?
Deve pensar que possui tema, este poema
que não me evita e me namora ousadamente
a desoras na aldeia
O fogo estala e outro galo canta
e o meu trabalho enjoa sossegado
No romance parado do meu poema e eu,
o café já saiu, começou a chover
Escorrem gotas macias no telhado,
o fogo morre, o trabalho desperta
abrindo um olho lento
e o meu namorado parvo e tonto
carregado de imagens (e de outras coisas leve)
sai furtivo a desoras
Só deixou por roer
a unha do polegar
da minha mão direita
Minha Senhora de Quê / Poesia Reunida
Duas horas e meia da manhã:
o trabalho que espera sossegado,
o cansaço do fogo na lareira,
a caneta riscando e o cantar do galo
estremunhado
Deve pensar que são seis horas, este galo,
e o meu trabalho em sono, o fogo que me fala,
uma unha roída,
um cigarro fumado,
o café a fazer e o poema desfeito
em só cadência
Que tema é este sério a esta hora
breve da manhã, com o trabalho à espera
e o fascínio do fogo?
Deve pensar que possui tema, este poema
que não me evita e me namora ousadamente
a desoras na aldeia
O fogo estala e outro galo canta
e o meu trabalho enjoa sossegado
No romance parado do meu poema e eu,
o café já saiu, começou a chover
Escorrem gotas macias no telhado,
o fogo morre, o trabalho desperta
abrindo um olho lento
e o meu namorado parvo e tonto
carregado de imagens (e de outras coisas leve)
sai furtivo a desoras
Só deixou por roer
a unha do polegar
da minha mão direita
Minha Senhora de Quê / Poesia Reunida
domingo, dezembro 17, 2006
Com Lopes-Graça, à beira do fim
Quando há pouco mais de duas décadas me cruzei pela primeira vez com Fernando Lopes-Graça, no Teatro Gil Vicente, em Cascais, num comício de apoio à candidatura de Salgado Zenha à Presidência da República, estava longe de imaginar que viríamos a ter um breve, mas intenso, relacionamento, poucos meses antes da sua morte.
O compositor havia decidido legar o seu riquíssimo espólio ao município de Cascais, onde vivia, destinado à Casa Verdades de Faria (hoje, Museu da Música Portuguesa), onde já se encontravam a magnífica colecção de instrumentos do seu velho amigo e colaborador Michel Giacometti, entretanto falecido, bem como a sua biblioteca especializada. Por razões profissionais, fiz parte da equipa que concretizou o desejo do autor do Canto de Amor e de Morte.
Encontrei-me com ele na Primavera de 1994, no «Marégrafo», onde almoçámos. Lopes-Graça era, para mim, a figura mítica do criador, popularizado pelas Heróicas, mas também do esteta, do teorizador e um nobre exemplo de resistente à ditadura salazarista. Dirigi-lhe a palavra com alguma emoção. Para facilitar o diálogo entre dois estranhos, levei-lhe uma fotografia da década de 50, onde ele aparecia conversando com Ferreira de Castro e Roberto Nobre.
A simpatia mútua surgiu de pronto, e naquele almoço muito se falou de literatura (Graça era um grande escritor, embora nunca assumisse essa condição) e gerações intelectuais de que ele era um dos últimos representantes. Homem da presença e da Seara Nova, fizera a ponte com o neo-realismo, pontificando n'O Diabo e na revista Vértice.
Entre mil-e-uma estórias que alimentaram o prândio -- enquanto cravava os cigarros que lhe estavam proibidos pelo médico e que sistematicamente partia ao meio, para prolongar um prazer que satisfazia como um adolescente que fumasse às escondidas -- , falámos obviamente de Ferreira de Castro e Roberto Nobre -- com quem escrevera um artigo para a Seara, sobre o filme Fantasia (1940), uma das obras-primas de Walt Disney --, de Manuel da Fonseca e José Blanc de Portugal; disse-me que estava a reler o Levantado do Chão, de José Saramago; passámos pelo 25 de Abril, por Picasso, por Stravinsky -- tanta coisa que a minha meória não pôde reter tudo.
