segunda-feira, julho 31, 2006
Antologia Improvável #151 - António de Sousa
PRETÓRIO
-- O poeta é aqui, neste senhor?
-- Digo sim ou digo não
Quando exibo a minha dor:
Esta ferida de céu
Que me chega ao coração?
E quando o sangue não corre
Nem de cima para baixo,
Nem de baixo para cima?
E quando ponho na mesa
Toda a restante riqueza:
A hora colada à torre;
O fogo preso no facho;
O sonho gasto na rima?
Digo sim ou digo não?
Sete Luas / Líricas Portuguesas - 2.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)
-- O poeta é aqui, neste senhor?
-- Digo sim ou digo não
Quando exibo a minha dor:
Esta ferida de céu
Que me chega ao coração?
E quando o sangue não corre
Nem de cima para baixo,
Nem de baixo para cima?
E quando ponho na mesa
Toda a restante riqueza:
A hora colada à torre;
O fogo preso no facho;
O sonho gasto na rima?
Digo sim ou digo não?
Sete Luas / Líricas Portuguesas - 2.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)
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domingo, julho 30, 2006
Rob Roy
Tudo se passou num segundo, quando o juiz-de-fora saiu da estalagem situada na clareira da floresta. Nem tivemos tempo de estranhar a inquietação das montadas. Das Highlands desceram os malditos jacobitas, ululando selvaticamente, cobertos com os tartans coloridos de cada tribo. Só eu, escrevente dos autos, escapei com vida. Poupou-me o que parecia ser o chefe, para que pudesse espalhar a mensagem em Londres: «Lembrem-se de Culloden!»
De «Três estórias com data» (1994)
sábado, julho 29, 2006
o terror que temos / de certos encontros de acaso
José Tolentino Mendonça
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José Tolentino Mendonça
Correspondências #53 - José Rodrigues Miguéis a Mário Neves
347 East 17th St.
New York City
Sábado 29 de Novembro, 1947
Querido Mário Neves:
Aqui vai o resto (aliás começo) do Natal do Dr. Cosby, com as minhas bençãos apostólicas para VER & CRER. Oxalá chegue a tempo. Telegrama recebido ontem de manhã, e atirei-me ao trabalho. Cortei, esfacelei, transpus, rangi os dentes. Aí vai. Só lhes suplico que revejam com cuidado. De longe não posso fazer mais! Já sabe o carinho que tenho pela revista e por vocês. Se mais pudesse mais faria. -- Recebi com surpresa há 3 dias o número de Setembro, onde vejo um artigo sobre a América: nem posso crer! Lápis cuidadoso, certeiro. Já lhe mandarei outras coisas, quando houver ensejo.
Sendo V. a única pessoa com quem mantenho uma correspondência frutífera, ainda um dia lhe hei-de confiar outros manuscritos, a que não sei o destino que hei-de dar. Quero que saiba que nem toda a minha literatura é «mórbida»... Mas em Portugal creio que até o humorismo é acolhido com um franzir de testas talmúdicas, ideológicas, de padres-mestres possuídos de teorias e teoremas -- mais do que de vida e senso criador. Porque é que eu não faço outras coisas? -- Porque não posso pôr nelas a verdade e a sinceridade que ponho nestas, e a meia-verdade é-me odiosa. A meia-verdade e a secura, a ausência de verdadeiro tutano é humor nas obras. Fatigam-me e aterram-me as coisas nossas que leio: caracteres falsos, de papelão, falando uma linguagem que não existe, etc. Laissons çà!
Você acha que se cada um dos 8000 leitores do V&C pagasse UM TOSTÃO pela minha história -- a quinta parte do que paga por uma zona no eléctrico, e do que paga pelo Diário de Notícias -- pagaria de mais? Pois bem, se cada um pagasse a quarta parte de UM TOSTÃO (quantia impensável!) eu receberia 200 escudos, ou seja quatro dólares: com o que quase poderíamos comer um jantar de família num restaurante popular. E ainda me dizem que não vale a pena ser Escritor! Houve um rei shakespeareano que bradou «Dou o meu reino por um cavalo!» O escritor português pode gritar (se ainda tiver forças) «A minha vida por um almoço!» -- Mas será melhor a vida do director-proprietário?... (Só o telegrama lhe custou o valor de um artigo!)
Não sei que mais tinha a dizer-lhe. Fica para a próxima. Podendo ser, mande-me o conto (cortado da revista) por avião, para que eu o receba mais cedo, como carta. Os aviões não transportam matéria impressa, e por navio tudo leva meses!
Abraços muitos e colectivos
Miguéis
Corte sem hesitar o que entender!
M.
In Mário Neves, José Rodrigues Miguéis -- Vida e Obra
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Mário Neves
sexta-feira, julho 28, 2006
Portugal é um país viável?
