Aeropintura
quarta-feira, julho 31, 2019
os estúpidos no meio de nós
O secretário de estado da Protecção Civil, José Artur Neves, de quem até anteontem nunca ouvira falar, está no epicentro de dois casos polémicos, mas que, aparentemente, nada têm que ver um com o outro. O primeiro, o das célebres golas que eram inflamáveis mas que afinal já deixaram de o ser, contratadas com uma empresa que nem é de vão de escada mas de tenda de campismo, tem todo o aspecto da negociata manhosa dos chicos-espertos oriundos das jotas e que paulatinamente vão tomando conta do país, com toda a sua inépcia, todo o seu arrivismo, toda a falta de vergonha -- os tais vilões de que falei aqui, usando o Estado como se fosse coisa sua.
O outro caso parece bem diferente: o filho do secretário de estado é engenheiro civil e detém uma quota, creio que de 15%, numa empresa de construção. Esta, em concursos públicos, vê adjudicada empreitadas na Universidade do Porto e no Hospital de Vila Franca de Xira. De acordo com a lei, parece que há aqui uma irregularidade, ou mesmo um crime...
Ou seja: se eu for accionista de uma editora de livros escolares e tiver o azar de uma cunhada, casada com um dos meus sete irmãos, ser subsecretária de estado da pesca artesanal ou do bem-estar animal, já estou inibido -- eu e os meus sócios --, à face da lei, de ter qualquer tipo de contacto e de contrato com o Ministério da Educação. Num país pequeno, em que somos todos mais ou menos primos e cunhados uns dos outros, esta disposição legal idiota já deve ter sido quebrada em todos os ministérios de todos os governos.
Trata-se, aliás, uma lei que pede ela própria para ser infringida. Não por especial perversidade do legislador, mas porque este não pôde deixar de ser um mentecapto. No Direito, aliás, assiste-se a uma concentração notável de mentes brilhantes, mas também de cavalgaduras. Já tropecei em algumas: do jurista que faz regulamentos insanos, a cabecinha cheia de trampa, ao causídico que pariu uma longa alegação, repetindo três vezes os mesmos argumentos, não sei se para que o meretíssimo percebesse ou o próprio ficar ciente do que escrevinhara.
Já agora, acho muito bem todas as associações de transparência, quero até uma em cada freguesia; mas não podem limitar-se a ser uma espécie de pan do sector: não basta invocar a lei; devem também ser pedagógicos e dizer que esta é uma lei estúpida, feita por estúpidos e incumprível. Mude-se portanto a lei, já que não podemos mudar os estúpidos, pois eles estão no meio de nós, e convencem-se de que têm coisas a dizer.
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José Artur Neves
terça-feira, julho 30, 2019
onde páram os vilões?
É fartar vilanagem! O poder atrai sempre os parasitas expeditos para as negociatas de ocasião. É da natureza humana, em relação à qual não tenho grandes ilusões; e para os combater há os mecanismos de controlo do estado democrático (quantas vezes sem meios) e a imprensa para noticiar e denunciar -- felizmente. Mas os vilões não se encontram apenas na infraestrutura dos faz-tudos da política, sempre à espreita da oportunidade; gostemos ou não, a vilania termina na elite dirigente que, mesmo com as mãos limpas num primeiro olhar, fecham os olhos e assobiam para o lado, para não verem as cenas indecorosas, para não inalarem o mau cheiro que vem do esgoto do arrivismo, não se coibindo porém de colher os frutos fertilizados pelo estrume.
segunda-feira, julho 29, 2019
Pinharanda Gomes (1939-2019)
Um dos mais impressionantes, fecundos e modestos intelectuais que tive a honra de conhecer. Referia/se a si próprio, se calhava, como 'o Pinharanda', e apresentava-se como funcionário de uma casa de máquinas agrícolas.
