sexta-feira, julho 25, 2008
domingo, julho 20, 2008
caderninho
«Vou dizer-te uma coisa, mas é segredo», é um contra-senso. Desde que uma coisa se diz a alguém, deixa de ser secreta. Há coisas que se dizem a qualquer pessoa: são as banais. Há as que se dizem a uma ou outra pessoa: são as confidenciais. Há as que não se dizem a ninguém: são as secretas. Há as que nem a nós próprios nos atrevemos a dizer: são as criminosas. Emílio Costa
Filosofia Caseira
sábado, julho 19, 2008
sexta-feira, julho 18, 2008
Antologia Improvável #321 - Ana Goês
É DE TI QUE ME LEMBRO
É de ti que me lembro
sempre que Março vem.
(Tinhas oito? nove anos?
Eu também).
Ofegante corri para a minha porta.
E tu direito a mim
depressa me alcançaste.
Abriste-me os dois braços bem abertos
pregaste as minhas com as tuas mãos
-- e me crucificaste.
E a tua boca veio directa à minha
como seta.
Em cima, era um véu movediço e aguarelado.
Corriam nuvens brancas sobre abertas azuis.
Era sol, era sombra, era espaço, era Março, era medo.
...E eram, frente a mim, os teus olhos azuis.
É de ti que me lembro
sempre que Março vem.
Este Intravável Mar / 100 Poemas Recolhidos
É de ti que me lembro
sempre que Março vem.
(Tinhas oito? nove anos?
Eu também).
Ofegante corri para a minha porta.
E tu direito a mim
depressa me alcançaste.
Abriste-me os dois braços bem abertos
pregaste as minhas com as tuas mãos
-- e me crucificaste.
E a tua boca veio directa à minha
como seta.
Em cima, era um véu movediço e aguarelado.
Corriam nuvens brancas sobre abertas azuis.
Era sol, era sombra, era espaço, era Março, era medo.
...E eram, frente a mim, os teus olhos azuis.
É de ti que me lembro
sempre que Março vem.
Este Intravável Mar / 100 Poemas Recolhidos
quinta-feira, julho 17, 2008
Figuras de estilo - Ferreira de Castro
Mesmo na sua decadência, era ainda a borracha que movia tudo aquilo, os navios de diferentes portes e os rebocadores de agudos silvos; os guindastes de compridos braços e as vagonetas sobre carris brunidos ao longo dos cais, com um vaivém constante dos estivadores entre a beira da água e a fila dos «galpões», vastos armazéns; e à borracha começava também Alberto a sentir-se incorporado, com uma sensação de fábula, agitado de curiosidade e de temor.
A Selva
foto: Castro com Roberto Nobre, esplanada da «Veneza», Lisboa, década de 1930
quarta-feira, julho 16, 2008
terça-feira, julho 15, 2008
caderninho
Aquilo que tomamos por virtudes, não passa, muitas vezes, de um conjunto de diversas acções e interesses que a fortuna ou o nosso engenho sabem concertar; e nem sempre é por valor nem por castidade que os homens são valorosos e as mulheres são castas. La Rochefoucauld
Máximas (tradução de Cristina Proença)
Máximas (tradução de Cristina Proença)
segunda-feira, julho 14, 2008
Antologia Improvável #320 - Fernando Pinto do Amaral (2)
AGOSTO
Em tardes como esta o mar é uma
bênção,
o gesto azul de um deus,
a memória de um tempo sem tempo.
Em tardes como esta cada instante
sabe a eternidade
e o horizonte, este horizonte
é um sinal do que ainda pode ser
isso a que chamam beleza:
uma onda que nasce enquanto outra
morre desfeita em espuma
levando atrás de si o nosso medo,
a nossa esperança demasiado humana,
o pacto que selámos e quebrámos
com os sonhos mais antigos, os que um dia
foram apenas nossos,
mas são agora o mar, sem nome nem
destino,
coisas que vão e fingem regressar
mas já não nos pertencem.
A Luz da Madrugada
Em tardes como esta o mar é uma
bênção,
o gesto azul de um deus,
a memória de um tempo sem tempo.
Em tardes como esta cada instante
sabe a eternidade
e o horizonte, este horizonte
é um sinal do que ainda pode ser
isso a que chamam beleza:
uma onda que nasce enquanto outra
morre desfeita em espuma
levando atrás de si o nosso medo,
a nossa esperança demasiado humana,
o pacto que selámos e quebrámos
com os sonhos mais antigos, os que um dia
foram apenas nossos,
mas são agora o mar, sem nome nem
destino,
coisas que vão e fingem regressar
mas já não nos pertencem.
A Luz da Madrugada
domingo, julho 13, 2008
song-heroes
Neil Young consegue combinar uma faceta de escritor de canções -- do melhor que tem a música popular anglo-americana -- com uma desconcertante personalidade de guitar-hero. Desconcertante, porque autêntica, sem cedência à mise-em-scène fácil. Foi o que sucedeu ontem, no Alive! 2008, em Algés. Um concerto notável. E eu não sei como ele, com 63 anos, ainda tem caixa craniana que lhe filtre as distorções da guitarra.