Há cerca de dez anos, visitei o Centro Cultural Manuel de Falla, em Granada, integrado num grupo de trabalho. O dirigente da instituição guiava-nos pelas magníficas instalações, quando, sem que o esperássemos, abriu uma porta, deparando-nos então com um grande anfiteatro cheio de crianças granadinas do ensino primário, assistindo a um concerto pedagógico realizado pela sinfónica local. Em Granada, que não é a primeira nem a segunda ou a terceira, sequer a quarta cidade de Espanha. Fui nessa altura tomado por uma grande incomodidade interior ao confrontar-me, por contraste e sem preparação prévia, com a nossa paupérrima realidade.
Vem isto a propósito da notícia das últimas horas sobre Maria João Pires e o seu auto-exílio no Brasil. Poderia agora desenvolver o tema nos seus vários aspectos, mas não tenho pachorra. A verdade é que Portugal é um país sem élites -- e isso sente-se dolorosamente no dia-a-dia, em cada dia, todos os dias. «Somos um país que não presta.» -- parece ter sido o desabafo de António Victorino de Almeida à Antena 1. Terrível, mas tão próximo da mais crua verdade...
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da impaciência,
da pólis,
Maria João Pires
Figuras de estilo - Eça de Queirós
Quanto o homem com a sua tolice deve, por vezes, fazer bocejar Deus!
Os Ingleses no Egipto / Cartas de Inglaterra
quinta-feira, julho 27, 2006
Antologia Improvável #150 - Florbela Espanca
A UMA RAPARIGA
Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre os lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.
Nessa estrada da vida que fascina,
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!
Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!
Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir à luz a haste duma flor!...
Charneca em Flor / Líricas Portuguesas, 2.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)
Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre os lamaçais alteia pontes
Com tuas mãos preciosas de menina.
Nessa estrada da vida que fascina,
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!
Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!
Que as mãos da terra façam, com amor,
Da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir à luz a haste duma flor!...
Charneca em Flor / Líricas Portuguesas, 2.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)
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Florbela Espanca
quarta-feira, julho 26, 2006
estampa LVII
Colecção de Alejandro Gómez Arias, Cidade do México
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Frida Kahlo
terça-feira, julho 25, 2006
a noite ergue-se num continente envelhecido
João Paulo Monteiro (Ângelo Novo)
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Figuras de estilo - Miguel Real
Os portões dos Estaus abriam-se, o capelão do cárcere da penitência emergia, redondinho, vermelhinho como uma barrica de vinho, alçava o crucifixo de prata maciça, nobres seguiam-no, de peruca empoada, os «familiares» da Inquisição, olhos puros de fé, doze tocheiros entravam no Rossio, iluminando a madrugada, o alvorecer cedia a tanta luz beata, o livor do dia sorria, o céu azul de Lisboa nascia, perfilavam-se sacerdotes de sotaina branca, bainha rendada, o solicitador dos dominicanos ostentava a vara, os superiores das congregações adejavam a barba à brisa do Tejo, os dignitários seculares assomavam no palanque, procurando sombra sob o sólio, preveniam-se, o sol enrijaria, do portão saíam agora o arcebispo de Marzagão e Colhão, purpurino, o bispo de Mitilene e Cuzene, celestino, o bispo de Cajuzeiro e Pixoteiro, esmeraldino, o Inquisidor-Mor, Paulo de Carvalho, irmão do Ministro, o bispo de Lisboa, d. Anastácio Cagalhácio, o reitor dos Crúzios Sentados, o geral dos Levantinos Levantados, o abade do convento de Santa Maria dos Paneleiros, a chusma regozijava, admirando o donaire potente dos poderosos, de barriga inchada, passinhos miúdos, bofes pendentes do queixo gorduroso, sobrancelhas hirsutas, matagal de pêlos nas orelhas, os Peixotinhos perdiam-se no palanque dos convidados, a sua presença era forçada pela representação dos seus cargos, aquiesciam com a necessidade dos autos-de-fé, uma satisfação à Igreja, não se lhe podia tirar tudo de uma só vez, o Ministro forçara a Inquisição a submeter as suas decisões ao Conselho de Estado, o confisco dos bens transitara para o Estado, foram os dois primeiros passos seguros, dizia João Maria, político, um próximo Ministro, em menos de dez anos acabará com a Inquisição, até lá era comprazer e sorrir, circo atirado ao povo, pena era os palhaços serem queimados. Os penitentes emergiam no portão, baeta com a cruz vermelha, a representação do inferno atormentando as almas, a carocha amarela na cabeça, velas acesas na mão, cabeça baixa, um frade a seu lado forçando-os a arrependerem-se, e o povovéu -- a corja popular -- acidulado pelo vinho, ululava, uivava, gania, relinchava, zurrava, guinchava, ladrava, chiava, assobiava, mugia, carneira como sempre.
A Voz da Terra
segunda-feira, julho 24, 2006
Antologia Improvável #149 - Alexandre Pinheiro Torres
O MORTO: COMO RESPIRA!