domingo, julho 28, 2019
sábado, julho 27, 2019
vozes da biblioteca
«Ai os turcos, uns porcos, tanto comiam batata crua, como comiam carne de gazela, uma carne preta que eu não sei o que era aquilo, mas remelgavam os olhos quando vissem a gente comendo carne de porco!» Olga Gonçalves, A Floresta em Bremerhaven (1975)
«Ainda os membros dispersos do cadáver de Domingos Leite Pereira apodreciam nos postes, quando saiu uma procissão de triunfo a desempestar especialmente as Ruas dos Torneiros e da Fancaria.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Regicida (1875)
«O leitor provavelmente há-de ter jornadeado alguma vez; sabe portanto que o grato e quase voluptuoso alvoroço, com que se concebe e planiza qualquer projecto de viagem, assim como a suave recordação que dela guardamos depois, são coisas de incomparavelmente maiores delícias, do que as impressões experimentadas no próprio momento de nos vermos errantes em plena estrada ou pernoitando nas estalagens, e mormente nas clássicas estalagens das nossas províncias.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)
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Olga Gonçalves
na estante definitiva
Da posse: Outubro de 1990. Apesar do título esquipático, é um livro muito bem esgalhado e arrumado: como escreve o autor no prefácio, trata-se de uma «história da arte, e portanto já menos uma história das obras de arte, e ainda muito menos a crónica delas.» Deu-me imenso jeito quando preparava as 100 Cartas a Ferreira de Castro (1.ª ed., 1992), e que cito na bibliografia. Profusamente ilustrado com reproduções a preto e branco, uma importância acrescida nesse tempo em que ainda não navegávamos na net; e apesar da modéstia das reproduções era um gosto folhear e confrontar as obras no seu tempo histórico. Foi aqui que pela primeira vez vi A Cega Sanha do Povo, de Roberto Nobre, publicado n'O Diabo, em 1935; e talvez também o Café, do Portinari, do mesmo ano, com toda a repercussão que teve na Exposição do Mundo Português (1940), em especial junto dos jovens pintores e dos doutrinário do neo-realismo. Na capa, um ícone neo-realista, O Almoço do Trolha, do Pomar, de 1946.
ficha:
Fernando Alvarenga, Afluentes Teórico-Estéticos do Neo-Realismo Visual Português, Porto, Edições Afrontamento, 1989. 209 págs.
ficha:
Fernando Alvarenga, Afluentes Teórico-Estéticos do Neo-Realismo Visual Português, Porto, Edições Afrontamento, 1989. 209 págs.
sexta-feira, julho 26, 2019
quinta-feira, julho 25, 2019
terça-feira, julho 23, 2019
segunda-feira, julho 22, 2019
vozes da biblioteca
«de Lisboa e das cortes estrangeiras / não saberei dizer-te cousa alguma, / que o tempo todo gasto em ler Virgílio / no meu pobre, mas certo domicílio.» Correia Garção, «Epístola a Olino», Obras Poéticas (póst. 1778) / M. Rodrigues Lapa, Poetas do Século XVIII
«Fugir!... Deixar / essa tristeza de ser nau -- e não vogar, / Essa agonia de ser livre -- e de estar preso!...» João de Barros, Oração à Pátria (1917)
«Os botes tinham sido descidos de navios esguios, / as suas velas como lenços de cabeça de mulher, / mas imensos e brancos, / desenhados a cruzes» Ana Luísa Amaral, «O sonho», Escuro (2014)
«Fugir!... Deixar / essa tristeza de ser nau -- e não vogar, / Essa agonia de ser livre -- e de estar preso!...» João de Barros, Oração à Pátria (1917)
«Os botes tinham sido descidos de navios esguios, / as suas velas como lenços de cabeça de mulher, / mas imensos e brancos, / desenhados a cruzes» Ana Luísa Amaral, «O sonho», Escuro (2014)
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domingo, julho 21, 2019
sábado, julho 20, 2019
sexta-feira, julho 19, 2019
quinta-feira, julho 18, 2019
quarta-feira, julho 17, 2019
na estante defintiva
da posse: Uma capa austera, quase pobre, mas com fundo suave, que me cativou logo. A data da compra: «Natal 87», creio que foi na velha Livraria do Parque, no Estoril. A Assírio & Alvim entrada já no período de ouro de Manuel Hermínio Monteiro.
