quarta-feira, março 31, 2010
terça-feira, março 30, 2010
caderninho
Antologia Improvável #426 - Luís Veiga Leitão
POEMA
Os bandoleiros do ar-em-liberdade
caçaram-te vivo -- como as aves.
Imbecis! Para o voo duma verdade
não há mãos, nem muros, nem caves:
Vejo-a nos pára-raios,
nas cúpulas de cimento,
nas antenas da rádio
nas flexas do catavento.
Vejo-a no quebrado mito
p'la nudez do casario
em seus golpes de granito
enterrando os cascos no rio.
Vejo-a na praga dos arrais,
à janela das velas rotas
e no menino dos cais
comendo à mesa das gaivotas.
Vejo-a nos músculos tremendos
que os guindastes encarnam no ar.
Vejo-a nos barcos com remendos
conquistando peixes ao mar.
Vejo-a na torre derradeira
e nas profundas cicatrizes
nos ramos e nas raízes
da cidade inteira:
As neblinas cerradas
a fome em bicicletas
a rodagem dos poetas
por outras estradas.
Notícias do Bloqueio #2
Os bandoleiros do ar-em-liberdade
caçaram-te vivo -- como as aves.
Imbecis! Para o voo duma verdade
não há mãos, nem muros, nem caves:
Vejo-a nos pára-raios,
nas cúpulas de cimento,
nas antenas da rádio
nas flexas do catavento.
Vejo-a no quebrado mito
p'la nudez do casario
em seus golpes de granito
enterrando os cascos no rio.
Vejo-a na praga dos arrais,
à janela das velas rotas
e no menino dos cais
comendo à mesa das gaivotas.
Vejo-a nos músculos tremendos
que os guindastes encarnam no ar.
Vejo-a nos barcos com remendos
conquistando peixes ao mar.
Vejo-a na torre derradeira
e nas profundas cicatrizes
nos ramos e nas raízes
da cidade inteira:
As neblinas cerradas
a fome em bicicletas
a rodagem dos poetas
por outras estradas.
Notícias do Bloqueio #2
segunda-feira, março 29, 2010
domingo, março 28, 2010
do outro mundo
Literalmente do outro mundo: um dos maiores historiadores da Europa do seu tempo, romancista datado, poeta duro de roer, soldado liberal, cidadão exemplar avesso a privilégios (recusou um título nobiliárquico), educador (preceptor dos futuros D. Pedro V e D. Luís I), polemista destemido.
A sua História de Portugal é um dos livros da minha vida.
O país é digno de comemorá-lo?
sábado, março 27, 2010
sexta-feira, março 26, 2010
quinta-feira, março 25, 2010
(incon)sequências, (ex)citações
Vitorino Nemésio -- Entrava em pormenores. Margarida ouvia-o agora vagamente distraída, de cabeça voltada às nuvens, como quem tem uma coisa que incomoda no pescoço, um mau jeito. O cabelo, um pouco solto, ficava com toda a luz da lâmpada defronte, de maneira que a testa reflectia o vaivém da sombra ao vento. -- Mau Tempo no Canal (1944)
Assis Esperança -- Se não corresse o risco de receber da madrinha a reprimenda de lhe recordar, a propósito de tudo, as responsabilidades da sua idade, mulher já feita, circunspecta, tão precoce saíra -- pediria uma boneca. Das maiores. -- Sonho premente desde a infância, não conseguira mais que arremedá-lo de cambulhada e, entre outros, com monas de trapos: uma saia velha, um atilho apertado com força, a formar a cabeça, outro, a meio, a traçar a cintura. -- Servidão (1946)
Manuel da Fonseca -- Seca e breve como uma chicotada, a praga rompe dos lábios azedos da velha: / -- Raios partam esse vento! / Por instantes, as duas mulheres entreolharam-se. A velha, de punho no ar, a boca ainda aberta pelo grito. Júlia encolhida e receosa, como se acabasse de ouvir uma blasfémia. -- Seara de Vento (1958)
terça-feira, março 23, 2010
caderninho
Os carneiros só respiram um pouco quando os lobos se disputam. O pior é a reconciliação. José Bacelar
Revisão 2 -- Anotações à Margem da Vida Quotidiana
segunda-feira, março 22, 2010
Antologia Improvável #425 - Alexandre Dáskalos
PORTO
Havia nos olhos postos o sentido
de não vencerem distâncias.
Calados, mudos, de lábios colados no silêncio
os braços cruzados como quem deseja
mas de braços cruzados.
Os navios chegavam aos portos e partiam.