Por detrás de cada morto entre as pausas
do choro começam em contraponto os
primeiros breves sorrisos: os vaivens da
alegria. Dentro de cada morto estreamos
de novo a nossa infância. Ela vem-nos
outra vez com assombro: agora da verdadeira
origem. Por detrás de cada morto há mesmo
gargalhadas: vida! A morte essa guarda os dentes.
A Flor Evaporada
Por detrás de cada morto entre as pausas
do choro começam em contraponto os
primeiros breves sorrisos: os vaivens da
alegria. Dentro de cada morto estreamos
de novo a nossa infância. Ela vem-nos
outra vez com assombro: agora da verdadeira
origem. Por detrás de cada morto há mesmo
gargalhadas: vida! A morte essa guarda os dentes.
A Flor Evaporada
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Alexandre Pinheiro Torres
sexta-feira, julho 21, 2006
quinta-feira, julho 20, 2006
«...um território no qual os outros lutam.» Esta a definição desalentada do historiador libanês (cristão maronita) Georges Corm, em entrevista ao Público de hoje. Eis a tragédia daquele estado árabe, um país que alcançara um frágil equilíbrio entre as suas confissões (maronitas, xiitas, sunitas, drusos), após uma devastadora guerra civil.
Israel tem um problema original: o da sua criação forçada pela má consciência ocidental, que, em 1917, na Declaração Balfour, deu à nação judaica a grande expectativa de criação de um estado na Palestina -- aspiração que não mais poderia ser protelada após o inominável Holocausto. Só que o apaziguamento do remorso europeu foi feito à custa da população árabe, que era a maioria. E aí estão, dolorosamente, passadas décadas, os milhares de deslocados palestinos à força, espalhados pelos países limítrofes.
Não o posso esquecer, até porque sempre tive simpatia pela nação judaica e pela sua respeitável organização democrática interna. Isto não obstante considerar da maior justiça -- e da maior urgência, acrescentaria -- a criação do estado da Palestina.
A destruição em curso no Líbano é confragedora. O delicado equilíbrio político conseguido após, repito, uma longa guerra civil, estava a permitir àquele país uma paulatina normalização, um ambiente de desenvolvimento, um clima de cosmopolitismo que sempre foi o seu -- e que os milhares de estrangeiros de muitas nacionalidades que agora fogem dele demonstram cabalmente.
O que leva um país como Israel a perpetrar uma destruição desta amplitude? Não colhe o argumento do rapto dos soldados: a desproporção da reacção é tal que o argumento ganharia contornos do mais intolerável racismo, que é o de a vida de cada soldado valer cerca de cem civis libaneses mortos entretanto, sem que estas existências merecessem um esforço para que a crise fosse solucionada pela diplomacia. Essa não pode ser a razão, nem acredito que seja a medida de Olmert, de Peretz e muito menos de Perez.
Israel, sempre acossado pelos vizinhos, sente agora o perigo real das ameaças iranianas, verifica as dificuldades americanas na demência iraquiana e no impasse afegão, constata a impotência europeia, entre o embaraço e a duplicidade. Trata-se, portanto, de uma guerra de sobrevivência -- uma guerra suja, mas de sobrevivência.
A par da tentativa de neutralização do Hezbollah, improfícua a prazo, no quadro de correlação de forças actual, há ali um demonstração de poderio, um possível posicionamento estratégico dentro do país do cedro e avisos vários feitos a sírios e iranianos, à custa dos fracos libaneses. Resta é saber se um Líbano estraçalhado e não um Líbano estabilizado -- esse Líbano que extasiou Eça de Queirós na sua viagem oriental de 1869 -- servirá os interesses de Israel.
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Antologia Improvável #148 - Alexandre O'Neill (4)
PEDRA-FINAL
Tanta gente,
tantos enredos
até ficarmos para sempre
quedos!
Para sempre? Não!
Que outros (mínimos) seres
já trabalham na nossa remoção.
De Ombro na Ombreira / Poesias Completas
Tanta gente,
tantos enredos
até ficarmos para sempre
quedos!
Para sempre? Não!
Que outros (mínimos) seres
já trabalham na nossa remoção.
De Ombro na Ombreira / Poesias Completas
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Alexandre O'Neill
quarta-feira, julho 19, 2006
Spinning-Jenny
Dentro da casa coberta de colmo, a panela ao lume exalando o aroma da farinheira, o artífice trabalhava ao lado do filho mais velho. Por entre as portadas semicerradas da sala-oficina, via chegar os bufarinheiros que lhe vendiam as matérias-primas necessárias às suas manufacturas. Certo dia, surgiu um homem de pêra e risco ao meio, à frente de muitos operários. Açulados pelo capataz, ergueram um grande edifício que lhe disseram ser uma fábrica, onde, no interior, pontificava um grande relógio. A lareira da sala-oficina na casa coberta de colmo deixou então de aquecer o almoço, agora acomodado entre as paredes estreitas de uma marmita.