É um dos livros da minha vida? Sem dúvida. Da poesia autóctone em língua árabe, creio que então só conhecia o Poema de Alcabideche, do Ibn Mucana, que aqui também surge em nova versão; e foi como se entrasse num pátio andaluz, para utilizar imagem a preceito.
Adalberto Alves, O Meu Coração É Árabe -- A Poesia Luso-Árabe, Lisboa, Assírio & Alvim, 1987, 190 págs.
É um dos livros da minha vida? Sem dúvida. Da poesia autóctone em língua árabe, creio que então só conhecia o Poema de Alcabideche, do Ibn Mucana, que aqui também surge em nova versão; e foi como se entrasse num pátio andaluz, para utilizar imagem a preceito.
Adalberto Alves, O Meu Coração É Árabe -- A Poesia Luso-Árabe, Lisboa, Assírio & Alvim, 1987, 190 págs.
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terça-feira, julho 16, 2019
vozes da biblioteca
«A fúria do cão enchia-o de um atrevimento nervoso, como se Margarida estivesse em perigo ou o quisesse experimentar criando-lhe um inimigo inferior.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)
«Depois os ossos ficam limpos, tanto lhes faz, de chuva lavados, de sol cozidos, e se era pequeno o bicho nem a tal chega porque vieram os vermes e os insectos coveiros e enterraram-no.» José Saramago, Levantado do Chão (1980)
«Era uma paixão, uma paixão da alma, a mocidade na velhice, essa ânsia impotente dum coração que quer romper os tecidos atrofiados de cinquenta e cinco anos para dar quatro pulos em pleno ar.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)
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segunda-feira, julho 15, 2019
lista para a estante definitiva (1-6)
(no seguimento deste post)
1. A Catedral, de Manuel Ribeiro (1920) - Literatura portuguesa. Romance.
1. A Catedral, de Manuel Ribeiro (1920) - Literatura portuguesa. Romance.
2. A Guerra Não Tem Nome de Mulher, de Svetlana Alexievich (1985) - História da II Guerra Mundial. História do Século XX. Historiografia.
3. A Tentação de Existir, de E. M. Cioran (1956) - Ensaio. Filosofia. Fragmentos.
4. Afluentes Teórico-Estéticos do Neo-Realismo Visual Português, de Fernando Alvarenga (1989) - História da arte. História de Portugal. História do Século XX.
5. O Meu Coração É Árabe, de Adalberto Alves (1987). Poesia. Poesia do Al-Andaluz. História de Portugal.
6. Os Charutos do Faraó, de Hergé (1934/1955). Quadradinhos. BD franco-belga.
[acho que vou fazer um blogue só para isto, com comentários a cada livro]
[acho que vou fazer um blogue só para isto, com comentários a cada livro]
domingo, julho 14, 2019
sábado, julho 13, 2019
sexta-feira, julho 12, 2019
vozes da biblioteca
«a recta, a espiral, e o nada / que só à filigrana se consente, / são todo o meu orgulho, e no final / ter desenhado esse lugar exacto / onde em segredo posso ser humano.» António Franco Alexandre, Aracne (2004)
«Vão, sem destino, errando ao sabor da corrente.» João de Barros, Algas (1900)
«você me diz psiu, violência / no jeito de piscar as pálpebras» Ademir Assunção, Na Virada do Século -- Poesia de Invenção no Brasil (ed.. Claudio Daniel e Frederico Barbosa, 2002)
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quinta-feira, julho 11, 2019
quarta-feira, julho 10, 2019
pelo direito de Bonifácio a ser simplória
Fui ler. O artigo de Maria de Fátima Bonifácio não passa dum arrazoado de generalizações da vox populi, de que a senhora irremediavelmente é porta-voz, sem um mínimo de problematização e muito menos sofisticação. Parte de generalizações e lugares-comuns sobre ciganos e africanos para deles extrair uma representação geral que é indigna de qualquer intelectual, condição a que Bonifácio renunciou para juntar-se aos venturas e outros espertalhões de feira.
