segunda-feira, abril 30, 2007

Antologia Improvável #221 - Alexandre O'Neill (6)

Ele a esfaquear a mulher e a Volta a passar! «Que fazer?». Largou a faca, correu para a estrada e aplaudiu às mãos ambas os ciclistas, como qualquer outro.


As Horas Já de Números Vestidas /
/ Poesias Completas
(foto)

O Vale do Riff - Beth Orton, «Stolen Car»

domingo, abril 29, 2007

Figuras de estilo - Machado de Assis

A melancolia corrige a ingenuidade, dando-lhe a intuição do mal mundano; a ingenuidade tempera a melancolia, tirando-lhe o que possa haver nela triste ou pesado.



Crónica

in Francisco Foot Hartman, Trem Fantasma

Esta semana n'O Vale do Riff





estampa CV

Edward Hopper, Noctívagos
The Art Institute of Chicago

sábado, abril 28, 2007

cores e nomes

O Algarve é azul, o azul do mar estendido ao sol. Regenera-nos o tempo que faz e as mulheres são mais bonitas. Digo Algarve, e penso em Teixeira-Gomes.

sexta-feira, abril 27, 2007

Antologia Improvável #220 - José Rui Teixeira (2)

As árvores são lugares imensos, como pálios
dobrados sobre o tempo. Creio que existem
como mutação da realidade, como o movimento
imperceptível de Deus sobre as águas. Existem
expostas à erosão, na curvatura quebrada
da superfície, no sacrário de uma natureza ferida.

Existem como uma porção infinitesimal da alegria
do mundo. Depois morrem sem que ninguém perceba
e a sua sombra perdura à morte, à decomposição lenta
das suas estruturas silenciosas como abismos,
indecifráveis como mistérios antigos, extensíveis
como os braços de Deus em combustão.

O Fogo e Outros Utensílios da Luz

O Vale do Riff - The B-52's, «Rock Lobster»

quinta-feira, abril 26, 2007

Caracteres móveis - Rudyard Kipling

A Índia vive cheia de santos-homens que pregam evangelhos em idiomas desconhecidos, apóstolos que ardem nas chamas do zelo religioso -- sonhadores, dissertadores, visionários. Assim tem sido desde o começo e assim será até ao fim.


Kim
(tradução de Monteiro Lobato)
uma capa de Hergé

O Vale do Riff - Mike Oldfield, de «Tubular Bells», Part. II

quarta-feira, abril 25, 2007

O 25 de Abril que me interessa

é o dos que obedeceram ao imperativo da honra e da dignidade, o dos que se não serviram, não enganaram, o dos que foram ostracizados pela nova cáfila dos homúnculos públicos, o dos que nos enobreceram como nação pelo exemplo e pelo talento.




Não esqueçamos que o país de Abril recusou uma pensão ao gravemente doente Salgueiro Maia ao mesmo tempo que concedia outras a pides.
Não esqueçamos que só temos imagens decentes gravadas de José Afonso, embora já diminuído pela doença que o vitimaria, quando deram a entender aos responsáveis da RTP de então que o concerto do Coliseu seria certamente o último; e que para a História ficariam apenas fragmentos mal captados do maior nome da música popular portuguesa, de alguém que recriou o nosso modo de ouvir, e que tem para o cancioneiro contemporâneo de Portugal significado idêntico ao de Tom Jobim na música popular brasileira.
É este o 25 de Abril que me importa.

Acordes diurnos

O Vale do Riff - Camel, «Dunkirk»

Comício

Já que estamos a 25 de Abril, que tal pôr no olho da rua os conselhos de administração da CP e da Refer, a tutela mais o raio-que-os-parta, por causa d esta miséria sem nome?


Fotos: CP

estampa CIV

Marc Chagall, Auto-Retrato com Colarinho Branco
Museu de Arte de Filadélfia

Antologia Improvável #219 - Isabel de Sá (4)

CENA LITERÁRIA

O rastro da obra não é mais que uma presença discreta. Permaneço exterior ao mundo enquanto a palavra incide sobre a cena literária e provoca o desastre que muitos confundem com glória. Há uma falha permanente, o espelho. Há poemas que eternizam o livro, outros há que o tornam miserável.