De «Três estórias com data» (1994)
terça-feira, julho 18, 2006
Figuras de estilo - Euclydes da Cunha
Manifestações ruidosas, versos flamívolos, oradores explosivos passaram-lhe por diante, estrondaram-lhe em torno, deflagraram-lhe aos ouvidos, num estrepitar de palmas e aplausos. Ouviu-os indiferente e contrafeito. Não sabia respondê-los. Tinha a frase emperrada e pobre. Além disso, tudo quanto saía do passo ordinário da vida não o comovia, desorientava-o, contrariava-o.
Os Sertões
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Euclides da Cunha
segunda-feira, julho 17, 2006
Antologia Improvável #147 - Rebelo de Bettencourt (2)
VOZ DE OIRO
A minha filha
Minh'alma é cheia do canto
Da tua voz, a falar.
-- Nunca te possas calar,
Voz de oiro, que eu amo tanto!
Com ela, enfim, pude achar
Da vida todo o encanto.
-- Marejam em doce pranto
Meus olhos, só de o lembrar!
Deus queira que eu tenha a sorte
De ouvi-la, à hora da morte,
A pedir por mim, rezando,
Para eu morrer sem sentir,
Como se morre a dormir,
Como se morre sonhando!
Oceano Atlântico
A minha filha
Minh'alma é cheia do canto
Da tua voz, a falar.
-- Nunca te possas calar,
Voz de oiro, que eu amo tanto!
Com ela, enfim, pude achar
Da vida todo o encanto.
-- Marejam em doce pranto
Meus olhos, só de o lembrar!
Deus queira que eu tenha a sorte
De ouvi-la, à hora da morte,
A pedir por mim, rezando,
Para eu morrer sem sentir,
Como se morre a dormir,
Como se morre sonhando!
Oceano Atlântico
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Rebelo de Bettencourt
domingo, julho 16, 2006
Correspondências #52 - Salomão Sáragga ao «Diário Popular»
Amigo e Redactor:
-- Como V. sabe, devia fazer hoje a minha conferência no Casino. O assunto era: Os historiadores críticos de Jesus. Se tinha escolhido este assunto de preferência a outro, era simplesmente por ser aquele a que tenha mais particularmente aplicado os meus estudos. Nenhuma outra razão me levou a tratá-lo. Que era da crítica considerada como ciência, da sua aplicação especial à história de Jesus, e ao movimento que ele foi o iniciador que eu queria falar, era já público havia algumas semanas. O que porém se não sabia era o dia determinado em que esta matéria havia de ser apresentada publicamente. Os jornais, no entretanto, noticiaram há quatro ou cinco dias que hoje me pertencia ser o conferente, sem se esquecerem de apontar a matéria a tratar. Desde então todos os que se dizem meus amigos (com poucas excepções), e outros que se dizem interessados no meu bem-estar, julgaram que era do seu dever usar de quantos meios a imaginação lhes sugeria para me demover do meu propósito. Não lhes sendo possível desviarem-me do meu intento, por meio de argumentos, os quais confesso eram de nenhum valor, passaram a usar de ameaças, entre as quais apareceram, em primeira plana, que muitos estavam dispostos a usar de pugilato, como último argumento, se eu insistisse. Por quem esta guerra era especialmente movida não o pude saber. Um jornal falou das más disposições dos judeus a meu respeito. Eu, porém, que julgo tão inimigos das ideias cristãs os judeus como os católicos fanáticos, não sei a quem atribuí-la. Não obstante isto tudo, continuava a ser opinião minha e dos meus amigos que devia expor na minha conferência o resultado dos meus estudos, com tanta mais razão quanto por essa forma eu não saía fora dos estudos da minha predilecção.
Estava nestas disposições preparando-me para a conferência, quando vi hoje de tarde a cópia de uma portaria saída do Ministério do Reino, a qual proíbe a continuação das conferências. Se o intuito do autor da portaria é evitar que eu consiga propagar as ideias que tenho sobre Jesus e o Cristianismo, posso assegurar-lhe que o não consegue. Não o consegue porque me resta ainda a imprensa: o jornal e o livro. As ideias que tinha de expor ali sumariamente, dentro dos acanhados limites de uma conferência, poderei expô-las mais tarde, pela forma que mais adequada me parecer. Mas supunhamos que a ciência que tem ocupado espíritos como Strauss, Reuss, Scherer, Vacherot, Renan, Bunsen, Réville e outros não possa ter a sua livre manifestação entre nós e que eu seja obrigado pela imposição da força a calar-me, que modo mais eloquente haverá para demonstrar que as conferências tinham a sua razão de ser? O que faltará para provar que a liberdade de consciência e a liberdade de imprensa são palavras vãs entre nós e que este estado de coisas não deve continuar?
Semeiem e colham depois.
C/V. Lisboa, 26 de Junho de 1871.
De V. etc.
Salomão Sáragga.