Mas nem pensar admitir que o Estado, através do ministério público ou do governo, se atreva a proceder contra a senhora, que se autodesqualificou com aquele texto, duma indigência que só encontra paralelo nas chamadas 'redes sociais' ou nas caixas de comentários dos jornais, era o que faltava. A estupidez institucional é muito pior e mais danosa do que a nesciedade individual. Bonifácio é uma cidadã que goza do direito à opinião e de liberdade de expressão, pelo que qualquer tentativa de criminalização não pode ser admitida e deve ser contestada com a mesma veemência com que se tem de combater o racismo e a xenofobia -- e, já agora, as organizações criminais que passam por entidades políticas e concorrem alegremente a eleições. Causas como o combate ao racismo, à xenofobia e a outras exclusões dispensam bem os polícias da linguagem e os agentes fardados do controlo do pensamento. Ideias básicas ou parvas combatem-se com argumentos; no caso de desonestidade intelectual, há sempre recurso à ironia queirosiana. Costuma ser mortal.
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terça-feira, julho 09, 2019
vozes da biblioteca
«Depois o silêncio, a mudez concentrada da noite, a nuvem negra coalhada sobre as ruínas da vila toda lavada em lágrimas.» Raul Brandão, A Farsa (1903)
«Eu, que nunca fui poeta, não consigo ignorar o encanto docemente melancólico do crepúsculo, quando a noite desce devagar.» Isabel Rio Novo, A Febre das Almas Sensíveis (2018)
«Sentei-me, contra o muro, a uma das mesas do mais vulgar mármore rosa, e mandei vir não sei quê que me não apetecia tomar.» José Régio, Jogo da Cabra Cega (1934)
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domingo, julho 07, 2019
vozes da biblioteca
«A velha casa na colina usava o telhado inclinado com beiral como quem usa um chapéu de aba descaída enterrado até às orelhas.» Arundhati Roy, O Deus das Pequenas Coisas (1997) (trad. Teresa Casal)
«Apesar de estar a tocar a segunda chamada, continuavam todos ali, em cachos, para respirarem o cheiro a molhado, a verde dos álamos, a relvas regadas, que refrescava os rostos suados, misturando-se com hálitos de terra e de crostas cujas gretas se fechavam ao fim de longa seca.» Alejo Carpentier, A Perseguição (1956) (trad. Margarida Santiago)
«Chamava-se Faunia Farley e, fossem quais fossem os sofrimentos que suportava, escondia-os atrás de um daqueles inexpressivos rostos ossudos que não escondem nada e denunciam uma imensa solidão.» Philip Roth, A Mancha Humana (2000) (trad. Fernanda Pinto Rodrigues)
sábado, julho 06, 2019
sexta-feira, julho 05, 2019
vozes da biblioteca
«o vento / leva-lhe a quase / saia / e vê-se a jóia / surpresa lapidada» Frederico Barbosa, «Paulistana de Verão», Cantar de Amor Entre os Escombros (2002)
«Pior, pior de tudo foi ter sido / par de Camões que continua vivo / só pele e canto ossificado em espanto» António Barahona, Rizoma (1983)
«Vitorioso o rei regressa à frente dos exércitos / e há fome e peste nas aldeias arrasadas.» Manuel Alegre, Praça da Canção (1965)
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quarta-feira, julho 03, 2019
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