Semanas mais tarde, quando visitou a Casa Verdades de Faria, no Monte Estoril, voltámos a falar animadamente dos seus companheiros de geração e dos intemporais confrades que com ele partilharam o destino da escrita -- porque, não o esqueçamos, Lopes-Graça cultivou superiormente a prosa, sendo um notável ensaísta.
Lembro-me de dizer-lhe como lamentava o esquecimento a que estava votado Tomás Ribeiro Colaço -- então uma recente descoberta minha --, monárquico liberal, escritor exilado no Brasil onde veio a morrer, apátrida do Portugal de Salazar, director, nos anos 30, de um importante semanário literário, o Fradique. Daí pulámos para o Eça, pois para além da evocação jornalística do semi-heterónimo Carlos Fradique Mendes, parecia-me haver uma nítida influência do romancista d'Os Maias em Colaço, desde logo por uma implacável ironia de que ambos se serviram. Graça veio, evidentemente, defender a superioridade de Camilo sobre Eça, e também, já no seu século XX, de Aquilino. O mesmo já se não passou com Fialho, para minha surpresa; pareceu-me que o detestava.
Estive na sua casa da Parede pelo menos duas vezes. Senti-me extasiado diante das suas estantes a abarrotar, reveladoras também de um fino gosto bibliófilo. Senti que lhe agradou a avidez com que me lancei aos livros dos escritores portugueses, quase todos com dedicatórias -- e, alguns deles, com que dedicatórias! «Aí estão os autores portugueses», disse-me com aquela entoação das pessoas que não só lêem os livros, como gostam de os ter junto de si, mirara-lhes de longe as lombadas, ir ao pormenor do cólofon.
E lá estavam, copiosos, os volumes de Aquilino, Ferreira de Castro, José Gomes Ferreira, José Régio, Vergílio Ferreira, Carlos de Oliveira, a primeira edição de Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, na editora Sírius, com capa de Álvaro Cunhal...
«O maestro tem aqui preciosidades!...», disse-lhe com evidente entusiasmo. «Ora diga lá, do que aí está, o que acha interessante», retorquiu ele, claramente para experimentar o rapaz com idade para ser seu neto e que lhe invadia em casa para, no cimo de um escadote, remexer as suas estantes, e que, ainda por cima, tinha opiniões sobre escritores que haviam sido seus amigos, privado com ele, trabalhado com ele. «Vá, diga lá a que escritores, dos que aí estão, acha o senhor interesse», insistiu. Aquele senhor, sem uma ponta de hostilidade, mas irónico -- pelo menos assim o senti --, punha-me claramente à prova. «Bem...», hesitei no meio de tantas possibilidades, e decidi jogar logo pelo seguro, «...o Carlos de Oliveira, por exemplo...» E lá começámos à conversa, gostosa e demoradamente.
Inesquecível uma tarde em que o rádio, sintonizado evidentemente na Antena 2, transmitia o Concerto para violoncelo de Dvorak, gravado não sei quando no Coliseu e dirigido por Pedro de Freitas Branco, Lopes-Graça sentado tendo à frente o seu Bechstein, por vezes a trautear uma passagem, e eu a folhear-lhe as prateleiras...
Muitas foram as estórias que ele me contou, por vezes repetiam-se, mas era sempre um prazer ouvi-lo. Episódios do seu exílio em Paris, nos anos 30, os contactos que tivera com Bernardino Machado («um picuinhas a rever textos») e Jaime Cortesão, que considerava ser um pedante, embora não lhe quisesse apoucar a grandeza. E saltávamos de nome em nome: Vitorino Nemésio, grande amigo com quem se incompatibilizou depois da Revolução, Jorge de Sena, homem com «um feitio terrível», mas «um homem superior».
Morreu umas semanas depois. O pouco que privei com ele não chegou para me fazer sentir seu amigo. Consegui admirá-lo pessoalmente, mesmo já diminuído. Comoveu-me a sua ostensiva militância comunista, que a todo o momento procurava vincar, sabendo eu que esse não fora um percurso sem escolhos. Enquanto vulgaríssimo melómano -- gosto de alguma da sua música, não aprecio outra. Quase que por acaso, quase, revejo estas notas tomadas num caderninho, em 5 de Janeiro de 1995, ao som da sua música. Escolhi o Concertino para Violeta e Orquestra, de 1962, incluído no primeiro disco de Lopes-Graça que comprei, e que para sempre evocará o meu encontro com ele, à beira do fim.