In João Medina, As Conferências do Casino e o Socialismo em Portugal
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Salomão Sáragga
No restaurante onde almoço regularmente tive um dia destes a vizinhança de quatro académicos turcos, em Portugal ao abrigo de um programa comunitário. Estão a gostar imenso do país, mas lamentam a profusão de pratos com carne de porco que lhes são oferecidos nas ementas das casas de pasto. Um deles, que vivera nos Estados Unidos, disse-me, com certa solenidade: «We don't eat pork.» Intimamente senti o incómodo de estar diante de gente aberta na aparência, europeus como o quis Ataturk, e -- sempre para mim --, lamentei estes simpáticos scholars, já atingidos pela peste do fundamentalismo religioso e inibidos pelo seu preceituário negro. Porque, das duas, uma: ou eles são realmente observantes e repelem as bifanas (o que, para um laico como eu-- de formação católica, embora --, faz tanto sentido como privar-me de comer um bife à Trindade por ser sexta-feira); ou, também não muito tranquilizador, assumem com esta atitude, uma «etnicidade» vincada, atitude que, a generalizar-se, dificultará a sua entrada na UE, entre outras consequências pouco simpáticas.
E pensar que, há vinte e tal anos, por esta altura do ano, confraternizava descontraidamente num café de Paris com um grupo de argelinos, refrescando a noite de verão a sumos e... cerveja!
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Turquia,
UE
sábado, julho 15, 2006
sexta-feira, julho 14, 2006
Figuras de estilo - M. Teixeira-Gomes
Do passado, só me interessa, em arte e literatura, a obra que conservou beleza actual. Assim, esse nome estupendo: «Cartago», no sítio próprio, pouco me diz, além da paisagem onde o lugar persiste. Na solidão do meu gabinete de trabalho, ou nas salas de uma biblioteca, ele parece ganhar em ressonância, e sacudir a poeira dos inúmeros cartapácios que lhe registram a crónica; das suas ruínas pulverizadas, nenhuma «substância» espiritual me assiste.
Miscelânea
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M. Teixeira-Gomes
quinta-feira, julho 13, 2006
Antologia Improvável #146 - Carlos de Oliveira (6)
CASA
A luz de carbureto
que ferve no gasómetro do pátio
e envolve este soneto
num cheiro de laranjas com sulfato
(as asas pantanosas dos insectos
reflectidas nos olhos, no olfacto,
a febre a consumir o meu retrato,
a ameaçar os tectos
da casa que também adoecia
ao contágio da lama
e enfim morria numa cama)
a pedregosa luz da poesia
que reconstrói a casa, chama a chama.
Sobre o Lado Esquerdo / Trabalho Poético
A luz de carbureto
que ferve no gasómetro do pátio
e envolve este soneto
num cheiro de laranjas com sulfato
(as asas pantanosas dos insectos
reflectidas nos olhos, no olfacto,
a febre a consumir o meu retrato,
a ameaçar os tectos
da casa que também adoecia
ao contágio da lama
e enfim morria numa cama)
a pedregosa luz da poesia
que reconstrói a casa, chama a chama.
Sobre o Lado Esquerdo / Trabalho Poético
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Carlos de Oliveira
quarta-feira, julho 12, 2006
diálogo norte-sul
o
ão
ção
ação
lação
ulação
mulação
umulação
cumulação
acumulação
cumulação
umulação
mulação
ulação
lação
ação
ção
ão
o
ão
ção
ação
lação
ulação
mulação
umulação
cumulação
acumulação
cumulação
umulação
mulação
ulação
lação
ação
ção
ão
o
terça-feira, julho 11, 2006
Altíssima Idade Média
Depois do interessante projecto de investigação antropológica dos restos mortais de D. Afonso Henriques (sem contar com o anedotário burocrático...), leio que uma equipa de arqueólogos da Universidade do Minho pôs a descoberto a basílica de S. Martinho de Dume, «o apóstolo dos suevos» (século VI), um dos autores fundamentais do cristianismo peninsular, cujos escritos são, em alguns casos, uma preciosa fonte para o conhecimento dos povos daquela região do noroeste.
Em Portugal há grandes arqueólogos, como Cláudio Torres, Luís Raposo, há os que sujam as mãos no terreno, batem-no ao longo dos anos, conhecem cada acidente, cada afloração, como sucede com Guilherme Cardoso, autor da Carta Arqueológica do Concelho de Cascais, entre outros; e depois existe uma cáfila que se ocupa de ninharias, de porcarias, repartida por grupos de intriguistas à cata de subsídios, e que gastam as energias torpedeando-se uns aos outros.
Se isto é sinal de que estamos a dar o salto para um outro patamar de investigação, excelente.
Caracteres móveis - Mikhail Bakunin
A moral divina baseia-se nestes dois princípios imorais: o respeito pela autoridade e o desprezo pela humanidade. A moral humana, pelo contrário, funda-se no desprezo pela autoridade e no respeito pela liberdade e pela humanidade.
O Socialismo Libertário
(tradução e edição de Nuno Messias)
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segunda-feira, julho 10, 2006
Antologia Improvável #145 - Manuel Gusmão
O espelho está lá mas ninguém lá está
É uma cena deserta. O piano e a estante de música
estão vazios; são contornos da sombra
Do lado direito de quem olha daqui, há
uma ampla porta-janela que dava para
uma varanda que daria para uma selva imaginada.