Uma palavra para Ben Harper, que veio depois: a escolha não poderia ter sido melhor. Harper é um músico de mão-cheia, concentra em si a boa tradição musical norte-americana. Tal como Young, percebe que o mundo e a vida são demasiado importantes para não merecerem mais do que canções ligeiras e/ou umbilicais.
Uma palavra para Ben Harper, que veio depois: a escolha não poderia ter sido melhor. Harper é um músico de mão-cheia, concentra em si a boa tradição musical norte-americana. Tal como Young, percebe que o mundo e a vida são demasiado importantes para não merecerem mais do que canções ligeiras e/ou umbilicais.
sábado, julho 12, 2008
Dylan: uma voz de céu velho passou por cá
Dylan canta cada vez pior a sua música cada vez melhor. Ontem, no Alive! 2008, abriu com Rainy Day Woman e fechou o único encore com Like a Rolling Stone. Cantar, cantámos nós, que ele quase só silabava -- who cares?! Ouvia-o e só me vinha à memória uma expressão magnífica do grande Vitorino Nemésio, que de França, se a memória não me falha, em carta a Lopes-Graça, relatava uma visita do ainda Adolfo Rocha (futuro Miguel Torga) mais ou menos nestes termos geniais: o Rocha passou por cá, como um pedaço de céu velho...
Foi o que me lembrou a voz do Bob Dylan: timbre de céu velho. Mas, ainda assim, céu.
sexta-feira, julho 11, 2008
quinta-feira, julho 10, 2008
imagens faxinantes*
este magnífico estudo de Roberto Nobre para um retrato de Assis Esperança, do Museu de Faro, que em tempos recolhi n' O Tonel de Diógenes para publicar no Ferreira de Castro
quarta-feira, julho 09, 2008
Caracteres móveis - Édouard Balladur
Tempos houve em que o conformismo tinha que ver com a tradição, com a conservação dos valores do passado. Hoje, as coisas passam-se de modo diferente: o conformismo passou a ser o culto das ideias novas, ingenuamente provocadoras e é de bom-tom aderir a elas sem qualquer exercício crítico.
Maquiavel em Democracia
(tradução de José A. Pereira Neto)
terça-feira, julho 08, 2008
caderninho
segunda-feira, julho 07, 2008
Antologia Improvável #319 - José Alberto Oliveira (3)
A LEI DE LAVOISIER COM TANGO
Nada se perde:
nem um grão de sal
no grande Mar Atlântico,
nem mesmo
as que caem no chão,
nem as frases
que a actriz esqueceu
e saltou.
Tudo fica registado
e obra consequência:
se o registo é inalcançável,
as consequências são fortuitas;
por isso, amar-se-á
o próximo
como a si mesmo,
ou, se não for possível,
pelo menos
dançar-se-á com ele
um tango argentino.
Não Tão Importante Que Não Possa Ser Dito
Nada se perde:
nem um grão de sal
no grande Mar Atlântico,
nem mesmo
as que caem no chão,
nem as frases
que a actriz esqueceu
e saltou.
Tudo fica registado
e obra consequência:
se o registo é inalcançável,
as consequências são fortuitas;
por isso, amar-se-á
o próximo
como a si mesmo,
ou, se não for possível,
pelo menos
dançar-se-á com ele
um tango argentino.
Não Tão Importante Que Não Possa Ser Dito
domingo, julho 06, 2008
Figuras de estilo - Sophia de Mello Breyner Andresen
O Bispo olhou-o. Era um homem igual a muitos outros. Lembrava a gente de Varzim. Tinha lama nos trapos e a escrita da fome na cara. Nas mãos havia um gesto de paciência. Um gesto muito antigo de paciência. E de repente pareceu ao velho Bispo que todo o abandono do mundo, todo o sofrimento, toda a solidão, o olhavam de frente no rosto daquele homem. Coisa difícil de olhar de frente.
«O jantar do Bispo», Contos Exemplares
sábado, julho 05, 2008
caderninho
quinta-feira, julho 03, 2008
Antologia Improvável # 318 - José Gomes Ferreira (2)
quarta-feira, julho 02, 2008
Estoril
uns partiam
eu ficava
outros eram presos
eu ficava
alguns morriam
e eu ficava
mundo fora
do mundo e fora
do tempo vestígio
único brilho de
empréstimo quando
tudo à volta era
roto pobre e feio
eu ficava
outros eram presos
eu ficava
alguns morriam
e eu ficava
mundo fora
do mundo e fora
do tempo vestígio
único brilho de
empréstimo quando
tudo à volta era
roto pobre e feio
terça-feira, julho 01, 2008
Figuras de estilo - Carlos Malheiro Dias
Um vento de loucura ensandecera a população dos paços. De mistura com alfaias da sala do trono, embarcavam catres da criadagem, enxergas, todos os intestinos grossos de um palácio de reis, num estendal de feira indecorosa, que exauria no povo o prestígio da realeza. Cadeiras, onde se haviam sentado princesas e embaixadores, eram conduzidas às costas suadas dos negros, lançadas do cais, em atropelo, como se o pavor se houvesse propagado desde os monarcas aos escravos, em furiosíssima e grotesca desordem. Escombros e destroços juncavam o terreiro. Num aviário imenso da infanta D. Maria Benedita, dúzias de passarinhos das Ilhas jaziam mortos, num flácido monte de asas e penugens, depois de uma noite ao frio.
Paixão de Maria do Céu
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