Foto de Augusto Cabrita
sábado, dezembro 16, 2006
Correspondências #72 - Camilo Castelo Branco a Tomás Ribeiro
Meu CaroThomaz Ribeiro.
Tomára eu ca os outros volumes das tuas Jornadas. Anceio o que hade ser todo da India, porque os realces originaes hão de avantajal-o aos que fallarem da tão viajada e decrepita Europa. A simplicid.e do teu estylo dá meritos a este livro, que o tornam estimabilissimo. Sem questão, tu és poeta de primeira ordem, e prosador de segunda. Em quanto a musa te apojar bobotoens, torrentes de inspiração, não desças á prosa ignobil. Cede-a aos aleijadinhos do metro. Flores, flores, meu caro Thomaz Ribeiro. Não ha quem atire mais jardins do que tu para cima destas charnecas.
Abraça-te o teu velho e paralytico am.º
C. Castello Branco
Porto 1 de Dzbr.º de 1873.
Cartas de Camilo Castelo Branco a Tomás Ribeiro
(edição de Branca de Gonta Colaço)
Figuras de estilo - Fernando Grade
Nas costas de Spínola, cerraram o portão do quartel. Os minutos correram nervosos. E já, novamente, o mesmo portão se abre: vê-se agora, no túnel, o Marcelo, prisioneiro, entrar no carro de combate. Ouvem-se vaias, maldições. Chovem cuspidelas para a carapaça do blindado que rompe por entre a multidão. No interior do veículo, o Marcelo vai verde, leva o rosto destruído, vê-se-lhe nos olhos que não entende ainda o que acontece agora-agora e já é página da História; o ditador mostra uma carantonha siderada de um verde eterno, como as fardas da sua apalhaçada Mocidade Portuguesa.
A Minha Quinta-Feira 25 de Abril
sexta-feira, dezembro 15, 2006
quinta-feira, dezembro 14, 2006
«Tão próximo do Natal»
A não perder a fantástica crónica de Ruben de Carvalho no DN de hoje, 5.ª feira. Vale todo o jornal, incluindo a pretensiosa revista.
Antologia Improvável #187 - Jaime Rocha
LACRIMATÓRIA 10
Uma ilha ao longe marca o terreno para o corpo
da morta, uma ilha em ruínas, ladeada por
rochedos acastanhados pelo tempo, escondida
entre altos ciprestes. De noite, uma pequena barca
surge da água trazendo duas mulheres esguias
iluminadas pela lua. Os remos transformam as
silhuetas em animais mágicos, vestidos de cor verde.
A mulher vem deitada num lençol e das falésias
ouve-se um cântico como se ali habitassem os seres
mais antigos do mundo. A ilha vive fora do horizonte,
desfeita pela chuva. Quando a barca fica presa a uns
ganchos, os ciprestes viram-se para dentro mostrando
diversos degraus de pedra. Alguém aguarda o momento
em que o homem se atira para as frestas e contempla o
corpo dela a ser levado pelo vento.
Lacrimatória
Uma ilha ao longe marca o terreno para o corpo
da morta, uma ilha em ruínas, ladeada por
rochedos acastanhados pelo tempo, escondida
entre altos ciprestes. De noite, uma pequena barca
surge da água trazendo duas mulheres esguias
iluminadas pela lua. Os remos transformam as
silhuetas em animais mágicos, vestidos de cor verde.
A mulher vem deitada num lençol e das falésias
ouve-se um cântico como se ali habitassem os seres
mais antigos do mundo. A ilha vive fora do horizonte,
desfeita pela chuva. Quando a barca fica presa a uns
ganchos, os ciprestes viram-se para dentro mostrando
diversos degraus de pedra. Alguém aguarda o momento
em que o homem se atira para as frestas e contempla o
corpo dela a ser levado pelo vento.