Os carregadores falavam da gente do mar.
A gente do mar dos que ficam em terra.
As mercadorias seguiam.
Os ventos, dispersos na alma do tempo,
traziam as novas das terras longínquas.
Segredavam-se em noites e dias
a todos os homens
em todos os mares
e em todos os portos
num destino comum.
Os navios chegavam ao porto
e partiam...
Poesia / No Reino de Caliban II
(edição de Manuel Ferreira)
imagem daqui
Havia nos olhos postos o sentido
de não vencerem distâncias.
Calados, mudos, de lábios colados no silêncio
os braços cruzados como quem deseja
mas de braços cruzados.
Os navios chegavam aos portos e partiam.
Os carregadores falavam da gente do mar.
A gente do mar dos que ficam em terra.
As mercadorias seguiam.
Os ventos, dispersos na alma do tempo,
traziam as novas das terras longínquas.
Segredavam-se em noites e dias
a todos os homens
em todos os mares
e em todos os portos
num destino comum.
Os navios chegavam ao porto
e partiam...
Poesia / No Reino de Caliban II
(edição de Manuel Ferreira)
imagem daqui
domingo, março 21, 2010
Mais vale ser pardal na rua / que rouxinol na prisão.
Um amigo enviou-me um excerto de «Sicko», em que o extraordinário Michael Moore faz o contraponto entre a política de saúde dos EUA e a da negregada Cuba. O mail vinha acompanhado das maiores diatribes contra o capitalismo e um elogio do sistema da ilha de Fidel.
O serviço de saúde que o estado cubano proporciona aos seus cidadãos é de altíssima qualidade, como o serão outros. Mas faz-me espécie a exaltação das virtualidades do regime em detrimento das defeituosas democracias liberais, tão odiadas pela mentalidade totalitária.
Eu recuso que para ter um estado dimensionado à medida do cidadão, em que os impostos são aplicados em benefício geral, tenha de abdicar doutros direitos humanos básicos, como o da tal liberdade. Abomino o capitalismo selvagem, e gostaria muito de poder tratar-me decentemente num hospital suportado pelos impostos, em vez de ter de recorrer a seguros de saúde; mas já me chateia que me tratem bem do corpo e depois me encarcerem o espírito.
É claro que isto sou eu a falar de barriga cheia. Acredito que se as minhas preocupações, após o pão de cada dia, se limitassem à vileza do escrutínio dos erros do árbitro contra o meu clube, ou saber as últimas calhandrices sobre a vida íntima duma figura qualquer da tv, vileza em que pasta a enorme maioria dos portugueses, tenho a certeza de que me estaria nas tintas para essa coisa comezinha que é a liberdade, sem tutela do estado e dos seus pides, sem consciência, porém, de que os meus direitos e a minha dignidade estavam sequestrados por uma clique que, para além de deter o poder, se arvorava como detentora de uma ética que a realidade estaria longe de demonstrar, como se viu noutras paragens.
Que ainda se defenda um sistema político para-soviético, um embuste inviável mesmo com recurso à mais iníqua opressão e manipulação, eis o que não cessará de me espantar.
Nem de propósito: vinha há pouco a ouvir no carro a «Balada do Estudante», do grande Adriano Correia de Oliveira, cantando o poema de Manuel Alegre: «Mais vale ser pardal na rua / que rouxinol na prisão.»
consequências dos acordes
Erogenous zones I love you. / Without you what could a poor boy do?
