quinta-feira, junho 27, 2019
quarta-feira, junho 26, 2019
em bicos de pés
O tipo que passa por alguém e se cruzou com o Kissinger no check in, e vem dizer para a bloga ou para os jornais. «Certa vez, em viagem com Kissinger (...)»; ou quando alguma figura morre, um fartar de intimidades, que provavelmente nunca existiram mas que podem alardear-se à vontade sem haver grandes riscos de desmentidos ou rectificações; ou o indivíduo de antes dos voos charter para os destinos paradisíacos, que nunca passara de Badajoz mas se referia à passeata como uma ida ao estrangeiro.
Risível, mas verdadeiro, até com gente não desprovida de valor, como o Torga, para quem, no Diário, quase não há confrade que lhe mereça duas linhas, a não ser se for defunto e ícone (trocou duas cartas com o Fernando Pessoa, que o detestou) ou ícone e estrangeiro: quando fala dos seus encontros com a Yourcenar ou o Borges -- que até aí lhe desconheciam a existência, não fora o protocolo de estado querer mostrar que também tínhamos.
Enfim, lembrei-me disto ao passar por um caramelo bem embrulhado.
terça-feira, junho 25, 2019
autobibliografia
Os livros, portanto. Nada mos substitui, troco quase tudo pela sua companhia. Não de todos os que possuo, é claro. Ter muitos livros é prático e aconchegante, mas o meu desígnio de despojamento seria munir-me apenas de algumas centenas -- uma boa estante -- e neles mergulhar uma e outra vez, nunca descurando, porém, novas leituras, sempre na expectativa de ir forçando a estante ideal. Apetece-me cada vez mais essa selecção.
segunda-feira, junho 24, 2019
domingo, junho 23, 2019
sexta-feira, junho 21, 2019
quinta-feira, junho 20, 2019
quarta-feira, junho 19, 2019
vozes da biblioteca
«O mouro Bichara, engajado quem sabe a pulso, um dos tantos heróis esquecidos na hora das celebrações e das recompensas: o almirante cobre-se de glória, os marinheiros cobrem-se de merda -- apesar de erudito, Raduan Murad tinha a boca suja.» Jorge Amado, A Descoberta da América pelos Turcos (1994)
«Sobre isto, um tom denegrido e uniforme: a humidade entranhou-se na pedra, o sol entranhou-se na humidade.» Raul Brandão, Húmus (1917)
«Trazia o cabelo sujo e desgrenhado; alguns fios partiam da densidade do todo e enroscavam-se-lhe na testa, como as gavinhas que saem de sob as folhas das videiras à procura de um corpo para se abraçarem.» Ferreira de Castro, A Experiência (1954)
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terça-feira, junho 18, 2019
o dever de registar
Não tive o benefício de conhecer Ruben de Carvalho, embora lhe deva alguns momentos da minha vida de Baden Powell aos Dexy's Midnight Runners, passando pela única ocasião em que vi cantar o Adriano Correia de Oliveira, único e inexcedível. Tive algum pudor em escrever mais um obituário, mas ontem ao deitar-me, ouvi-o nas suas «Crónicas da Idade Mídia», num programa que creio não ser repetição, antes um póstumo... E falava do Pete Seeger, que também trouxe, e que vi no velho Pavilhão dos Desportos (no Ao Vivo em Lisboa também lá está gravada a minha voz a entoar o We Shall Overcome e o Guantanamera) -- falava do Pete Seeger com uma fluência, um gosto e um saber que saboreei como se fora a primeira vez que o ouvisse. E, portanto, resolvi deixar-me de pruridos sem sentido; e já que de dívida se trata, de mim para com ele sem que nos conhecêssemos, aqui cumpro para comigo mesmo o meu dever de registar.