Lacrimatória
quarta-feira, dezembro 13, 2006
Doenças
É verdade que Israel não tem ajudado muito, mas é repugnante ver o Irão patrocinar um congresso negacionista do Holocausto. O racismo e o nacionalismo continuam a ser doenças por debelar.
Foi bem feito
A ministra da Defesa do Chile foi vaiada nas exéquias de Pinochet. Tratando-se de um criminoso que usurpou a chefia do Estado chileno durante 17 anos, não sei porque razão um governo democraticamente eleito se rebaixou enviando um representante àquele acto. Eu sei que a democracia por si só tem uma superioridade ética e moral relativamente às ditaduras. Mas há gente que não merece sequer um gesto de indulgência.
terça-feira, dezembro 12, 2006
Caracteres móveis - Victor Hugo
Desde as seis e meia da manhã que se ouviu pelas ruas o toque de chamada. Às onze, saio. As ruas estão desertas, as lojas fechadas; vê-se, lá de longe a longe, passar uma velhota. Sente-se que Paris inteiro se derramou para um dos lados da cidade, como um líquido num recipiente inclinado.
O Funeral do Imperador
(tradução de Luiza Neto Jorge)
segunda-feira, dezembro 11, 2006
Antologia Improvável #186 - Teresa Guedes
O MEU LÁPIS
É impossível pintar
a canção do vento
ou o choro das árvores
quando são abatidas.
É possível, diz o meu lápis
habituado a tantas vidas.
Real...mente
É impossível pintar
a canção do vento
ou o choro das árvores
quando são abatidas.
É possível, diz o meu lápis
habituado a tantas vidas.
Real...mente
Na morte de Pinochet, um Mobutu sul-americano
durante o golpe de 11 de Setembro de 1973
É triste ver morrer um traidor sem julgamento. Nomeado por Salvador Allende comandante do exército chileno, enganou-o de tal maneira que quando o Presidente estava sitiado em La Moneda perguntava com ansiedade pelo estado do seu general durante a insurreição que corria: «Coitado do Pinochet», lamentava Allende...
É triste ver morrer um facínora sem julgamento. Não são apenas os três mil mortos e desaparecidos que vão atormentar o esbirro no inferno. É a perfídia, a tortura, os requintes de malvadez dos torturadores, cuja responsabilidade política ele há dias assumiu, sabendo-se impune e livre de recorrer ao abjecto número de circo da cadeira de rodas.
Há quem diga que ele salvou o Chile do comunismo. Mesmo que essa deriva se viesse a confirmar -- o que ficou por demonstrar (e recorde-se que Allende pertencia ao Partido Socialista chileno) --, mesmo que aceitássemos a hipótese, o Chile foi em seguida condenado ao Pinochet. E não são os alegados bons resultados da economia (tão louvados por uns pseudo-liberais imbecis) que redimem a personagem. Para a História, Pinochet ficará como um mero peão da Guerra Fria, um Mobutu latino-americano, igualmente ladrão e carrasco. O Chile não ficou como o Zaire/Congo, podem argumentar; mas a história das instituições nos dois países não é comparável.
Na morte de um assassino e de um traidor, presto homenagem à sua mais conhecida vítima, que não recorreu a números de circo para salvar o pêlo: Salvador Allende.
domingo, dezembro 10, 2006
Correspondências #71 - Luís Cardim a Roberto Nobre
Porto, 11 de Setembro de 1949
Meu prezado e bom Amigo Ex.mo Snr. Roberto Nobre
Na página literária do «Janeiro» de 4ª feira passada veio uma extensa e muito elogiosa notícia crítica do meu livrinho, subscrita pela letra A.; fui lá agradecer, e soube que era do snr. Jayme Brazil, a quem vou portanto agradecer também, para o que pedi a morada dele em Paris.