Genesis, «Counting Out Time»
sábado, março 20, 2010
sexta-feira, março 19, 2010
quinta-feira, março 18, 2010
caracteres móveis - Edouard Balladur
quarta-feira, março 17, 2010
(incon)sequências, (ex)citações
José Régio -- E como ficava em Portalegre, e o cavalheiro amável dissera para seguir para Elvas, olhou e sorriu-lhe quase com garridice. Nunca Rosa Maria fizera sozinha uma viagem tão longa. -- Davam Grandes Passeios aos Domingos (1941)
Branquinho da Fonseca -- Já pensei em pedir a demissão. Mas é difícil arranjar outro emprego equivalente a este nos vencimentos. Ganho dois mil escudos e tenho passe nos comboios, além das ajudas de custo. Como vivo sozinho, é suficiente para as minhas necessidades. -- O Barão (1942)
Alves Redol -- Confesso que a princípio aquilo era bem da minha vontade, porque assim tomava uns ares de homem, coisa que de muito novo me agradou, mas que mais tarde achei de mau gosto. -- Fanga (1943)
Branquinho da Fonseca -- Já pensei em pedir a demissão. Mas é difícil arranjar outro emprego equivalente a este nos vencimentos. Ganho dois mil escudos e tenho passe nos comboios, além das ajudas de custo. Como vivo sozinho, é suficiente para as minhas necessidades. -- O Barão (1942)
Alves Redol -- Confesso que a princípio aquilo era bem da minha vontade, porque assim tomava uns ares de homem, coisa que de muito novo me agradou, mas que mais tarde achei de mau gosto. -- Fanga (1943)
terça-feira, março 16, 2010
caderninho
domingo, março 14, 2010
sábado, março 13, 2010
sexta-feira, março 12, 2010
quinta-feira, março 11, 2010
caracteres móveis - John Dos Passos
quarta-feira, março 10, 2010
(incon)sequências, (ex)citações
Aquilino Ribeiro -- --Tem que ir prantar os exorcismos a esta desinfeliz -- proferiu a ama em voz cantada de dó. -- O Demónio, que eu arrenego na morte e na vida, fez pouco dela! / Abriu muito os olhos o abade e só então se apercebeu duma mocinha -- corpo que acaba de espigar na adolescência -- que às mãos ambas cobria o rosto e soluçava. Andam Faunos pelos Bosques (1926)
Ferreira de Castro -- Ter andado de Herodes para Pilatos, batendo todo o sertão do Ceará no recrutamento dos tabaréus receosos das febres amazonenses e tranquilos sobre o presente, porque há anos não havia secas, e afinal, depois de tanto trabalho, de tantas palavras e canseiras, fugirem-lhe nada menos de três! Que diria Juca Tristão, que o tinha por esperto e exemplar, quando ele lhe aparecesse com três homens a menos no rebanho que vinha pastoreando desde Fortaleza? A Selva (1930)
Miguel Torga -- No tempo dos figos, pela fresca, a patroa viria consolar a barriga. Gostava de figos, a velhota. E sempre se sentiria acompanhado uma vez por outra. Não que fizesse grande finca-pé naquela amizade. Longe disso. A menina dos seus olhos era a morgada, a filha, que o acariciara como a uma criança. A velha toda a vida o pusera a distância. Dava-lhe o naco de broa (honra lhe seja), mas borrava a pintura logo a seguir: -- Ala! E ele retirava-se cerimoniosamente para o ninho. Bichos, «Nero»(1940)
terça-feira, março 09, 2010
segunda-feira, março 08, 2010
caderninho
Com certezas, não pode haver estilo: a preocupação de dizer bem é o apanágio daqueles que não conseguem adormecer numa fé. À falta de um apoio sólido, agarram-se às palavras -- simulacros de realidade; enquanto os outros, fortes nas suas convicções, desprezam a aparência e se refastelam no conforto da improvisação. E. M. Cioran
Silogismos da Amargura (tradução de Manuel de Freitas)
domingo, março 07, 2010
sábado, março 06, 2010
sexta-feira, março 05, 2010
quinta-feira, março 04, 2010
quarta-feira, março 03, 2010
terça-feira, março 02, 2010
(incon)sequências, (ex)citações
Raul Brandão -- É o único grito que irrompe do escuro, lúgubre, aflitivo, raspado. Depois o silêncio, a mudez concentrada da noite, a nuvem negra coalhada sobre as ruínas da vila toda lavada em lágrimas. Só aquele grito ressoa na praça solitária. A Farsa (1903)
M. Teixeira-Gomes -- Complexa e admirável coisa, a vida, caro amigo, tão rica de aspectos diversos e generosos que um só, por mais mesquinho que pareça, satisfaça à actividade exploradora de uma longa existência! Para mim sempre haverá quinhão e, agora, à farta que de pouquíssimo me contento. Agosto Azul (1905)
M. Teixeira-Gomes -- Complexa e admirável coisa, a vida, caro amigo, tão rica de aspectos diversos e generosos que um só, por mais mesquinho que pareça, satisfaça à actividade exploradora de uma longa existência! Para mim sempre haverá quinhão e, agora, à farta que de pouquíssimo me contento. Agosto Azul (1905)
Jaime Cortesão -- As almas abriram caminho dumas para as outras e a emoção de cada um multiplica-se pelo entusiasmo frenético da turba. Ao meu lado este grande Gavroche, que passou a vida a rir e a descrer, tem os olhos afogados em lágrimas. Uma voz vai erguer-se talvez com fria dúvida, mas a onda de fogo tudo engole. Memórias da Grande Guerra (1919)
segunda-feira, março 01, 2010
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