A música que ouves não vem desta sala
Nasce e vem do maciço de árvores escuras
que brilham mais no escuro da noite ultramarina.
Vem do mar que está depois da selva que
está a seguir às árvores de um parque
que é uma memória de pedra que já começou a ruir.
É uma música poderosa mas lenta; feroz e densa
e voraz; selvagem mas não primitiva.
Nos arredores do império, num condomínio
colonial antigo e novíssimo, podes pela música
que sem resgate os dissolveu imaginá-los. Fora
pouco antes de desaparecerem --
Eram já extremos conspiradores sem conspiração,
de si mesmos exilados, perdida a juventude,
perdidos dessa selva em que teriam sido feras
e fora já a sua própria memória. A maturidade
apodreceu-os como uma floresta que se desfaz
na água nostálgica do desejo. A música
essa música num espelho longe foi o que sobrou
fala de um crime passional em que ninguém afinal
morreu, de um segredo partilhado e sem sentido
que ouves uma vez mais nessa voz abafada ou
rouca -- como se diz? -- nessa voz que te transporta
a essa cena deserta onde nunca terás estado.
No espelho longe num oriente extremo não podes ver-te:
não é a tua história; não é a história de ninguém. Mas
podes ver a música que através deles te envenena o sangue.
Migrações do Fogo
É uma cena deserta. O piano e a estante de música
estão vazios; são contornos da sombra
Do lado direito de quem olha daqui, há
uma ampla porta-janela que dava para
uma varanda que daria para uma selva imaginada.
A música que ouves não vem desta sala
Nasce e vem do maciço de árvores escuras
que brilham mais no escuro da noite ultramarina.
Vem do mar que está depois da selva que
está a seguir às árvores de um parque
que é uma memória de pedra que já começou a ruir.
É uma música poderosa mas lenta; feroz e densa
e voraz; selvagem mas não primitiva.
Nos arredores do império, num condomínio
colonial antigo e novíssimo, podes pela música
que sem resgate os dissolveu imaginá-los. Fora
pouco antes de desaparecerem --
Eram já extremos conspiradores sem conspiração,
de si mesmos exilados, perdida a juventude,
perdidos dessa selva em que teriam sido feras
e fora já a sua própria memória. A maturidade
apodreceu-os como uma floresta que se desfaz
na água nostálgica do desejo. A música
essa música num espelho longe foi o que sobrou
fala de um crime passional em que ninguém afinal
morreu, de um segredo partilhado e sem sentido
que ouves uma vez mais nessa voz abafada ou
rouca -- como se diz? -- nessa voz que te transporta
a essa cena deserta onde nunca terás estado.
No espelho longe num oriente extremo não podes ver-te:
não é a tua história; não é a história de ninguém. Mas
podes ver a música que através deles te envenena o sangue.
Migrações do Fogo
A premissa essencial
Um interessante artigo de Antônio Paim, publicado no Público de hoje, reflectindo sobre os efeitos perversos do multiculturalismo, nomeadamente o da guetização das comunidades islâmicas nas sociedades ocidentais, veio recordar-me que a tolerância religiosa sendo uma conquista civilizacional conceptualmente adquirida, não deve ser considerada «um valor supremo».
Isto parece-me evidente, pois quando uma prática religiosa atenta contra a dignidade individual ou colectiva deverá ser combatida sem tréguas.
Neste particular, a famigerada burka (sem esquecer o tchador, apesar de tudo menos ignominioso), que cada vez mais se vê por aí, é ultrajante. Andar por algumas capitais europeias, torna-se um exercício penoso, porque sabemos que aquelas mulheres estão fortemente condicionadas -- apesar da tagarelice desavergonhada dos círculos islamitas.
Não há culturas de primeira nem de segunda, sabêmo-lo há muito -- mas há mais tempo que sabemos não haver géneros superiores. Por isso, afigura-se-me que uma das principais acções da cidadania europeia deve ser a de erradicar esta opressão bárbara cometida diante dos nossos olhos e com a nossa passividade. Não posso sentir-me livre se os meus concidadãos -- ou aqueles que não o sendo vivem à minha volta -- o não forem também. É uma premissa essencial. Daí que a erradicação deste ranço religioso -- que, aliás, começa a contagiar o discurso público de algum catolicismo -- seja um desígnio (um combate, apetece escrever) vital para a preservação de coisas tão importantes, como a própria paz social, sob pena de ficarmos, a prazo, reféns do extremismo -- religioso, mas também étnico; islâmico, mas também fascistóide --, com o cortejo da sua consabida bestialidade.
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domingo, julho 09, 2006
Para a Avó Zé
Lembro-me de como gostava de estar
debruçado sobre a mesa da cozinha,
vendo a Avó a ferver as seringas
numa velha panela redonda de esmalte.