Mandei um recorte ao Dr. Câmara Reys, nosso comum amigo, e não [sei] se ele lho mostrou, ou se VExª terá visto a crítica no próprio Janeiro. Começa por fazer referências muito generosas às minhas actividades em filologia germânica, e em especial quanto a Shakespeare, acrescentando que me devia ser dada uma bolsa de estudo para estudar e investigar em Inglaterra, e em seguida passa em revista todo o livrinho, com bastante minuciosidade e compreensão. A única nota discordante -- embora também amável -- é chamar «monumental» à minha obra «Shakespeare e o Drama Inglês»; eu reconheço, sem falsa modéstia, que ela é bastante completa, bem informada, actualizada e... muito condensada; mas daí a «monumental», vai um bocado, e quem ler a crítica e conhecer o livro, estranhará talvez um pouco o epíteto.
Mas é uma crítica extremamente bondosa, tanto pela extensão como pelo fundo, e como sei que a devo em grande parte à iniciativa gentilíssima de VEx.ª, é a VEx.ª que primeiro agradeço. Em Outubro irei a Lisboa, e lá fá-lo-ei pessoalmente. Eu tenho andado a traduzir para inglês uns trabalhos de psicotecnia; tive, é claro, que estudar o assunto, e como me deram pouco tempo, o esforço foi grande, e dura há um mês, pouco mais ou menos. O que vale é que me rende uns três contos; é pouco ainda para o número de horas que me levou, mas... pecuniàriamente é melhor que «Os Problemas do Hamlet», que nada me renderam, aliás por proposta minha inicial. Agora gostava de escrever sobre «As tendências actuais dos estudos shakespeareanos», ou coisa parecida -- um tema em que cabia muita coisa; mas tenho actualmente a vida muito embrulhada, e sinto-me velho e cansado, além do que o assunto demandava grande bibliografia, que não sei se poderei obter. «Os Problemas do Hamlet» foram uma deliciosa aventura, em que os livros necessários -- os mais necessários, pelo menos -- foram «vindo pelo ar», sponte sua aparentemente, dos vários pontos cardiais, e as várias-das-peças do puzzle se foram também encaixando por si mesmas nos seus devidos lugares... Mas o que eu pretendia agora é obra de mais vulto: terei eu tempo, forças, paciência e elementos para a levar a cabo?
Mas não abuso mais da sua bondade -- e até Outubro. Renovo os meus mais rendidos agradecimentos, e sou sempre
o de VEx.ª
admirador e amigo muito reconhecido
Luiz Cardim
«Sete Cartas de Luís Cardim a Roberto Nobre»,
Boca do Inferno, n.º 1
(edição de Ricardo António Alves)
sábado, dezembro 09, 2006
sexta-feira, dezembro 08, 2006
Antologia Improvável #185 - Luís Brito Pedroso
PEIXE
Pelas ruas curvilíneas
sentes que pertences a algo
Tudo será montanha ou colina,
guitarra portuguesa
e sardinha a assar, processos de vida
A dado momento estalam os dedos
a vida e a percepção
De certo modo sentes que pertences -- a algo
O chão de pedra -- percebes?
Há sol e sombra, touros
Transístores ao longe sintonizados na distância
Guitarras ao alcance das mãos, fadistas
Vinhos e casas
Processos de vida, coisas mais que antigas
Palavras e gestos.
Rio mar sal abismos promontórios
muito longe naus encalhando
Ondas areias sal.
E o crepúsculo visita-nos a cidade
entornando o seu canto pelos cantos das casas
Indumentárias negras enfim
Guitarras vinho e gritos.
Rixas becos e linchamentos
Linchamentos emocionais
Nada a questionar
sejam cigarros ou canecos ou apenas inchaços
Pátios barulhentos na época do calor
O chão de pedra derrete e quase que fala
Derrete tudo quanto é carne nas colinas
Na encosta do castelo
estoiros de motorizada falésia abaixo
Braços no ar vento na cara cara na rocha
Guitarras quebrando cabeças
e a indumentária negra
manchada de sangue ou vinho
(não se percebe)
Poema Seis
Pelas ruas curvilíneas
sentes que pertences a algo
Tudo será montanha ou colina,
guitarra portuguesa
e sardinha a assar, processos de vida
A dado momento estalam os dedos
a vida e a percepção
De certo modo sentes que pertences -- a algo
O chão de pedra -- percebes?