O Duplo Dividido / Repetir o Poema

segunda-feira, abril 23, 2007

A solitária vida é mais segura, / Que do mundo cruel a falsidade.
Frei Agostinho da Cruz

O vinho da arte

20 razões, no Público de hoje, para se ser escritor. Um excerto duma carta de Flaubert, de 1858, dá também boas razões para se ser leitor: «O único meio de suportar a existência é mergulhar na literatura como numa orgia perpétua. O vinho da arte causa uma forte embriaguez e esta é inextinguível.»

O Vale do Riff - Hellen Merrill, feat. Merv Griffin & Carroll O'Conor, «What Is This Thing Called Love?»

domingo, abril 22, 2007

Figuras de estilo - Câmara Reys

[...] nós surgimos involuntariamente no mundo, sumimo-nos na morte, sem escolher a nossa hora, pela traição duma víscera ou duma artéria, e servimos melhor o recôndito, inconsciente e ineficaz desejo de imortalidade, sacrificando mais nos altares de D. Quixote que nos de Sancho Pança.


As Questões Morais e Sociais na Literatura - VI: Raul Proença
Contra o azul do céu / o azul operário levanta-se nas ruas
Alexandre O'Neill

Esta semana n'O Vale do Riff



sábado, abril 21, 2007

DeNiro Turbo

Estive a ver os extras do «Ronin»
(uma chatice, ter de ver os extras),
um thriller pós-Guerra Fria de John Frankenheimer.
Entra o meu actor preferido, este DeNiro, pois claro,
as mais incríveis perseguições automóveis, em Paris e Nice, que nos deixam sem pinga de sangue, carros europeus e vulgares, em demência pelas ruelas de Nice e pelos túneis de Paris
um naipe de actores eficaz, despojos dos dois sistemas que se enfrentaram durante o equilíbrio do terror e que, com a queda do Muro de Berlim, passaram a oferecer os serviços a quem melhor pagasse
(um ronin, na tradição japonesa, foi samurai que ficou sem senhor a quem obedecer, tornado guerreiro errante e a soldo).

E há também a expressão invulgar de Natascha McElhone.
Natascha McElhone

sexta-feira, abril 20, 2007

Antologia Improvável #218 - Vitorino Nemésio

O PAÇO DO MILHAFRE

À beira de água fiz erguer meu Paço
De Rei-Saudade das distantes milhas:
Meus olhos, minha boca eras as ilhas;
Pranto e cantiga andavam no sargaço.

Atlântico, e encontrei no meu regaço
Algas, corais, estranhas maravilhas!
Fiz das gaivotas minhas próprias filhas,
Tive pulmões nas fibras do mormaço.

Enchi infusas nas salgadas ondas
E oleiro fui que as lágrimas redondas
Por ora fiz de vidro e, dentro, de água.

Os vagalhões da noite me salvavam
E, com partes iguais de sal e mágoa,
minhas altas janelas se lavavam.

1924.


O Bicho Harmonioso

O Vale do Riff - Gerry Mulligan, feat.Bob Brookmeyer, «Open Country»

quinta-feira, abril 19, 2007

cores e nomes

O Alentejo é amarelo, amarelo a perder de vista com fieiras de girassóis de pescoço esticado em direcção ao sol. Digo Alentejo, e penso em Manuel da Fonseca.

O Vale do Riff - Abbey Lincoln, feat. Phil Woods, «Hi Fly»

quarta-feira, abril 18, 2007

estampa CIII

Roy Lichtenstein, Takka Takka
Museu Ludwig, Colónia

Figuras de estilo - Abel Botelho

A grande massa burguesa da cidade continuava a sonolear na sua egoísta indiferença, sepultada nesta beatitude inerte dos que sentem o gozo fácil e a vida segura. Uma instintiva manha aconselhava mesmo a multidão enorme dos ganhões e traficantes a aproximarem-se,um escoramento mútuo de interesses, dos grandes mandões dispondo da influência e dos ganhos. Mas o eterno explorado, o proletário, pela miséria irremissível da sua condição tornado incrédulo, não podendo arrecear-se de penas sobrenaturais mais horríveis que o seu incomportável inferno já neste mundo, esse dia-a-dia mais violento e negro sentia no íntimo crescer-lhe o ódio por todo o existente, e se consultava a alma não colhia da sua tutmultuária ânsia senão explosivas ameaças.