A mesa era grande, de mármore,
e ali fazia os deveres da escola,
num caderno quadriculado, sujo de enganos
da aritmética, com um n.º 2 mal aparado.
Hoje a Avó já não ferve as seringas,
mas desfaz os morangos em compota,
cujo aroma nos anuncia
as escuras tardes de Outono.
debruçado sobre a mesa da cozinha,
vendo a Avó a ferver as seringas
numa velha panela redonda de esmalte.
A mesa era grande, de mármore,
e ali fazia os deveres da escola,
num caderno quadriculado, sujo de enganos
da aritmética, com um n.º 2 mal aparado.
Hoje a Avó já não ferve as seringas,
mas desfaz os morangos em compota,
cujo aroma nos anuncia
as escuras tardes de Outono.
Estoril, 23-VI-1985
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sábado, julho 08, 2006
Correspondências #51 - Ferreira de Castro a Natália Correia
Lisboa, 7 de Outubro de 1973
Minha querida amiga Natália Correia:
Minha querida amiga Natália Correia:
Foi preciso que uma grande poetisa tivesse voz orientante numa casa editora, para que se ressuscitasse um grande jornalista português, decerto o mais estranho de todos, mas que versos nunca fizera.
Não é debalde que a Natália se distingue também e muito altamente como romancista, psicóloga e pensadora. Não é debalde, porque todos estes méritos contribuíram certaemnte para considerar uma injustiça o esquecimento em que se encontrava esse fantástico Reinaldo Ferreira, tão fantástico na sua curta vida e nos seus próprios trabalhos, que se eu não o houvesse conhecido em carne e osso e sido muito amigo dele, duvidaria da sua existência.
Senhor duma prodigiosa imaginação, tão vasta e surpreendente que é bem provável não ter havido outra igual no nosso jornalismo, durante uma década o seu fulgurante talento encheu de estupefacção quantos o liam. E não só em Portugal, mas também em Espanha, onde trabalhou algum tempo.
Em tudo precoce, quer na vida aventurosa, quer na sua arte, Reinaldo Ferreira conheceu um espantoso êxito antes dos trinta anos. O seu nome tornara-se rapidamente célebre e o seu pseudónimo «Repórter X» mais famoso ainda. Falava-se dos seus triunfos profissionais com o mesmo tom que se utiliza para evocar actos singulares de figuras lendárias.
Mas no meio de toda esta ebriedade, uma mulher, que não devemos nem podemos condenar sem conhecer a sua verdade, que ela própria talvez não soubesse esclarecer bem, empurrou-o para um abismo, sem ser essa, evidentemente, a sua intenção.
Ansioso de olvido, ele escolhera, para curar o espírito doente, o pior de todos os remédios, aquele que lhe adoeceria o corpo também. Foi uma derrocada total. E Reinaldo, que tanto desejava esquecer, ficou esquecido ainda em vida. A Morte, talvez apiedada, apressou-se a levá-lo com a mesma prematuridade com que tudo florescera na sua existência.
Nobre gesto o seu, Natália, em querer que ele volte ao nosso convívio. Pode dispor completamente do artigo de que me falou -- o artigo que escrevi há já bastantes anos sobre esta figura excepcional, que tinha espírito europeu e morreu de paixão envenenada, como um português.
Um grande abraço do seu muito amigo e muito admirador
Ferreira de Castro
In Reinaldo Ferreira (Repórter X), O Táxi nº 9297
Figuras de estilo - Joaquim Paço d'Arcos
Todas as alternativas da guerra, os altos e baixos da tremenda aventura, as horas negras de Dunquerque e da capitulação da França, os momentos decisivos da batalha de Inglaterra, o vaivém dos exércitos no Norte de África, a rendição de Tobruk, a queda de Singapura e o vertiginoso alastramento nipónico pelo Sudeste Asiático, os dias e noites sombrios da batalha do Atlântico, a manhã luminosa de Al-Alamein, o desembarque na Sicília e a campanha de Itália, os golpes de tragédia renascentista da política italiana, o desembarque na Normandia e o estabelecimento da Segunda Frente, a libertação de Paris e a travessia do Reno, a Guerra com G grande, a guerra total, no mar, na terra, no ar, nas cidades e no deserto, na selva da Birmânia, nos bancos de coral da Oceania e nas planícies da Europa, na Câmara dos Comuns destruída pelas bombas inimigas ou à mesa das Conferências secretas, toda essa película, terrífica e alucinante, passa a nossos olhos e a nosso espírito nas páginas das volumosas Memórias do guerreiro e do estadista que, como César, forjou a História e escreveu-a.
Churchill -- O Estadista e o Escritor
(fotografia de Churchill
por Yussuf Karsh, 1941)
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sexta-feira, julho 07, 2006
Saúte
Parece que anda por aí um novo excelente cronista. (Os bons cronistas contam-se pelos dedos de uma mão.) A prosa de Nelson Saúte no último JL vale muitíssimo a pena.
