A voz
grave, quase gutural,
amacia cada riff
dedilhado com nervo,
como se a vida se esvaísse
das cordas daquela fender.
Puro malte irlandês.
21-VI-2003
sábado, abril 30, 2005
sexta-feira, abril 29, 2005
Antologia Improvável - Leonel Neves
O CÃO NOVO E A PERDIZ VELHA
O cão fareja a perdiz
e a perdiz pressente o cão.
O cão-de-caça aprendiz
busca a perdiz sábia... Então
a perdiz, devagarinho,
vai onde há caca de vaca,
ali perto do seu ninho.
Lá se esconde... O cão estaca.
Cheira-lhe mal. Pensa, triste,
como não vira a perdiz,
que o seu nariz lhe mentira...
E o cão aprendiz desiste
e o caçador não atira
e a perdiz fica feliz!
O Menino e as Estrelas
O cão fareja a perdiz
e a perdiz pressente o cão.
O cão-de-caça aprendiz
busca a perdiz sábia... Então
a perdiz, devagarinho,
vai onde há caca de vaca,
ali perto do seu ninho.
Lá se esconde... O cão estaca.
Cheira-lhe mal. Pensa, triste,
como não vira a perdiz,
que o seu nariz lhe mentira...
E o cão aprendiz desiste
e o caçador não atira
e a perdiz fica feliz!
O Menino e as Estrelas
quinta-feira, abril 28, 2005
Caracteres móveis - José Agostinho Baptista
A febre volta, e demora-se.
Nada podes contra os desígnios da carne mortal.
Febre
Nada podes contra os desígnios da carne mortal.
Febre
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José Agostinho Baptista
quarta-feira, abril 27, 2005
Don Rosa: Pura Aventura
Deu uma qualidade à BD Disney que há muito lhe faltava. Herdeiro espiritual do magnífico Carl Barks, foi influenciado pelo sortilégio das suas narrativas, aventuras puras. Com Rosa, as personagens ganharam densidade psicológica (a imagem do Tio Patinhas/Scrooge McDuck recolhido junto das campas dos pais, na Escócia natal*, seria impensável antes dele), deixando, contudo, de apresentar aquela frescura ingénua que víamos nas estórias de Barks. A trama, porém, é sempre bem urdida, e com verdeiro enlevo para com os nossos conhecidos cidadãos de Patópolis/Duckburg.
*«Uma carta de casa», Tio Patinhas nº 231, Março de 2005.
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terça-feira, abril 26, 2005
Caracteres móveis - Duhamel
Aperto-lhe a mão para lhe incutir confiança, e sinto que essa mão rude é feliz dentro da minha. Os meus dedos mergulharam na sua carne, o seu sangue correu por entre eles: é quanto basta para criar fortes laços entre dois homens.
A Morte de Mercier
segunda-feira, abril 25, 2005
25 de Abril
Nesse dia não fui à escola, houve azáfama de supermercado, passei a tarde a ouvir rádio, encerrei a noite a ver o Spínola na televisão. Tinha quase dez anos. Para trás, recordava-me que havia uma prisão em Caxias, onde estavam uns coitadinhos duns presos que não tinham feito mal a ninguém; e vira, poucos anos antes, da janela da minha sala, uma carga policial, com cães e tudo, sobre uns guedelhudos que iam assistir a uma sessão de «canto livre» no Estoril. A música do 25 de Abril de 1974 será sempre, para mim, o Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades, do José Mário Branco.
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José Mário Branco
domingo, abril 24, 2005
Antologia Improvável - João de Barros
TODOS OS BEIJOS...
Todos os beijos da volúpia, os beijos
Da boca sempre inquieta por beijar-te;
E os beijos da minh'alma, sem desejos
Que não sejam, de longe, acarinhar-te...
E os beijos que são longos, como harpejos
Em que fala o meu sonho e a minha arte,
E os beijos em que o sangue tem lampejos
De ciúme e de febre a alucinar-te...
E os beijos desta angústia, em que procuro
Prender nas minhas mãos o teu futuro,
Saber o anseio dos teus olhos tristes...