Amanhã
Retrato porAntónio Ramalho
(tirado daqui)

O Vale do Riff - The Animals, «It's My Life»

terça-feira, abril 17, 2007

Antologia Improvável #217 - Ana Luísa Amaral (4)

ENTRE O INFERNO E OS ANJOS

Se o amor se vestisse
de sentidos vernáculos e plenos:
um palco vicentino a acomodar
coragens de falar.

A língua transitória
caminho a meio entre
o inferno
e os anjos, e ao fundo
dessa porta, em baixa-esquerda:
a glória
de escolher o adereço certo.

A pluma mais brilhante,
a capa de veludo mais macio,
e a fivela
(que vista assim de perto, era só isso),
ali: um quase diadema.

O palco vicentino agora em cor,
o que antes só amor
agora livre,
o que era agora amor,
agora livre,

e de um ponto
vernáculo
no tempo,
vestir-me outra vez de luz,
e olhando os teus olhos
outra vez,
morrer junto à coluna de papel,
num solilóquio que marcasse o fim
do século em viragem

e em coragem de espelho ou de punhal,
oferecer-te só isso:
o som, a fúria,
mesmo sabendo-os só sentidos
vãos

Imagias / Poesia Reunida

O Vale do Riff - The Beatles, «Get Back»

Uderzo (desenhos) e Goscinny (argumento), Astérix e Cleópatra

segunda-feira, abril 16, 2007

Aborrecem-me os políticos formatados, como o Tony Blair ou até o insuportavelmente aprumado Zapatero. Mas o que mais me maça é que muito deste pessoal está na minha área política e ideológica. Quando a sorridente Ségolène se vira para o eleitorado e diz: «as minhas ideias são as vossas», é imperdoável que me obrigue a olhar com uma certa simpatia para Sarkozy, que para mim tem a vantagem de ser pouco francês e muito imigrante. Por isso, entre nós, sempre preferi o Ferro Rodrigues, que chamava palermas aos deputados do psd e se estava a cagar para o ministério público, ao mavioso e dialogante Guterres.
cativa tento ser não recusada / cativa para sempre e algemada / ao teu amor por uma vida inteira
Maria Teresa Horta

O Vale do Riff - John Miles, «Music»

domingo, abril 15, 2007

Caracteres móveis - Octave Mirbeau

A questão Deyfus [...] nunca a paixão do assassínio e a alegria da caça ao homem, se tinham exibido tão completa e cinicamente.


O Jardim dos Suplícios
(tradução de Vasco Valdês)
(com um obrigado ao Henrique Fialho
por ter visto Jarry onde devia estar Mirbeau)

Esta semana n'O Vale do Riff


Acordes nocturnos


sábado, abril 14, 2007

cores e nomes

A Beira é castanha, entre bosques e largas extensões de terra-de-ninguém. Digo Beira, e penso em Aquilino.

estampa CII

Paul Cézanne, O Mar em L'Estaque
Museu Picasso, Paris

sexta-feira, abril 13, 2007

Antologia Improvável #216 - Isabel Meyrelles (3)

Árvores de outono
fechadas sobre mim
folhas de outono
enterradas nos meus olhos
terra de outono
donde tu surgirás
como um jovem pássaro
livremente

Palavras Nocturnas / Poesia

O Vale do Riff - Yes, «Siberian Khatru»

quinta-feira, abril 12, 2007

Steg, Ella Fitzgerald

Figuras de estilo - Ferreira de Castro

A vida não é apenas cada um de nós.


A Tempestade

O Vale do Riff - Paul McCartney & Wings, «Jet»

O carácter do Lic. Marques Mendes

A partir de agora, Marques Mendes não pode permitir que o tratem por doutor, que, de facto, não é, mas -- já que em Portugal temos de ter todos um título -- por Licenciado Marques Mendes.

quarta-feira, abril 11, 2007

Antologia Improvável #215 - Isabel de Sá (3)

A tarde falecia sobre a clarabóia, alguns homens fumavam. Observavam os fatos. Uma porta abria-se ao espaço de laranjeiras. A casa em ruínas estilhaçada em longos fios, ou tronco de antiga árvore. Talvez um palácio em tempo de fábula: meninos de face velada em eterna pose contra o mosaico brilhante. Insectos de safira. Senhores de rosto frágil, branca luva, no jardim de pálida folhagem.
Nervura / Repetir o Poema

O Vale do Riff - The Allman Brothers Band, «Jessica»

terça-feira, abril 10, 2007

segunda-feira, abril 09, 2007

cores e nomes

O Minho é verde, cumeadas de verde, mesmo quando se nos mostram escalavradas, como no Gerês. Digo Minho, e penso em Camilo.