(imagem daqui)
(imagem daqui)
segunda-feira, junho 17, 2019
vozes da biblioteca
«A infância mantinha-a viva.» Sarah Adamopoulos, «Sozinha no cemitério», A Vida Alcatifada (1997)
«-- Este cão é um grande sacana, caça um bocado e depois põe-se a fazer a parte, olha para ele, está-se nas tintas para as codornizes e para nós.» Manuel Alegre, Cão como Nós (2002)
«Só ao ar livre é que o seu tamanho variava e, se por acaso estivesse muito tempo sem dizer palavra, até seria bem capaz de desaparecer chão abaixo ou quase. Alface, Um Pai Porreiro Ganha Muito Dinheiro (1997)
«Só ao ar livre é que o seu tamanho variava e, se por acaso estivesse muito tempo sem dizer palavra, até seria bem capaz de desaparecer chão abaixo ou quase. Alface, Um Pai Porreiro Ganha Muito Dinheiro (1997)
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domingo, junho 16, 2019
cabaz da feira
À Margem da História, de Euclides da Cunha (Martin Claret)
Cartas Dispersas, de Camilo Castelo Branco, edição de Castelo Branco Chaves (Campo das Letras)
Contos Amazônicos, de Inglês de Sousa (Martin Claret)
Nós, de Evgueni Zamiatine (Antígona)
O Ateneu, de Raul Pompéia (Martin Claret)
Terra Morta, de Castro Soromenho (Cotovia)
Um Copo de Cólera, de Raduan Nassar (Companhia das Letras)
sábado, junho 15, 2019
vozes da biblioteca
«Para o humilde autor deste relato, os casos tiveram o seu berço foi mesmo nesse esquecido ano de mil oitocentos e oitenta, aquando da chegada a Luanda de um moço benguelense, de sua graça Jerónimo Caninguili.» José Eduardo Agualusa, A Conjura (1998)
«Respondiam três, respondiam quatro, sabia-se lá, e abriam caminho a disputar a primazia, procurando iludir o sobrenome de baptismo.» Manuel Ferreira, Hora di Bai (1962)
«Sempre de nariz no ar e olhos investigadores ao lado dos operários, que a detestavam porque ele intervinha em todos os pormenores -- olhe isto, olhe aquilo, assim não está bem, faça assim, faça assado -- de tal forma se portara que, durante semanas e mais semanas, a vida tivera um incómodo sentido provisório no meio do movimento e da desordem em que tudo aquilo andava.» Ferreira de Castro, A Curva da Estrada (1950)
sexta-feira, junho 14, 2019
as cortinas de fumo no Golfo Pérsico
O "ataque" aos petroleiros do Golfo Pérsico é uma manobra demasiado grosseira para que não desconfiemos, ou seja: num momento em que Shinzo Abe, primeiro-ministro japonês, é recebido pela liderança iraniana, Khamenei e Rohani, dois navios, um dos quais com bandeira do Japão, são alvo de um atentado -- o que, com as subtilezas conhecidas de Trump, Bolton e Pompeo, põe-nos todos a olhar para os Estados Unidos. É possível serem tão estúpidos quanto aparentam? É bem provável. Ou poderá haver aqui uma terceira mão (não falo de Israel, cujo governo é o cão-guia dos americanos na região)?
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quinta-feira, junho 13, 2019
vozes da biblioteca
«Sua íntima atitude / é a das estátuas por fora» Sebastião Alba, «Os poetas», A Noite Dividida (1996)
«Um sucessivo deserto / verso a verso decantado / no canto interrompido / do bulbul exausto / do seu próprio eco» António Barahona, Ritual Análogo (1986)
«Viver sempre vergado sobre a terra, / a nossa terra / pobre / ingrata / querida!» Jorge Barbosa, Ambiente (1941) / No Reino de Caliban I (ed. Manuel Ferreira, 1975)
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quarta-feira, junho 12, 2019
terça-feira, junho 11, 2019
vozes da biblioteca
«Ainda o senhor estude: agora mesmo, nestes dias de época, tem gente porfalando que o Diabo próprio parou, de passagem, no Andrequicé.» João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas (1956)
«Na estrada de Orléans, numa noite agreste, o eixo da berlinda em que jornadeavam partiu, e o nédio senhor, a delicada senhora da casa da Avelã, o menino, marcharam três horas na chuva e na lama do exílio até uma aldeia, onde, depois de baterem como mendigos a portas mudas, dormiram nos bancos de uma taberna.» Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (póst., 1901)
«Era o esquecimento, a tranquilidade, o sono.» Mário de Sá-Carneiro, A Confissão de Lúcio (1914)
«Na estrada de Orléans, numa noite agreste, o eixo da berlinda em que jornadeavam partiu, e o nédio senhor, a delicada senhora da casa da Avelã, o menino, marcharam três horas na chuva e na lama do exílio até uma aldeia, onde, depois de baterem como mendigos a portas mudas, dormiram nos bancos de uma taberna.» Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (póst., 1901)
«Era o esquecimento, a tranquilidade, o sono.» Mário de Sá-Carneiro, A Confissão de Lúcio (1914)
segunda-feira, junho 10, 2019
a propósito da morte de Luís Mourão
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Compro o jornal na loja da bomba de gasolina e vejo, na primeira página, a notícia da morte de Luís Mourão, um extraordinário ensaísta. Conheci-o há trinta anos, em contexto profissional, e tivemos um óptimo relacionamento. Tenho dois livros seus: Conta-Corrente 6 -- Ensaio sobre o Diário de Vergílio Ferreira (1990) e Um Romance de Impoder -- A Paragem da História na Ficção Portuguesa (1997).
Com ensaístas de gerações anteriores, como João Bigotte Chorão, recentemente falecido, aprendi que escrever sobre o que quer que seja -- e, por maioria de razão, sobre literatura -- exige que sejamos escritores; mais canhestros ou melhor sucedidos, não se pode partir para uma obra, literária ou outra, com vícios burocráticos e expectativas curriculares, sob pena de se negar o objecto de estudo e, já agora, ser portador de um razoável grau de indignidade. Com Luís Mourão aprendi que o ensaísta é também ele um criador, com todos os riscos que isso implica. Para mim, que sou de História, e valorizo os documentos -- sempre --, gostando pouco de fantasias, foi um ensinamento importante para escapar à condição de 'positivista utilitário', labéu que me foi atirado pedagogicamente por um bom professor, E. Gonçalves Rodrigues, em intento profiláctico dos meus arroubos radicais, prevenção de que nunca me esqueci.