E ainda os beijos novos que eu não dera,
Os beijos que eu não dava à tua espera
--E que são teus, Amor que não existes!...
Ritmo de Exaltação
Todos os beijos da volúpia, os beijos
Da boca sempre inquieta por beijar-te;
E os beijos da minh'alma, sem desejos
Que não sejam, de longe, acarinhar-te...
E os beijos que são longos, como harpejos
Em que fala o meu sonho e a minha arte,
E os beijos em que o sangue tem lampejos
De ciúme e de febre a alucinar-te...
E os beijos desta angústia, em que procuro
Prender nas minhas mãos o teu futuro,
Saber o anseio dos teus olhos tristes...
E ainda os beijos novos que eu não dera,
Os beijos que eu não dava à tua espera
--E que são teus, Amor que não existes!...
Ritmo de Exaltação
sábado, abril 23, 2005
O som e a fúria
Há nos Linkin Park uma autenticidade que não me deixa indiferente. Aquela ira, aquele mal-estar, aqueles sintomas da sujidade endémica do nosso quotidiano.
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sexta-feira, abril 22, 2005
Antologia Improvável - Paulo Abrunhosa
B.D.
"Quero ser alcatifa,
no lugar do Califa",
sibilou o Grão-Vizir,
descaradamente a mentir.
Diário de um Dromedário
"Quero ser alcatifa,
no lugar do Califa",
sibilou o Grão-Vizir,
descaradamente a mentir.
Diário de um Dromedário
quinta-feira, abril 21, 2005
Caracteres móveis - Marcello Duarte Mathias
O que mantém um homem de pé são os seus mortos. Quem não os tem, já morreu.
O Destino Velado
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Marcello Duarte Mathias
quarta-feira, abril 20, 2005
Também li
o livro do José Gil. Tudo o que lá está, está certo, sem exageros quanto à herança do salazarismo, nomeadamente o papel do medo na nossa sociedade. Mas também não há nada de novo. Tudo quanto de substancial o livro traz, há décadas que tem sido dito e redito por muita gente, designadamente a questão do medo e da nossa mediocridade colectiva, tratada em ditadura corajosamente por gente como o Ferreira de Castro ou os primeiros surrealistas. Com a vantagem de que o foi num português mais escorreito, sem este desagradável sotaque francês do Portugal, Hoje -- O Medo de Existir. De qualquer modo, é sempre salutar expor as nossas misérias ao sol.
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terça-feira, abril 19, 2005
Antologia Improvável - José Carlos Ary dos Santos
NONA SINFONIA
É por dentro de um homem que se ouve
o tom mais alto que tiver a vida
a glória de cantar que tudo move
a força de viver enraivecida.
Num palácio de sons erguem-se as traves
que seguram o tecto da alegria
pedras que são ao mesmo tempo as aves
mais livres que voaram na poesia.
Para o alto se voltam as volutas
hieráticas sagradas impolutas
dos sons que surgem rangem e se somem.
Mas de baixo é que irrompem absolutas
as humanas palavras resolutas.
Por deus não basta. É mais preciso o Homem.
O Sangue das Palavras
É por dentro de um homem que se ouve
o tom mais alto que tiver a vida
a glória de cantar que tudo move
a força de viver enraivecida.
Num palácio de sons erguem-se as traves
que seguram o tecto da alegria
pedras que são ao mesmo tempo as aves
mais livres que voaram na poesia.
Para o alto se voltam as volutas
hieráticas sagradas impolutas
dos sons que surgem rangem e se somem.
Mas de baixo é que irrompem absolutas
as humanas palavras resolutas.
Por deus não basta. É mais preciso o Homem.
O Sangue das Palavras
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José Carlos Ary dos Santos
terça-feira, abril 05, 2005
Lux Aeterna
Há na música uma superfície gélida que nos faz deslizar em plano inclinado até ao que a humanidade tem de mais recôndito: o medo. Ouvir este Ligeti é experimentar o grande deserto branco que o mundo pode ser, cheio de luz, mas sem rugas, sem uma flor.