Há sol e sombra, touros
Transístores ao longe sintonizados na distância
Guitarras ao alcance das mãos, fadistas
Vinhos e casas
Processos de vida, coisas mais que antigas
Palavras e gestos.
Rio mar sal abismos promontórios
muito longe naus encalhando
Ondas areias sal.
E o crepúsculo visita-nos a cidade
entornando o seu canto pelos cantos das casas
Indumentárias negras enfim
Guitarras vinho e gritos.
Rixas becos e linchamentos
Linchamentos emocionais
Nada a questionar
sejam cigarros ou canecos ou apenas inchaços
Pátios barulhentos na época do calor
O chão de pedra derrete e quase que fala
Derrete tudo quanto é carne nas colinas
Na encosta do castelo
estoiros de motorizada falésia abaixo
Braços no ar vento na cara cara na rocha
Guitarras quebrando cabeças
e a indumentária negra
manchada de sangue ou vinho
(não se percebe)
Poema Seis
A Rainha
Esta Helen Mirren é magnífica. Já a admirara quando da outra Isabel, a Tudor (muito bem servida por esplêndidas actrizes ao longo da história do Cinema), que há pouco tempo passou na RTP. Mas fazer a Windsor deve puxar muito pelo canastro de dentro... E que bem que ela se sai. Aliás, Helen Mirren salva o filme de Frears da banalidade quase televisiva. E se Mirren se desempenhou superiormente, com ela ganhou também a imagem (detestável conceito...) da própria Isabel II, que surge como a única personagem com grandeza, acolitada por um ou outro servidor fiel, no meio da comoção geral que foi a morte trágica da princesa Diana.
quinta-feira, dezembro 07, 2006
terça-feira, dezembro 05, 2006
Caracteres móveis - Adolfo Casais Monteiro
A arte não é senão vida, não é senão o supremo esforço do homem para não morrer!
Prefácio a Versos
segunda-feira, dezembro 04, 2006
Antologia Improvável #184 - Vergílio Alberto Vieira
O ACENDEDOR DE LAMPIÕES
De tanto bater à porta
Da noite que à noite cai,
Ninguém com ele se importa
Nas ruas por onde vai.
De volta a casa, não diz
Como aprendeu a acender
Estrelas que o fazem feliz
Porque não querem morrer.
Para Chegar a uma Estrela
De tanto bater à porta
Da noite que à noite cai,
Ninguém com ele se importa
Nas ruas por onde vai.
De volta a casa, não diz
Como aprendeu a acender
Estrelas que o fazem feliz
Porque não querem morrer.
Para Chegar a uma Estrela
domingo, dezembro 03, 2006
Correspondências #70 - Luciano Pereira da Silva a Joaquim de Carvalho
Meu m.to presado Amigo:
Remeto-lhe junto as informações que Malheiro Dias me manda a respeito das 2 cópias do Archivo de Indias. Constam da carta inclusa que peço para me devolver. A respeito das edições da Imprensa da Universidade que ele quer, disse-lhe que se entendesse consigo directamente. Ele mora no Porto, na R. João de Deus, 201. Vai amanhã, ou depois, para Tanger, com o Antero de Figueiredo, que quer ir ver o campo de batalha de Alcacerquibir. Voltam no princípio de outubro.
A respeito da astronomia dos Lusiadas, parece-me que se deverá começar a impressão logo que eu tenha redigidas as emendas e acrescentos dos primeiros 5 capítulos. O livro tem X capítulos, e ficará com XI; o novo capítulo é fundado num artigo que escrevi na Águia, A estrela Venus nos Lusiadas, fácil de aprontar. Os primeiros capítulos são os de maior alteração. Assim creio que poderia começar-se a impressão em novembro, impressão ou composição. Eu, se não termino isso mais depressa, é por causa das constantes visitas que aqui tenhos. Mas, depois, se for preciso, até peço licença.
Tive aqui agora, como hópede o prof. Max Leopold Wagner, prof. da Universidade de Berlim. Seguiu ontem para Viana (veio de Vigo por aqui), onde o esperava o Dr. J. Providência.