Regressando a Luís Mourão, mal o reconheço nas fotografias; porém os depoimentos de amigos trazem-me a pessoa de há trinta anos. Tenho algumas cartas dele, talvez publique uma, no sítio próprio.
domingo, junho 09, 2019
vozes da biblioteca
«As nossas virtudes não são mais, na maior parte das vezes, que vícios mascarados.» François de La Rochefoucauld, Máximas (1664) (trad. Cristina Proença)
«Cada época histórica contempla-se no quadro e na mitologia activa do próprio passado ou de um passado tomado de empréstimo a outras culturas.» George Steiner, No Castelo do Barba Azul (1971) (trad. Miguel Serras Pereira)
«Não há obra que não se volte contra o seu autor: o poema esmagará o poeta, o sistema o filósofo, o acontecimento o homem de acção.» E. M. Cioran, A Tentação de Existir (1956) (trad. Miguel Serras Pereira e Ana Luísa Faria)
sábado, junho 08, 2019
vozes da biblioteca
«E mal o fogo destruiu o cadáver e as armas, / plantámos uma estrela num montículo, e, ao alto, / o seu remo de fácil manejo» António Barahona, Pátria Minha (1980)
«Lá fora, / Dizem que sou deste mundo.» José Pascoal, «A incerteza do poeta», Sobe Este Título (2017)
«Se o caminho é falso, é comigo... / Que linda voz me está a chamar!» José-Aurélio, «Primeiro poema do quarto assombrado», As Folhas de Poesia Távola Redonda (edição de António Manuel Couto Viana, 1988).
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quinta-feira, junho 06, 2019
vozes da biblioteca
«As irmãzinhas haviam-na abandonado num camarote sem ar e sem vigias: uma luz mortuária por cima da cabeça, sacos de plástico para o enjoo arrumados numa bolsinha fatídica, o beliche estreito e uma mistura dos cheiros que só existem nos barcos -- salitre, tintas quentes e o amoníaco entorpecente das latrinas muito próximas.» João de Melo, Gente Feliz com Lágrimas (1988)
«Como se as pupilas que todos os dias o viam o esmagassem: pupilas de escravos, pupilas de homens que temiam dizer o que pensavam -- homens mutilados.» Augusto Abelaira, A Cidade das Flores (1959)
«Quanto ao pequeno drama pessoal de Nacib, sùbitamente sem cozinheira, dele apenas seus amigos mais íntimos tomaram conhecimento imediato, sem lhe dar, aliás, maior importância.» Jorge Amado, Gabriela, Cravo e Canela (1958)
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terça-feira, junho 04, 2019
segunda-feira, junho 03, 2019
Agustina Bessa Luís: a vida continua
Quando morrem os grandes escritores, a vida continua para eles. Agustina Bessa Luís está nesse clube: trabalhou a frase com a mestria de quem sabe que a literatura não tolera lugares-comuns e encorpou os livros com a sabedoria de quem vira a comédia humana do avesso; desde cedo que a sua obra teve ampla recepção crítica; mas mais importante que isso, ela pertence ao número restrito de romancistas que são objecto de conversa de sala e de café por parte dos leitores. Merecidamente, o tempo em que viveu será também o tempo de Agustina, uma inevitabilidade.
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«A minha mãe, viúva, vendo-se sem marido e sem amparo, resolveu-se chegar aos bons para ser um deles, e foi viver para a cidade, onde alugou um buraco, e começou a fazer comida para os estudantes, e a lavar a roupa dos moços de estrebaria do comendador da Madelena, e assim começou a frequentar as cavalariças.» Anónimo, Lazarilho de Tormes (1554) (trad. Ricardo Alberty)
«Acontece que, como sabem, sou muito vulnerável à beleza feminina.» Philip Roth, O Animal Moribundo (2001) (trad. Fernanda Pinto Rodrigues)
«Winston Smith, de queixo fincado no peito num esforço para fugir ao vento impiedoso, esgueirou-se rápido pelas portas de vidro da Mansão Vitória; não tão rapidamente, porém, que pudesse impedir um turbilhão de terra entrar com ele.» George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro (1949) (trad. L. Morais)
domingo, junho 02, 2019
sábado, junho 01, 2019
vozes da biblioteca
«O chefe da estação, um gordo com os queixos amarrados num lenço de seda preta, o bonnet de galão sujo muito posto ao lado, apareceu então, à porta da sala de bagagens, de charuto nos dentes.» Eça de Queirós, A Capital! (póst. 1825)
«O povo, esmagado debaixo do peso dos tributos, dilacerado pelas lutas dos bandos civis, prostituído às paixões dos poderosos, esquecera completamente as virtudes guerreiras de seus avós.» Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero (1844)
«O vento, que é um pincha-no-crivo devasso e curioso, penetrou na camarata, bufou, deu um abanão.» Aquilino Ribeiro, A Casa Grande de Romarigães (1957)
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