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György Ligeti
segunda-feira, abril 04, 2005
Caracteres móveis - Chesterton
É sempre fácil baixar a cabeça diante da moda de cada época; o difícil é mantê-la sempre no lugar. É sempre fácil ser modernista, como é fácil ser um snob.
Ortodoxia
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G. K. Chesterton
domingo, abril 03, 2005
Antologia Improvável - Francisco Costa
INTANGÍVEL
«Nuvem, sonho impalpável do desejo»
ANTERO.
Essa que eu amo e beijo e não existe,
embora exista em mim que a beijo e amo,
nunca há-de vir um dia em que eu a aviste,
nunca a voz hei-de ouvir-lhe quando a chamo.
Mas não me fugirá. Por mais que diste
quando eu a sua ausência já proclamo,
assim que me percebe fraco e triste
volta, e eu volto a sentir-me escravo e amo.
Sei que é uma visão, sei que a componho
eu mesmo, à semelhança do meu sonho,
dando-lhe a luz fictícia que ela emite.
Mas se à minha alma pode enfim bastar
essa alma ideal, -- o meu sedento olhar,
esse procura um corpo onde ela habite.
Verbo Austero
«Nuvem, sonho impalpável do desejo»
ANTERO.
Essa que eu amo e beijo e não existe,
embora exista em mim que a beijo e amo,
nunca há-de vir um dia em que eu a aviste,
nunca a voz hei-de ouvir-lhe quando a chamo.
Mas não me fugirá. Por mais que diste
quando eu a sua ausência já proclamo,
assim que me percebe fraco e triste
volta, e eu volto a sentir-me escravo e amo.
Sei que é uma visão, sei que a componho
eu mesmo, à semelhança do meu sonho,
dando-lhe a luz fictícia que ela emite.
Mas se à minha alma pode enfim bastar
essa alma ideal, -- o meu sedento olhar,
esse procura um corpo onde ela habite.
Verbo Austero
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Francisco Costa
In the flesh
Já há algum tempo que dei por mim surpreendido com a circunstância de quanto mais o tempo passa mais agradável se me torna ouvir o The Wall, dos Pink Floyd, inversamente ao fastio que me vão provocando os outros álbuns que preencheram a minha adolescência: o Dark Side of the Moon, o Wish You Were Here e o Animals. Nesses idos de 79, chocalhado pelo pós-punk, comprei, ouvi, gostei e guardei o The Wall, aborrecido com o chinfrim à volta da censura ao hit «Another brick...», que tresandava a publicidade irritante. A verdade é que se trata de um grande (duplo) disco, escrito e composto ali com as vísceras todas do Roger Waters, traumatizado órfão de guerra. São 26 pequenas obras-primas, na melhor tradição do rock britânico, onde também há lugar para o riquíssimo veio oitocentista do musical londrino. Mason, Wright, Gilmour e Waters formam um quarteto arrebatador e inspirado; e Bob Ezrin, co-produtor esteve à altura do dramatismo, por vezes grandiloquente, que Waters pretendeu. Fiquei surpreendido, é verdade, mas sem razão. O Waters pôs-se todo lá, e quando é assim, é difícil uma obra não resistir ao tempo.
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Roger Waters
sábado, abril 02, 2005
Caracteres móveis - João Paulo II
Sendo exigentes para connosco próprios e generosos para com os outros, exprimimos de modo concreto e à escala social a nossa conversão. Através duma solidariedade mais plena com os homens, com os que sofrem e especialmente com os necessitados, unimo-nos com Cristo sofredor e crucificado.
Pausas de Reflexão
Insisto
Que dizer daquele tipo porreiro que ninguém quer lembrar, que nunca é referido nas crónicas dos lugares por onde passou, tal é a mancha de vergonha que provoca a simples evocação do seu nome impuro?
Gente simpática
Nada mais perigoso do que um cobarde a quem o medo aguça a perfídia. É frequente surgir aos nossos olhos como um indivíduo simpático, como um homem de bem.
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