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Nelson Saúte
Quero ser muçulmano,
se o Salazar e o Franco, porque combatentes do comunismo, foram também defensores estrénuos dos valores católicos, como quis esta semana um deputado polaco ao Parlamento Europeu.
quinta-feira, julho 06, 2006
Antologia Improvável #144 - Alfredo Guisado
O BALOIÇO
Na minha quinta, em pequeno,
Tive um inquieto baloiço
Que ainda o vejo sereno
E nele os meus gritos oiço.
Longas horas baloiçava
Meu frágil corpo menino.
E ora subia ou baixava
Num constante desatino.
Nesse baloiço, à distância,
Chama por mim minha infância
E eu chamo p'lo que passou.
E sem haver quem me oiça
O baloiço me baloiça
Entre o que fui e o que sou.
A Lenda do Rei Boneco / Líricas Portuguesas - 2.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)
Na minha quinta, em pequeno,
Tive um inquieto baloiço
Que ainda o vejo sereno
E nele os meus gritos oiço.
Longas horas baloiçava
Meu frágil corpo menino.
E ora subia ou baixava
Num constante desatino.
Nesse baloiço, à distância,
Chama por mim minha infância
E eu chamo p'lo que passou.
E sem haver quem me oiça
O baloiço me baloiça
Entre o que fui e o que sou.
A Lenda do Rei Boneco / Líricas Portuguesas - 2.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)
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quarta-feira, julho 05, 2006
No indigente circo norte-coreano, o palhaço de hoje pode, amanhã, transformar-se em fera, se os espectadores se distraírem. O potencial domador, a China, remete-se agora para o papel que mais lhe convém, o de mestre-de-cerimónias. Há, a sul, um espinho encravado chamado Formosa e outro a norte, o Tibete, que bem podem ser uma tentação para Pequim deles se servir como moeda de troca: compreensão por parte da América & aliados no tratamento destes assuntos internos (que no caso do país do Dalai-Lama é uma mera ocupação ilegítima), em troca da domesticação de Kim Jong Il.
Porque, a meu ver, nada que Pyongyang faça em matéria de política externa se processa sem, pelo menos, a condescendência do seu mastodôntico vizinho setentrional.
Cartoon
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Caracteres móveis - José Bettencourt da Câmara
Remotos fundos étnicos diferentes a explicar a diversidade de patrimónios culturais em comunidades às vezes muito próximas no espaço? Não custa admiti-lo, considerando, por um lado, a diversidade de estratos populacionais, por assim dizer, que até ao período medieval se acumulam no território medieval e, pelo outro, o grau de autarcia em que subsistiram as nossas comunidades rurais até há pouco.
O Essencial sobre a Música Tradicional Portuguesa
Logotipo da Brigada Victor Jara
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terça-feira, julho 04, 2006
segunda-feira, julho 03, 2006
Antologia Improvável #143 - Armando Cortes-Rodrigues
(SONETILHO 3.º. DE VIOLANTE DE CISNEIROS)
Quando a paisagem recolhe
Seus olhos, na tarde calma,
É como alguém que se olhe
Com olhos de alma p'ra alma.
Se a paisagem esmorece,
Fechando os olhos doridos,
É como alguém que perdesse
A noção dos seus sentidos.
Não vê... não ouve... não fala...
Paisagem de si ausente,
Fico-me ausente de olhá-la.
Caminho! Noite cerrada!
Sou a Paisagem de ausente
Toda em mim transfigurada.
Cantares da Noite / Líricas Portuguesas, 2ª. Série
(edição de Cabral do Nascimento)
Quando a paisagem recolhe
Seus olhos, na tarde calma,
É como alguém que se olhe
Com olhos de alma p'ra alma.
Se a paisagem esmorece,
Fechando os olhos doridos,
É como alguém que perdesse
A noção dos seus sentidos.
Não vê... não ouve... não fala...
Paisagem de si ausente,
Fico-me ausente de olhá-la.
Caminho! Noite cerrada!
Sou a Paisagem de ausente
Toda em mim transfigurada.
Cantares da Noite / Líricas Portuguesas, 2ª. Série
(edição de Cabral do Nascimento)
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domingo, julho 02, 2006
Correspondências #50 - Aleister Crowley a Fernando Pessoa
Ivy Cottage
Knockholt, Kent,
Dec. 22nd, 1929
Knockholt, Kent,
Dec. 22nd, 1929
Care Frater:
Do what thou wilt shall be the whole of the Law.
Thank you very much for the three little books. I think they are really very remarkable for excellence.
In the Sonnets, or rather Quatorzaines, you seem to have recaptured the original Elizabethan impulse -- wich is magnificent.
I like the other poems, too, very much indeed.
Love is the law, love under will.
Yours fraternally,
Aleister Crowley
In Marco Pasi, Aleister Crowley: tra trasgressione e tentazione politica
apud Victor Belém, O Mistério da Boca-do-Inferno -- O Encontro Entre o Poeta Fernando Pessoa e o Mago Aleister Crowley
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