«Sentado, as pernas cruzadas, uma das mãos no bolso e a outra a brincar com o lápis, Giovanni Fazio observava os passos, para diante e para trás, dum casal de ingleses. Ele -- chamar-te-ás John, decidiu -- recuar dois ou três metros, e ela -- Mary -- dirigia-se devagar para os degraus do palácio, sob o olhar indiferente do David.» Augusto Abelaira, A Cidade das Flores (1959)
«Dava a impressão de que tudo degenerava; mesmo os turistas já só faziam perguntas à toa, alimentando o orgulho com que o caseiro da Barbela desfiava aquela lengalenga sem reparar no nariz pacóvio dos viajantes. / -- Aqui estamos em frente da Torre. Meus senhores, peço que se descubram e ao mesmo tempo um minuto de silêncio pela alminha dos Senhores que já lá estão.» Ruben A., A Torre da Barbela (1964)
«Um ponto negro, pouco maior do que cabeça de alfinete, mas tão doloroso como raiz de dente. Com muito cuidado, devagar, para que a lâmina não resvalasse, extraiu o espinho. E uma gota de sangue veio borbulhar no orifício que ele deixara. / Lá em baixo, no campanário, o relógio deu três horas.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928)
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«O calafrio demorou-lhe nos nervos até assomar à encosta de que se enxergava Seitosa. Aí, o pensamento desviou-se-lhe de todo para a Zefa, o ranger da porta cautelosa, e a mão dela que o arrepanhava para dentro como fateixa de loba. Debaixo dos sapatos brochados, o chão penetrado pelas agulhas do codo estreloiçava. Ouviam-se ladrar os rafeiros para as eiras, alevantando um eco muito fino no céu estanhado. O sete-estrelo estava alto; luziam as Três Marias por entre alvas nuvens. A lua lá ia de cambulhada com os cirros, veleira como folha num rio a monte. Deviam estar a despedir dos serões. Mas a terra, em contra das sombras negras do mato, debaixo do estendal branco da geada, parecia ainda uma laja de malhar. Um homem punha vulto que se descobria à légua.»
Aquilino Ribeiro, "Terras do Demo". Romance. (1919)
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