O Vale do Riff - Duke Ellington, feat. Johnny Hodges, «Isfahan»

'

domingo, abril 08, 2007

300
Frank Miller (argumento e desenhos) e Lynn Varley (cores)

Esta semana n'O Vale do Riff


sábado, abril 07, 2007

Antologia Improvável #214 - Carlos Queirós

CANTAM AO LONGE

Cantam ao longe. Anoitece.
Faz frio pensar na vida;
E a Natureza parece
Dizer, em voz comovida,
Que o Homem não a merece.


Desaparecido

Como estamos na Páscoa, façamos o milagre da multiplicação dos cartazes.
(Roubado aqui )

sexta-feira, abril 06, 2007

Figuras de estilo - Eça de Queirós

Videirinha, depois de um curto cigarro, retomara o violão. Através da quinta, pedaços de muro caiados, algum trilho de rua mais descoberto, a água do tanque grande, rebrilhavam ao luar que resvalava dos cerros; e a quietação do arvoredo, da claridade, da noite, penetravam na alma com adormecedora carícia. «Titó» e Gonçalo saboreavam o famoso conhaque de moscatel, preciosa antigualha da torre, silenciosamente enlevados no Videirinha -- que recuara para o fundo da varanda, se envolvera em sombra. Nunca o bom cantador ferira as cordas com inspiração mais enternecida. Até os campos, o céu inclinado, a Lua cheia sobre as colinas, escutavam os queixumes do «Fado da Areosa». E no escuro, sob a varanda, o pigarro da Rosa, os passos abafados dos criados, algum sumido riso de rapariga, o bater das orelhas de um perdigueiro -- eram como a presença de um povo suavemente atraído pelo descante formoso.


A Ilustre Casa de Ramires

O Vale do Riff - Ray Brown Trio, «Summertime»

quinta-feira, abril 05, 2007

É só pagar

No meio da feia estória da Rotunda do Marquês, não sei (agora) o que me dá mais vontade de rir: se o cartaz do Gato Fedorento ou se o estado em que ficou o do pnqualquercoisa.

E espanta-me como num dos sítios mais centrais de Lisboa se pode pespegar com o que quer que seja, desde que se pague. Uma cidade assim tem pouca dignidade.

Em tempo (6-IV-): a CML diz que o cartaz está ilegal. Coima, coima!! Mas o que resta dele pode ficar. Palavras para quê? É o carreirismo e o burocratismo na sua expressão mais básica.

O Vale do Riff - Albert King, «Born Under A Bad Sign»

quarta-feira, abril 04, 2007

quartos escuros filtravam nuvens de famílias pombalinas
M. Parissy

O Vale do Riff - Aerosmith, «Walk This Way»

terça-feira, abril 03, 2007

Irá Olmert à Arábia Saudita?

Antologia Improvável #213 - Isabel Meyrelles (2)

TIGRE, TIGRE...

Ágil,
esbelto,
sinuoso,
sibarítico,
sultão das tardes
sedosas, de
súbito
sedicioso
sedutor
secretamente
satânico,
sumptuoso
feiticeiro afundando
subtilmente
as minhas fontes,
selvagem rei açafroado
estriado de negro,
saboreio o teu
soberbo rugido,
supremo devastador do
silêncio e
submeto-me
serenamente
à tua lei, ó
solitário
senhor de
sombria beleza.

O Livro do Tigre / Poesia

O Vale do Riff - The Who, «Behind Blue Eyes»

segunda-feira, abril 02, 2007

Caracteres móveis - H. G. Wells

Temos de inventar um tipo de vida que permita aos homens viver e procriar, e que seja suficientemente segura para cuidar das crianças. Sim -- espere um momento, pois já lhe explico melhor o que acho que deve ser feito. A domesticação dos nossos semelhantes será igual à de qualquer animal; dentro de algumas gerações, serão grandes, belos, saudáveis, estúpidos... lixo! Nós, os animais bravios, corremos o risco de nos tornarmos selvagens -- degenerando numa espécie de ratazana grande e selvagem... Compreende, a vida que proponho é uma vida subterrânea. Tendo estar a pensar acerca dos esgotos.


A Guerra dos Mundos
(tradução de H. da Silva Letra)