Na próxima semana devo ter aqui também o prof. Schädel, da Universidade de Hamburgo, que vem também de Vigo, e segue para Viana, para o Dr. Providência. São ambos de Filologia românica. O Wagner, em que me parece q. já me falou, é um bávaro, de cabelo negro, mas que não pode passar por meridional, cá da terra, pois é um braquicéfalo, com um crâneo largo e curto, bem acentuado da sua raça. M.to simpático e inteligente e trabalhador.
E não continuo. Desejo-lhe saúde e a todos os Seus.
Manda o
Seu amigo certo e dedicado e obrig.do
Luciano Pereira da Silva
Caminha, 21.IX.23
P.S. -- Eu tenciono ir a Coimbra nos princípios de outubro.
Poderemos então falar lá?
Correspondência de Luciano Pereira da Silva para Joaquim de Carvalho
(edição de José Barbosa)
sábado, dezembro 02, 2006
sexta-feira, dezembro 01, 2006
Bento XVI e a Turquia
A última viagem papal foi um êxito assinalável, não só para o Vaticano como para o mundo islâmico moderado e também para o Estado turco.
A visita, que decorreu num tom de grande cordialidade (a irrelevância dos extremistas islamo-nacionalistas (!) foi notória), revelou a possibilidade de um diálogo assente no mútuo respeito e consideração.
A Santa Sé conseguiu aligeirar a pressão orquestrada por aqueles que no Islão estão interessados na destruição do Ocidente, da laicidade, das sociedades liberais e das influências destas nos territórios que consideram dever estar sob os seus ditames. Neste particular, o exemplo das autoridades religiosas turcas veio mostrar à chamada «rua muçulmana» (não propriamente a rua turca, antes algumas ruelas árabes) que nem tudo passa obrigatoriamente pelos «morras» ao que lá é percepcionado por Ocidente.
O inteligente sinal político que o Papa deu a respeito da adesão da Turquia à UE teve o benefício de atenuar o desastre que é a ausência de uma política de Bruxelas em face dessa adesão que está em cima da mesa, e que não se compadecerá com muito mais manobras dilatórias, sob pena de, perante uma humilhação estúpida, a Turquia voltar as costas à UE, o que seria trágico. Entre os receios alemães (até certo ponto compreensíveis dada a enorme colónia emigrante turca existente no seu território), a abjecção francesa, que tem o caos instalado em casa, e que não quer turcos nem polacos e se pudesse despachava expeditamente os bons dos portugueses no sud-express, e a atitude construtiva de Blair, o gesto de Bento XVI foi de grande agudeza, e com a possibilidade de um mais positivo desenvolvimento futuro desta questão.
Antologia Improvável #183 - Jorge Gomes Miranda
LINHA DE FOGO
Digamos o que dissermos
estamos sempre na linha de fogo.
Círculos de fogueiras breves
os poemas que escreveste
e onde não procuras hoje um entendimento,
antes da manhã, um qualquer fim.
Uns acreditam na pena de morte
para os crimes de sangue.
Outros na vida depois desta morte
a que chamam vida.
A poesia? Gangs organizados
dispostos a tudo para chegarem ao nada.
Escolhes o silêncio.
A salvação pelo esquecimento.
Mas já é tarde.
O teu nome consta da lista.
Faças tu o que fizeres.
Carregar, apontar, fogo!
Para alguns a vida é tão fácil.
Pontos Luminosos
Digamos o que dissermos
estamos sempre na linha de fogo.
Círculos de fogueiras breves
os poemas que escreveste
e onde não procuras hoje um entendimento,
antes da manhã, um qualquer fim.
Uns acreditam na pena de morte
para os crimes de sangue.
Outros na vida depois desta morte
a que chamam vida.
A poesia? Gangs organizados
dispostos a tudo para chegarem ao nada.
Escolhes o silêncio.
A salvação pelo esquecimento.
Mas já é tarde.
O teu nome consta da lista.
Faças tu o que fizeres.
Carregar, apontar, fogo!
Para alguns a vida é tão fácil.
Pontos Luminosos
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